A qualidade de vida em uma cidade
depende muito mais da sua população, do que dos órgãos de
planejamento, uma vez que é preciso haver uma apropriação da cidade por
parte de seus habitantes. Esta é uma das posições do Arquiteto e
Urbanista Luiz Masaru Hayakawa, presidente do Instituto Municipal de
Planejamento Urbano de Palmas – Impup.
Para Massaru, Palmas possui condições
para ser uma das melhores cidades do mundo, e se situar no topo no que
se refere ao transporte, acessibilidade e mobilidade, desde que “se faça
a parte do homem”. O presidente comentou também
que o urbanismo ainda é pouco aprofundado nas Universidades.
Natural de Maringá-PR, Luiz Masaru é
graduado em Arquitetura pela Universidade Federal do
Paraná. Profissionalmente segue a escola do arquiteto e urbanista Jaime
Lerner, com quem iniciou na carreira profissional. Também atuou no IPPUC
(Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba) chegando a
Supervisor de Planejamento. Em 1990 assumiu a Secretaria Municipal de
Desenvolvimento Urbano de Curitiba. Masaru foi o 18º presidente do IPPUC
no ano de 1999.
Confira a entrevista na íntegra:
Entre Palmas e Curitiba, quais as comparações?
Curitiba, por não ter uma paisagem
natural, tivermos que criar na paisagem urbana. A diferença de Palmas, é
que Curitiba não tem nada de atração natural. Aqui tem tudo isso,
serra, cachoeiras e tem esse lago que é uma praia. Agora se a gente
colocar a parte que depende do homem, como Curitiba fez, Palmas vai ser a
melhor cidade do mundo. Se colocarmos no Planejamento de Palmas, todos
os avanços do urbanismo, somadas a todas as condições naturais, aí,
realmente eu acho que Palmas terá todas as condições para sobrepujar
outras cidades.
Sobre a parte do homem que já foi feita, quais são os avanços e desafios de Palmas em relação ao urbanismo?
Às vezes essa questão dos problemas
urbanos não depende de quem planeja, depende do cidadão, do
comprometimento de quem vem morar aqui. Evidentemente que em uma cidade
nova, as pessoas não são daqui, e trazem consigo os vícios de onde
moravam.
As pessoas são acostumadas com a cultura
de sua cidade, trazem seus costumes. Elas tem que mudar se adaptar a
cultura local, o que é muito difícil, porque não se muda costumes de uma
hora para a outra, depende muito mais das pessoas mudarem, do que do
urbanismo, é um aspecto cultural. Por isso que eu acredito muito nas
crianças e jovens, vale a pena investir mais nas escolas, porque acho
que as crianças podem inverter isso, a própria cultura dos espaço
urbanos de cuidar da cidade e levar isso para a família.
A população de Palmas já se apropriou dos espaços urbanos da cidade?
Eu acho que ainda não, falta bastante, a
cidade está crescendo, é muito espalhada, com baixo adensamento, tem
locais com a ocupação muito distinta de outro, não há uma sintonia com o
cidadão, não há compartilhamento. O cidadão muitas vezes não se sente
um palmense, ele é alguém que vem de fora.
Talvez ainda falte aquele sentimento que
a gente chama de sentimento de pertinência, de pertencimento, de ter
aquele orgulho de ser, de adotar essa cidade. A pessoa pensar eu sou
dessa cidade, eu quero está junto para construir essa cidade, isso é que
deve ser apropriado. Muitas vezes a gente ver que falta isso, a pessoa
enxerga as oportunidades, mas não vê a cidade como dela.
A população de Palmas reclama bastante do trânsito, das rotatórias. Isto é um problema?
Acontece que a configuração do
planejamento de Palmas é diferente de outas cidades. Palmas têm muitos
vazios urbanos, uma população menor, e tem um trânsito mais complicado.
Mas aqui a configuração da malha viária urbana é bem diferente, eu não
posso dizer que aqui, se eu tirar a rotatória, vai ser melhor, pelo
contrário.
Lá em Curitiba, lá em Goiânia, as
quadras são menores, então os motoristas têm mais opções de caminho
alternativo, se tiver um problema em um cruzamento, há opções. Aqui não,
se tirar a rótula e tiver um problema em um semáforo, para tudo. Vejo
que a rótula não é ruim para a configuração do planejamento adotado para
Palmas, pelo contrário, é a situação ideal, pois as quadras são
superquadras, são 700 metros de um cruzamento a outro. Em cidades como
São Paulo, Rio de Janeiro, eu não tenho essa distância de 700 de uma
quadra a outra, tem sete a oito quadras de 100 metros, então são setes
opções de desvio de trânsito, caso um semáforo tenha problema. Aqui eu
não tenho, se eu tiver um problema, no caso de semáforo, eu fecharia
quatro quadras.
Em Palmas temos problemas pontuais que poderiam, ou que se planeja utilizar o conceito de acupuntura urbana?
A acupuntura Urbana funciona bem no
conceito de que a cidade é um organismo vivo, como o corpo humano. Então
você interfere em um ponto aqui, para fazer efeito em outro lugar.
Quando você constrói um ginásio esportivo e influencia a orla, porque as
pessoas vão até o ginásio pela orla, um ponto acaba influenciando no
lado oposto da cidade. É exatamente nisso que a gente está planejando.
Isso pode funcionar com a
descentralização de serviços, por exemplo, com a mudança de deslocamento
da população também. Nós estamos trabalhando nisso, criando polos de
trabalho, parques, que vão influenciar outras regiões. Estamos estudando
com o córrego Machado, por exemplo, consolidando aquele Parque que pode
mudar a realidade daquela região. No momento que você tem a mobilidade,
a ciclovia integrada ao transporte, isso é compartilhado com a cidade
inteira, eu crio conexão.
O Transporte, a acessibilidade e a mobilidade são um dos problemas de Palmas, o que temos planejado para estas questões?
Eu acho que é nesta área que vai ter uma
diferenciação da cidade de Palmas em relação a outras cidades, de for
realizado o que se está planejado. Eu acho que esta é a vontade do
prefeito. No momento em que se conseguir trazer para o sistema de
transporte e mobilidade, a conexão entre o sul e o norte, com o centro,
com as áreas de geração de emprego, o aeroporto, o distrito industrial, a
rodoviária, vai ser o diferencial.
A experiência que eu tenho
de Curitiba, olhando e trabalhando nesse projeto de Palmas, eu posso
afirmar que o sistema daqui, se implantado, vai ser melhor do que o de
Curitiba, do que o sistema de Bogotá, que muito se fala. A gente parte
do zero para chegar lá em cima, no topo.
É o mínimo que uma cidade planejada, de
25 anos, que nasceu para ser Capital merece, não pode se contentar por
menos. Eu acho inadmissível, uma cidade moderna, planejada para tal,
está abaixo de uma cidade de 300 anos, que teria todos os problemas para
implantar um sistema de transporte, uma cidade de 20 anos, não pode
ter um sistema pior. É mais fácil para implantar um sistema melhor.
Quais as bases do sistema que está planejado para Palmas?
Além da integração, quando a gente fala
em transporte urbano, é a visão do que é transporte. O melhor sistema
não é especificamente aquele do ônibus, do VLT, ou do metrô, o melhor
sistema é aquele que contempla todos os tipos em uma rede só. Ou seja,
aquele que o proprietário do carro, possa optar qual o sistema de
transporte que ele quer usar, porque a qualidade do transporte é boa.
É essa multimodalidade do transporte que
é o ideal, para que a pessoa possa sair de bicicleta do Taquari até um
terminal de ônibus, pegar o coletivo ir até o centro, e depois retornar e
pegar sua bicicleta. Oferecer o máximo de opções de transporte, de
forma integrada. Essa flexibilidade, essa condição de cidade, para que
não fique insustentável quando tiver 01 milhão de habitantes.
Nos terminais, se tiver alguns serviços
públicos essenciais, melhor ainda, porque a referência da cidade acaba
sendo o transporte, se eu tenho uma farmácia no terminal, fica mais
fácil. Em uma campanha de vacinação, poderá ser divulgada nos ônibus, a
vacinação pode ser nos terminais. A acessibilidade fica mais fácil,
facilita a comunicação, a integração. Quando você usa essa rede de
transporte para a cidade, começa a ter o sentimento de pertinência, de
pertencimento, de cuidar do bem público.
Palmas foi planejada como Capital Ecológica, nós temos potencial para essa vocação ser seguida?
Sim, nosso potencial, enquanto Capital é
um dos maiores, até pelo exemplo da cidade, Palmas já nasce com essa
obrigação de ser sustentável, ser ecológica. É isso que eu estava
falando da população, que trás os costumes de suas cidades. A
sustentabilidade é aplicada com o envolvimento do cidadão.
A população tem que ser educada para
isso. A cuidar do lixo, carregar seu lixo na mão até achar uma lixeira,
não tocar fogo. A acessibilidade, a calçada, ela tem que ser construída
para todos, hoje um cadeirante não consegue andar na calçada. Uma cidade
de 24 anos já deveria todo mundo ter feito suas calçadas com
acessibilidade. Mas a cultura é a de origem, o comerciante pensa que a
calçada dele, é a rampa de acesso para a entrada do seu comércio, ele
não faz a calçada para o pedestre, como se fosse dele, não é, é da
população. Tem que ter uma reeducação dos moradores.
E no âmbito do Poder Público?
No âmbito do poder público, ele precisa
dar condições minímas de acessibilidade e mobilidade. É muito comum o
empresário ao fazer um empreendimento, que não respeite essas questões.
Isso existe no próprio seguimento da arquitetura, é muito comum o
arquiteto fazer o projeto de um edifício que ele só pense na entrada do
seu edifício, é bom para o empreendimento, mas ele não pensa na cidade. É
o caso, por exemplo, de acessos da garagem, que aparece com 20 metros
de largura, a calçada vira uma rua de acesso ao prédio.
O arquiteto não tem que pensar só no
empreendimento, a partir do alinhamento permitido, ele tem que pensar
na cidade, no cidadão. Isso também faz parte de uma ética profissional. A
gente tem que exigir uma postura de quem projeta.
Nessa questão, falta uma visão
humanística nos arquitetos, projetar para gente, no lugar de projetar
para grandes empreendimentos, para a beleza arquitetônica?
É o que eu costumo dizer que é a
diferença entre o arquiteto e o urbanista, o urbanista tem mais essa
visão humanística, ele tem uma visão mais fora do parâmetro da
habitação, para a rua, a calçada. Eu acho que na arquitetura, na
faculdade, eu digo, talvez a questão urbanística não é bem aprofundada,
todos os arquitetos deveriam ter um aprofundamento maior. Eu mesmo tive
essa dificuldade. Na faculdade a gente aprende muito a projetar, mas na
parte urbana falta vivência.
Nesse sentido, falta integração entre a universidade e a cidade no desenvolvimento de soluções urbanas?
Eu achoo que falta, eu senti isso lá em
Curitiba também, não é só aqui, eu acho que falta aquela sinergia entre
uma e outra. Muitas vezes a questão acadêmica está lá no seu
quadradinho, e na área operacional, a cidade não é assim, algo que em
dois meses se começa e se termina. A cidade é uma obra inacabada, ela é
uma sinfonia inacabada, vai está sempre sendo aprimorada.
A Universidade é muito quadradinha, com
começo, meio e fim. Mas na cidade ela não deveria ser assim, deveria
participar mais, e não se restringir a cidade em que está, ir para
outras cidades, que precisam muito mais. Até para que o aluno viva mais
isso, abrir o campo para o futuro profissional, pelo menos assim, o
profissional se forma com melhores condições, com referências.
Para quem vai fazer uma intervenção urbana, existe uma questão essencial que o senhor recomenda, qual é o ponto de partida?
Eu acho que o urbanista tem que ter uma
sinergia com todas as outras áreas, enxergar a parte social, ambiental,
os serviços públicos, áreas que ás vezes o arquiteto não gosta, mas é
essencial. Outra é a questão socioeconômica.
Muitas vezes quando o arquiteto planeja
uma quadra, ele só enxerga aquela quadra, a parte dele, ele não vê o
todo, se aquela quadra, ou conjunto vai influenciar no seu entorno, de
forma negativa ou positiva. Não existe, por exemplo, repetir um projeto
de uma cidade em outra, cada uma tem suas particularidades, que precisam
ser observadas.
Quando om senhor fala na questão social, o urbanista pensa nessa questão socioeconômica?
Você tem que pensar na questão das diferenças sociais, o urbanista tem que pensar na redução da desigualdade socioeconômica.
Muitas vezes o empreendedor,
o projetista torce o nariz para empreendimentos de maior poder
aquisitivo perto de áreas de baixa renda. Mas para o urbanismo isso é
essencial, porque eu tenho que fazer pessoas que irão trabalhar nessas
áreas se deslocarem da periferia, se eu poderia diminuir esse
deslocamento?
A cidade que conseguir fazer isso de
forma integrada, ela vai conseguir distribuir melhor a renda, vai ter
melhor qualidade de vida não vai formar guetos de faixa de renda. Quando
você consegue fazer isso no urbanismo, a população percebe a melhoria.
Um exemplo é quando a gente constrói um parque de boa qualidade em uma
área deteriorada, é aí que falamos em acupuntura urbana, aquilo fica
chique até para quem tem dinheiro, melhora a região. É como o museu de
Bilbao, que hoje é referência no mundo inteiro, ali era uma área
degradada que transformou a região.
O que lhe surpreendeu em Palmas?
Negativamente me surpreendeu muito foram
essas áreas desagregadas da cidade, muitos vazios urbanos. Isso a gente
sabe que ocasiona muitos problemas, muitos recursos públicos para os
serviços. Os serviços públicos acabam deficitários, como o transporte,
por que não dá retorno, é difícil corrigir o que já foi criado, a gente
precisa pelo menos conter, e potencializar o que já existe.
Positivamente a cidade é muito boa, a
população é muito agradável, precisa apenas se apropriar mais da cidade.
E tem os recursos naturais, que são muitos, acho que a cidade tem tudo
para ser uma das melhores do País. A gente tem que trabalhar para isso,
tem que ser uma ideia compartilhada, não só esperar de quem projeta, tem
que existir uma vontade da sociedade.
Como evitar que as questões políticas influenciem no planejamento urbano, que é uma questão de longa data?
Eu acho que passa justamente por essa
questão da sociedade, da população ter essa consciência, ter uma
identidade da cidade, se apropriar. Se ela entender que a cidade não é
de uma pessoa, que “eu não estou fazendo administração da cidade para
mim” que ela também está sendo construída para o futuro, ela não vai
deixar que mudem o planejamento não vai deixar acabar com o órgão de
planejamento, só pela vontade do gestor.
Uma área que hoje é vista como sem uso,
que só tem mato, pode está destinada para praças e parques, onde o idoso
vai fazer sua caminhada, vai ter sua academia ao ar livre. O
planejamento pode ser chato, porque não pensa só no agora, têm que
pensar daqui há 20, 40 anos, quando a cidade tiver 02 milhões de
habitantes, quais serão os espaços públicos, tem que ter áreas para
isso.
Fonte: http://www.cauto.org.br/?p=4021
Fonte: http://www.cauto.org.br/?p=4021
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