Arquiteto: modo de contratação

Por Giovanny Gerolla

Edição 224 - Novembro/2012

Se você realiza com alguma frequência, periodicidade ou continuidade determinada tarefa pela qual é responsável perante um chefe, de cujas diretrizes você se subordina, e recebe - também periodicamente - uma remuneração pelas atividades desempenhadas, então você é um empregado.

Simples assim? Para muitos arquitetos, nem tanto. A situação no mercado de trabalho da arquitetura deteriorou- se tanto nos últimos 30 anos, que falar hoje em Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ou em carteira assinada já virou motivo de deboche. De chorar, no entanto, é o fato de os próprios arquitetos tratarem com tanta normalidade o que possa ser ilegalidade.

EMPREGO E CRISE
"Nos anos 1970 acreditávamos que todos estaríamos empregados na virada do século. Grandes empresas tinham seus departamentos de arquitetura e engenharia para projetos e obras, com funcionários próprios regularmente contratados. Quando fui diretor do nosso sindicato, no final dos anos 1970, chegamos a decidir sobre dissídio coletivo, algo hoje inimaginável", lembra o professor da FAUUSP Francisco Segnini Junior.

Seus estudos históricos mostram que não só a crise econômica dos anos 1980 e 1990 foram responsáveis pela reviravolta neste e noutros mercados de trabalho, mas a própria informatização tem relação direta com o desaparecimento dos lápis, das pranchetas e também dos direitos trabalhistas dentro dos escritórios.

ARTE X HONORÁRIOS
"Há uma ética avessa típica dessas áreas profissionais na fronteira com a arte; é algo romântico, ideologizado, e que aponta para o dinheiro como algo sujo, que não é coisa de artista", analisa o arquiteto e urbanista da Câmara dos Deputados e sócio da MGF Arquitetura, Danilo Matoso Macedo. "É um tabu falar de honorários no ramo da arquitetura. Já ouviu falar em quanto ganha o Niemeyer?", critica.

Para Danilo, o problema é que essa ideologização artística do trabalho do arquiteto cria ambiente propício e permissivo a certo tipo de prática que passa por cima dos interesses dos próprios arquitetos: "Eles não se preocupam com sua previdência? Não querem se aposentar um dia? Trata-se de um descuido que as novas gerações internalizam".

AS ESCOLHAS DOS CONTRATADOS
O arquiteto gaúcho M. T. acaba de ser contratado pelo regime trabalhista legal e não troca a nova situação por nada. "Foi só depois do registro em carteira que consegui a comprovação de renda necessária para financiar um imóvel. Além de mais segurança no trabalho, há uma série de benefícios que perdemos ao trabalhar no esquema de autônomos ou como pessoas jurídicas."

Para contornar o desprestígio dos direitos trabalhistas, a arquiteta Mariana Siqueira, depois de um ano sem contrato, remunerada por hora em um cargo de coordenação, resolveu impor condições. "Entendi que, se eles não me dão garantias, também não tenho que dá-las à empresa. É uma troca. Como não tenho férias pagas nem contrato, reduzi minha jornada diária para seis horas com horas extras remuneradas. O que não dá é contratarem como free lancer e trabalhar como funcionário."

QUEM REGISTRA E QUEM NÃO
Danilo Matoso Macedo explica que a maior parte dos arquitetos legalmente registrados está nas empresas que prestam serviços para órgãos públicos, porque os escritórios que vencem essas licitações são rigidamente fiscalizados e devem ter a totalidade de seus funcionários em situação regular.

Construtoras e grandes nomes da incorporação e do mercado imobiliário também registram, todos muito visados pela fiscalização do trabalho.

Os escritórios de médio e pequeno porte, que formam a grande massa dos empregadores, têm preferido burlar a lei ao exigir nota fiscal de funcionários disfarçados de pessoas jurídicas, ou entregar mensalmente o pagamento e fazer o impossível para zerar encargos trabalhistas.

Outra forma muito comum de contornar leis trabalhistas, sem entrar na ilegalidade, tem sido contratar escritórios menores, de jovens arquitetos. A relação é entre empresas, e a contratação é por serviço prestado.

FALTA DE ENGAJAMENTO
A luta sindical também é algo que seria a forma de manter a classe unida pela melhoria das condições de trabalho, mas é desconhecida dos próprios arquitetos, que não se engajam. "Acho paradoxal o fato de os presidentes antigos do Sindarq terem sido patrões, donos dos escritórios", conclui Danilo.

Para Francisco Segnini, um dos grandes problemas da deterioração das relações de emprego é que, como a negação dos direitos trabalhistas se torna algo normal, e associa-se à concorrência entre os milhares de novos profissionais que entram no mercado anualmente, há quem aceite trabalhar de graça, e acabe promovendo a nivelação, "por baixo", dos honorários.

CUSTOS DA REGULARIZAÇÃO
Segundo o presidente nacional da AsBEA, Eduardo Sampaio Nardelli, remuneração mínima, encargos trabalhistas e tributos excessivos dificultam demais a regularização de funcionários qualificados que, por serem mão de obra especializada, se tornam caros para escritórios de arquitetura.

A recomendação, para Eduardo, é fazer do arquiteto contratado um associado do escritório, com alguma participação nos lucros auferidos. Tal situação, no entanto, não tira a empresa da zona de risco de ser processada na Justiça do Trabalho. O fato é: o arquiteto que processa ganha a causa.

CONFIGURANDO VÍNCULO EMPREGATÍCIO
"Não importa qual o acordo existente entre o escritório e o arquiteto. Se o juiz entender que estão presentes os requisitos que caracterizam a relação de trabalho, o empregador vai ter que pagar os atrasados", prevê o advogado e professor de Direito do Trabalho do Largo de São Francisco Otavio Pinto e Silva.

A fraude fica ainda mais explícita quando o arquiteto era funcionário da empresa e foi obrigado a abrir empresa ou a passar a trabalhar como autônomo, apesar de nada mudar no seu cotidiano. Também não importa que o trabalho seja feito à distância ou por meios telemáticos: "se fizer um serviço diário para a empresa, subordinado e mediante remuneração, será considerado empregado".

PONDERAR A DECISÃO
O medo que atormenta muitos profissionais é o de se queimar no mercado, caso reclamem seus direitos na Justiça. É preciso pensar, no entanto, que não interessa aos escritórios tornar público o fato de estarem sendo processados por descumprimento de leis trabalhistas. "Nunca ouvi falar de profissionais que tenham reclamado e, depois, não tenham conseguido voltar para o mercado; alguns deles, aliás, vão muito bem", conta Francisco.

"O que costumo dizer aos meus alunos é que procurem trabalhar onde acham que ganharão experiência, e que conheçam a legislação para saber quando estão sendo explorados."

Na letra da lei: Consolidação das Leis do Trabalho

● Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
●§ 1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de benefciência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.
● Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
● Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.
● Art. 4 º - Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada.
● Art. 6 º - Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado à distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.
● Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.

Fonte: http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/224/arquiteto-modo-de-contratacao-273240-1.aspx

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