O legado de Vilanova Artigas

A obra do arquiteto que faria 100 anos em 2015

17/03/2015 | POR LAURA E MARCO ARTIGAS*
João batista Vilanova Artigas (Foto: Cristiano Mascaro)                                                             O arquiteto João Batista Vilanova Artigas em pleno trabalho

Artigas é de casa... e também da cidade. Experimentações formais e uma vocação para unir as pessoas no espaço definem o legado do arquiteto João Batista Vilanova Artigas,que faria 100 anos em 2015. Filme, livro, site e exposição celebram o pensamento vanguardista do líder da Escola Paulista.
Segunda Residência do Arquiteto é o nome técnico para a casa que João Batista Vilanova Artigas (1915-1985) projetou para sua família em 1949, na zona sul de São Paulo. Trata-se de uma construção com telhado em forma de asa de borboleta, sala com pé-direito alto, janelões e paredes inteiras de vidro e as cores características da obra do arquiteto – vermelho, azul e amarelo, em tonalidades sempre variadas. No mesmo terreno há outra edificação, conhecida como Casinha, projeto de 1942. Seu estilo, afirmam alguns críticos, foi influenciado pelo norte-americano Frank Lloyd Wright. Não tem fachada, uma ousadia para a época. As duas são referências absolutas da Escola Paulista e da Arquitetura Moderna Brasileira – termos que os arquitetos aprendem para estudar o lugar que, para nós, era a “casa da vovó”.

João batista Vilanova Artigas (Foto: Nelson Kon)                                                        Casa dos Triângulos (1958), também na capital paulista

Quando Artigas morreu, éramos ainda muito novos e, por isso, as duas moradas ficaram associadas a Virgínia (1915-1990), artista plástica, companheira do arquiteto e nossa avó. Aos olhos de uma criança, o jardim era um planeta a ser explorado. As memórias das distâncias percorridas ali compõem infindáveis planos-sequência felizes. Passávamos a maior parte do tempo na área externa – a figueira da esquina era nosso Everest. Por vezes, Virgínia interrompia as brincadeiras para dar atenção a grupos que apareciam para conhecer as casas.
Vilanova Artigas completaria 100 anos no próximo dia 23 de junho, dia de São João Batista. A data inspirou a mãe católica a nomeá-lo. Curitiba o viu nascer, São Paulo deu-lhe régua T e compasso. Artigas se formou engenheiro-arquiteto na Escola Politécnica da USP nos anos 1930. Arquitetura e Urbanismo era um curso que ainda não existia nessa universidade, e que ele ajudaria a fundar em 1948. Não só, como depois assinaria o projeto de sua sede na Cidade Universitária, uma de suas obras mais célebres. O edifício, sem portas de entrada, conduz à contemplação do espaço pelo passeio em suas rampas.

João batista Vilanova Artigas (Foto: Nelson Kon)                                                            Segunda Residência do Arquiteto (1949), o lar que Artigas projetou para si e a família em São Paulo

Também saíram de sua prancheta o Estádio do Morumbi e Edifício Louveira, no bairro paulistano de Higienópolis. Até hoje, o prédio não possui grades e a vizinha praça Vilaboim é tratada praticamente como uma extensão do próprio edifício. Entre as muitas residências que concebeu em São Paulo está a Casa dos Triângulos, cuja fachada é uma obra de arte criada pelo pintor Mário Gruber. Foi por pouco que Artigas não enveredou pelas artes plásticas. Pertenceu ao grupo de artistas que ficou conhecido como Santa Helena (no qual conheceu Virgínia). Por isso, em seus projetos, adorava integrar arte e arquitetura – tinha um pensamento multimídia. Além de arquiteto, foi um intelectual, membro atuante do partido comunista, ativista de sua profissão e professor.
Cinco anos atrás, durante um jantar em família com a historiadora Rosa Artigas (filha dele, nossa mãe), nos demos conta da proximidade do centenário. Os trabalhos para a efeméride começaram ali. Fomos, então, xeretar as caixas: eram fotos, documentos, folhas de caderno arrancadas, móbiles e projetos, muitos projetos. Durante os primeiros mergulhos em seus arquivos, sua vida se revelou uma “curva dramática” daquelas. A trajetória, cheia de altos e baixos, teve direito a fuga para o exterior, perseguição política, vitórias pessoais, prêmios lá fora, louvação dos alunos, além dos conflitos internos e dos desafios naturais que um mestre enfrenta.

João batista Vilanova Artigas (Foto: Nelson Kon)                                                                                         A fachada colorida e modernista de uma das obras mais icônicas do arquiteto, o Edifício Louveira (1946), no bairro paulistano de Higienópolis

Um documentário, portanto, mostrava-se uma maneira dinâmica de contar a história e um formato acessível a um público mais amplo. O filme, a ser lançado neste ano, conta com coadjuvantes de peso, como os arquitetos Pedro Paulo de Melo Saraiva, Jon Maitrejean, Ruy Ohtake, o historiador Carlos Guilherme Motta, o ator Juca de Oliveira e o vencedor do Pritzker Paulo Mendes da Rocha, que foi assistente de Artigas nos primórdios da FAU-USP. Em sua entrevista, emocionado, ele conta que, se dependesse do amigo, “tudo sempre daria certo”. Uma grande vontade da família – disponibilizar o maior número de informações sobre a vida e o trabalho do arquiteto – foi satisfeita com o lançamento de um site oficial, o vilanovaartigas.com. Outra lacuna de registro identificada será preenchida com um novo livro que trará em torno de 50 projetos, construídos ou não, com direito a material inédito. Além deste, Rosa capitaneia também a edição de um outro volume, infantil, que reúne os desenhos que o avô deixou para os cinco netos. Uma exposição no Itaú Cultural sintetizará toda a pesquisa feita para a data, ao oferecer uma retrospectiva multimídia de sua vida e obra. Tudo está programado para acontecer a partir de junho.

João batista Vilanova Artigas (Foto: Nelson Kon)                                                             Os pilotis que sustentam um dos prédios do Edifício Louveira irrompem no jardim e na escadaria da entrada

Mas não é de agora que o nome de Artigas retorna à pauta. O Centre Georges Pompidou, em Paris, incorporou desenhos do arquiteto ao seu acervo em 2013. O pavilhão brasileiro da Bienal de Arquitetura de Veneza de 2014 contemplou algumas de suas criações. E o MoMA, de Nova York, solicitou material para a mostra Latin America in Construction: Architecture 1955–1980, que abre em março. O Zeitgeist retoma Artigas pela qualidade de seus projetos, e porque ele já sabia de tudo. Previa com vigor todas as adversidades que as grandes metrópoles vivem atualmente. A são Paulo que imaginava – e concretizou em suas edificações – era moderna, efervescente e gentil. Em outro jantar de família, lamentávamos não havermos o conhecido melhor. Rosa consolou-nos: “Mas ele conheceu vocês”.
* Os irmãos Laura, roteirista e jornalista, e Marcos Artigas, arquiteto, são netos de Vilanova Artigas
Matéria publicada em Casa Vogue #354 (assinantes têm acesso à edição digital da revista)

João batista Vilanova Artigas (Foto: José Moscardi)                                                             A FAU – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (1961), obra máxima de Artigas

João batista Vilanova Artigas (Foto: Leonardo Finotti)                                                             A Casa Olga Baeta (1956), reformada por Angelo Bucci em 1998

João batista Vilanova Artigas (Foto: Acervo Pessoal João batista Vil)                                                             Desenho feito pelo arquiteto para os netos

João batista Vilanova Artigas (Foto: Arquivo Folha de São Paulo)                                                                 O Estádio do Morumbi (1953)

Fonte: http://casavogue.globo.com/Arquitetura/Gente/noticia/2015/03/memoria-o-legado-de-vilanova-artigas.html

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