José Tadeu Arantes, Agência Fapesp
A qualidade da saúde e da educação básica
no Brasil registrou sensível melhora nas duas últimas décadas. Essa
evolução refletiu no Índice Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), que
cresceu de 0,493 para 0,727 entre 1991 e 2010, atingindo um patamar
considerado alto na avaliação do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (Pnud), em estudo divulgado em julho de 2013. A evolução
do IDHM não foi maior porque os índices da qualidade da educação, mesmo
tendo crescido, ainda ficaram extremamente baixos.
Indicadores obtidos pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEM) em dez
anos de pesquisa revelam que, enquanto os ganhos de qualidade no
atendimento de saúde foram mais ou menos uniformes para o conjunto dos
municípios brasileiros, na educação aprofundaram-se as disparidades. "A
desigualdade na saúde básica é menor do que a desigualdade na educação
básica", constata Marta Arretche, coordenadora do CEM, um dos Centros de
Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados pela FAPESP.
Os municípios com muitos pobres têm dificuldades para melhorar o
desempenho de seus estudantes, constatou a pesquisa que avaliou, por
meio de 10 indicadores, o desempenho da saúde e da educação básica de
todos os municípios brasileiros ao longo da década de 2000. "Se o
desempenho da saúde básica está fracamente associado ao percentual de
pobres do município, o desempenho dos sistemas municipais de educação
básica tem uma associação forte e negativa com a taxa de pobreza", ela
afirma.
A pesquisa, que comparou a trajetória e o desempenho de cada um dos
municípios brasileiros, deixou algumas perguntas em aberto. Já existem
fortes evidências de que o modelo de universalização tem influência no
desempenho de cada um dos sistemas: enquanto a saúde básica tem gestão
centralizada no Sistema Único de Saúde (SUS), a educação básica é
municipalizada. "É inegável que o SUS tem uma influência muito positiva
no melhor desempenho do setor", diz Arretche. "E, dado que a
universalização do ensino fundamental ocorreu por meio da
municipalização, as relações entre presença de pobres e desempenho
escolar afetam mais fortemente as escolas da rede municipal."
A pesquisa sobre o desempenho dos sistemas de educação e saúde
integra o portfólio de investigação desse CEPID constituído em 2000, no
primeiro edital do Programa, com o objetivo de entender os processos de
reprodução das desigualdades nas metrópoles e fornecer dados e subsídios
para a formulação de políticas públicas.
"Os estudos do Centro foram organizados segundo três grandes eixos
temáticos: atividades econômicas e mercado de trabalho; o Estado e suas
políticas; e a sociabilidade dos cidadãos", disse Eduardo Marques,
professor livre-docente do Departamento de Ciência Política da
Universidade de São Paulo e coordenador do CEM de 2004 a 2009.
O eixo "atividades econômicas e mercado de trabalho" englobou temas
como reestruturação produtiva e competitividade, emprego e desemprego e,
mais recentemente, os impactos do aumento da escolaridade da população
no mercado de trabalho.
Trajetórias ocupacionais
Nesse eixo temático, uma das pesquisas foi conduzida por Nadya
Guimarães, professora titular do Departamento de Sociologia da
Universidade de São Paulo (USP) e diretora do Instituto Nacional de
Ciência e Tecnologia para Estudos da Metrópole, sediado no CEM, e buscou
compreender a intensa reestruturação macroeconômica e
micro-organizacional ocorrida no Brasil a partir dos anos 1990. "Em
primeiro lugar, analisamos o que se passava com as trajetórias dos
indivíduos no mercado de trabalho quando se contraía a atividade
produtiva e se ampliava o desemprego, como ocorreu entre nós na primeira
metade dos anos 2000", contou Nadya Guimarães.
"Em parceria com a Fundação Seade [Sistema Estadual de Análise de
Dados], fizemos uma pesquisa por amostra domiciliar que alcançou 55 mil
indivíduos na região metropolitana de São Paulo, os quais tiveram as
suas trajetórias ocupacionais retraçadas desde o Plano Real [1994] até o
momento da enquete [2001]", disse a pesquisadora.
Posteriormente, uma subamostra de casos foi analisada em profundidade
e acompanhada entre os anos 2002 e 2005, de modo a explorar como esses
indivíduos interpretavam a sua experiência de busca por oportunidades no
mercado de trabalho.
Para melhor entender a especificidade de São Paulo, os pesquisadores
conduziram estudo similar, em parceria com colegas japoneses e
franceses, nas regiões metropolitanas de Tóquio e de Paris. Tais
metrópoles estavam igualmente sujeitas a mudanças importantes nas
condições de acesso ao trabalho e ao crescente risco de desemprego, mas
se distinguiam do caso brasileiro pela robustez dos seus sistemas
políticos de proteção - público, no caso francês, e privado, no caso
japonês.
"Observamos que, em São Paulo, as trajetórias eram marcadas por
intensas transições entre ocupação, desemprego e inatividade, dando
lugar a percursos ocupacionais erráticos, movidos pela premência de
obter, a qualquer custo, a sobrevivência imediata", disse Nadya
Guimarães. "Isso refletia a natureza restrita das políticas de proteção
aos desempregados, tanto no que respeitava à sua capacidade de incluir
os potenciais demandantes, quanto no que concernia aos benefícios como o
seguro- desemprego ou o sistema público de apoio à requalificação,
intermediação e colocação de mão de obra", acrescentou.
A pesquisa constatou que eram as redes pessoais de sociabilidade os
mecanismos pelos quais os indivíduos procuravam e encontravam não apenas
o trabalho, mas também o suporte imediato para encarar o desemprego ou a
inatividade.
"Na região metropolitana de São Paulo, onde 8 em cada 10
entrevistados afirmaram procurar trabalho por meio de seus familiares,
amigos e conhecidos, e 7 em cada 10 diziam ter encontrado o seu último
trabalho recorrendo a redes pessoais, eram esses mecanismos informais os
mais eficazes para ultrapassar o desemprego. Mas nossos dados mostraram
também que as oportunidades de emprego criadas nesses circuitos de
sociabilidade eram de baixa qualidade e menor durabilidade", prosseguiu a
pesquisadora.
Estudos comparativos evidenciaram que tal característica era
recorrente nas demais metrópoles brasileiras, porém, em intensidade
variável, sendo tanto mais relevante quanto mais precários e pouco
formalizados eram os mercados - assim, era mais eficaz no Nordeste
(notadamente em Recife e Salvador) do que no Sudeste e no Sul (em
especial, Porto Alegre).
Intermediação de trabalho vira atividade emergente
Em um segundo momento, os pesquisadores analisaram a reconfiguração
das relações de trabalho no Brasil, na segunda metade dos anos 2000.
"Observamos, pela análise de estatísticas do Ministério do Trabalho e do
Emprego (RAIS-Migra), que, quando se ampliaram os empregos formais no
Brasil, havia crescido muito mais rapidamente um tipo especial de
emprego com carteira assinada: aquele propiciado pelo que denominamos
'intermediadores de oportunidades de trabalho', como as agências de
emprego ou as empresas de trabalho temporário", informou Nadya
Guimarães.
"Em um mercado caracterizado pela força das redes pessoais de
sociabilidade, cresciam, e de modo acelerado, os mecanismos mercantis
que ligavam os indivíduos que procuravam empregos aos postos de trabalho
disponíveis", disse a pesquisadora.
Um novo levantamento amostral, com cerca de 1.600 casos, entre
trabalhadores à procura de emprego em agências da região metropolitana
de São Paulo no ano de 2004 revelou que se tratava de uma força de
trabalho mais jovem, crescentemente feminina e mais escolarizada, que se
encontrava em busca, no mais das vezes, de seu primeiro emprego.
"A maioria deles encontrava, por meio dos intermediários, o seu
primeiro posto formalmente registrado de trabalho. Mas os vínculos eram
de muito pequena duração e os ganhos salariais eram muito menores do que
aqueles experimentados pelo salário mínimo no pós 2005", disse Nadya
Guimarães.
Por outro lado, as empresas dedicadas à intermediação de trabalho
haviam se transformado em um poderoso segmento da atividade econômica,
organicamente integrado aos que contratavam os seus serviços, como os
pesquisadores puderam verificar utilizando a Pesquisa da Atividade
Econômica Paulista.
"Mais do que isso", sublinhou Nadya Guimarães, "nesse ramo de
atividade, o Brasil se destacava entre os países líderes no cenário
internacional do trabalho intermediado. Exploramos estatísticas
comparativas internacionais para os anos 2008 a 2010 e vimos que o
Brasil ombreava com países reconhecidos no mundo do trabalho
intermediado e temporário, como Japão, Inglaterra, Espanha, Holanda e
Estados Unidos, tanto pelo número de agências de emprego e pelo número
de trabalhadores intermediados como por sua participação na receita
gerada pelo setor em escala internacional. Ou seja, no mesmo movimento
de crescimento econômico pelo qual o emprego se ampliava, as relações de
trabalho pareciam progressivamente se reconfigurar, diversificando-se
pari passu com a dinâmica econômica."
Leia mais sobre o Centro de Estudos da Metrópole: Educação,
desigualdade e sistema de cotas e Uma sociedade com 12,4 milhões de
favelados.
Mais informações: http://cepid.fapesp.br/centro/14
Fonte: http://www.asbea.org.br/escritorios-arquitetura/noticias/centro-de-estudos-da-metropole-faz-diagnostico-abrangente-das-cidades-300660-1.asp
Centro de Estudos da Metrópole faz diagnóstico abrangente das cidades brasileiras
Autor: iabtocantins
| Publicado em: quinta-feira, outubro 31, 2013 |
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