Cadernos Metrópole | Gentrificação da cidade contemporânea

Morro da Providência, Rio de Janeiro

Morro da Providência, Rio de JaneiroCrédito: Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas



Segundo o pensamento do geógrafo Neil Smith (1954-2012), a existência de áreas centrais degradadas tem gerado oportunidades de obtenção de rendas fundiárias, gerando a “gentrificação”, ou seja, o favorecimento de práticas especulativas dos agentes do mercado imobiliário. Esse é tema da edição nº 32 da Revista Cadernos Metrópole que reúne artigos sobre a gentrificação e o desenvolvimento desigual das cidades contemporâneas, como São Paulo, Salvador, Porto Alegre, Las Vegas, Paris, Lisboa, entre outras.
Ao longo dos últimos anos, o Comitê Editorial da Revista Cadernos Metrópole vem publicando dossiês temáticos a fim de debater questões centrais pertinentes à gestão e à reflexão das cidades contemporâneas. Merecem destaque os dossiês sobre “Direito à Cidade na Metrópole”“Mobilidade Urbana nas Metrópoles Brasileiras” e “Teoria Urbana na América Latina”.
Agora o INCT Observatório das Metrópoles promove o lançamento da edição nº 32 da Cadernos Metrópole com o dossiê “Desenvolvimento desigual e Gentrificação na cidade conteporânea”, que parte do conceito de “gentrificação” do geógrafo Neil Smith (1954-2012) para destrinchá-lo, explicá-lo, discuti-lo, criticá-lo e complementá-lo a partir da reflexão de vários estudiosos.
O problema da gentrificação é analisado em suas múltiplas escalas, do global ao local, da cidade ao bairro e à rua. Várias formações urbanas e fenômenos são analisados, como os condomínios fechados, as operações urbanas, os projetos de renovação urbana, a gentrificação comercial, a questão do patrimônio histórico, a museificação, a revitalização urbana, a valorização do solo e a obtenção de rendas, etc.
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Acesse a edição completa da Revista Cadernos Metrópoles nº 32.
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Apresentação - Cadernos Metrópoles nº 32
Por Márcio Moraes Valença
O número 32 da Revista Cadernos Metrópole reúne artigos sobre a gentrificação e o desenvolvimento desigual da cidade contemporânea, considerando, especialmente, o pensamento do geógrafo escocês, radicado nos EUA, Neil Smith (1954-2012), fortemente influenciado por David Harvey.
Smith explica que a existência de áreas centrais degradadas oportunizam a obtenção de rendas fundiárias, gerando a “gentrificação”, ou seja, favorece as práticas especulativas dos agentes do mercado imobiliário, em particular o residencial, que, tendo por base investimentos públicos e privados significantes, conseguem enobrecer certas áreas da cidade, com isso transformando os preços praticados no mercado ao criar submercados imobiliários para classes de renda mais alta.
Chama esse diferencial de preços de rent gap. Fruto do desenvolvimento desigual, com sua má distribuição de investimentos e de renda, tal processo induz à “gentrificação”, situação em que os mais pobres são deslocados. Esses deixam (ou abandonam, como diria Peter Marcuse) as áreas renovadas, ou porque os custos de sua manutenção no local tornam-se insustentáveis, ou porque são irrecusáveis as ofertas de compra de seus imóveis. Assim, o urbanismo contemporâneo impulsiona a produção capitalista, ao invés de impulsionar a reprodução social. A “gentrificação” é, no contexto da globalização e do neoliberalismo, uma estratégia urbana generalizada do capital.
O que diferencia a análise de Smith de outros pesquisadores sobre o mesmo tema é a ênfase que ele dá à gentrificação como estratégia do capital. Define ser um movimento do capital, não dos indivíduos. Assim, enfatiza mais o lado da oferta dos imóveis, enquanto pesquisadores, como David Ley, cujo trabalho é sobre as cidades canadenses, enfatizam aspectos ligados à demanda.
Para Smith, o processo – como analisado pioneiramente por Ruth Glass, em Londres e outras cidades britânicas, na década de 1960 – pode ter surgido por iniciativa de (ou seja, seguindo a demanda de) profissionais liberais em busca de mais centralidade e outros atributos urbanos, como cultura e arte, aqui incluindo acesso e proximidade a restaurantes, cafés, bares, teatros, galerias, salas de espetáculos, bibliotecas, museus, espaços públicos seguros e animados, praças, jardins, etc.
Porém, já na década de 1970, tal prática foi apropriada pelos capitais de base imobiliária e, na década de 1990, passou a ser uma prática generalizada, de larga escala e global. O Estado é também chamado a contribuir, tanto por demanda dos capitalistas promotores imobiliários, quanto dos residentes nos bairros renovados ou em processo. Chris Hamnett, que analisa Londres, situa a gentrificação na passagem da economia industrial para a pós-industrial. Analisa a mudança daí decorrente, no mundo do trabalho, nos empregos e nas categorias sócio-ocupacionais, para concluir que daí advêm mudanças na estrutura do mercado residencial.
A nova economia pós-industrial dispensa certos espaços antes ocupados pela indústria, transformando-os para novos usos, e requer espaços mais centrais para o desenvolvimento de uma economia de serviços e novas áreas residenciais. Peter Marcuse, que como Smith analisou o processo em Nova YorK, dedica particular atenção aos efeitos da gentrificação para os grupos afetados. Diz que a gentrificação, mas não só ela, pode levar ao abandono de áreas e que os benefícios da gentrificação são distribuídos de forma desigual entre os gentrificadores (gentrifiers) e os deslocados (displaced).
A ideia deste número especial da Revista Cadernos Metrópole é discutir, em particular, como o conceito de “gentrificação” pode ser utilizado para compreender e explicar a “produção de espaço” na cidade contemporânea, tanto no que se refere aos projetos de renovação urbana, em geral, e à recente onda de promoção de grandes projetos icônicos e espetaculares, quase sempre assinados por arquitetos de grife, quanto no que se refere à continuidade crônica do “desenvolvimento desigual”.

Debate internacional sobre gentrificação
Os artigos aprovados abordam vários aspectos do desenvolvimento urbano recente de várias cidades no mundo. Cidades brasileiras, como Porto Alegre, São Paulo, Salvador, Belo Horizonte e Santos, e cidades estrangeiras, como Las Vegas, Paris, Lisboa e Santiago do Chile, entre outras, indicam a diversidade de contextos analisados.
Os artigos são de autoria de grupo diverso de pesquisadores (professores, doutorandos, mestres e mestrandos), de várias formações (arquitetos, geógrafos, economistas, sociólogos, advogado e museólogo), ligados a várias universidades do Brasil (USP, UNESP, UFRGS, UFMG, UFBA, UFRN, UFF) e do Mundo (Universidad Externado de Colombia, University of Illinois-Chicago, Universidade de Lisboa, Universidad de Chile, Université François Rabelais, em Tours, Université Paris 1 – Pantheón-Sorbonne, em Paris). Os temas abordados cobrem amplo universo de pesquisa, tanto os artigos mais teórico-conceituais, como os mais focados na realidade local de bairros e cidades.
O conceito de gentrificação é destrinchado, explicado, discutido, criticado e complementado em detalhe nos vários artigos. O papel de vários agentes que participam da produção do espaço – incluindo o Estado e os tradicionais capitais imobiliários, mas também os “deslocados” moradores de rua, favelados e outros grupos afetados –, também é discutido em profundidade.
O problema é analisado em suas múltiplas escalas, do global ao local, da cidade ao bairro e à rua. Várias formações urbanas e fenômenos são analisados, como os condomínios fechados, as operações urbanas, os projetos de renovação urbana, a gentrificação comercial, a questão do patrimônio histórico, a museificação, a revitalização urbana, a valorização do solo e a obtenção de rendas, etc. Em tão complexa discussão, associada ao termo gentrificação, é comum encontrar palavras como renovação, reabilitação, requalificação, reestruturação, segregação, enobrecimento, desenvolvimento desigual, deslocamento, expulsão, abandono, degradação e declínio.
Abordagem dos artigos – Cadernos Metrópole
Em suma, são 14 os artigos que constituem este número da revista. O artigo de Álvaro Luis dos Santos Pereira discute a hipótese do diferencial de renda (rent gap), base da teoria de Neil Smith acerca da gentrificação. A abordagem de Smith é um dos modelos teóricos centrados na oferta, ou seja, na ação dos agentes do mercado imobiliário. Pereira considera ainda, de forma combinada, outros modelos, centrados na demanda, ou seja, na ação transformadora de indivíduos buscando localização central e amenidades.
Em seguida, Rafael Andrés Barrera Gutiérrez discorre sobre a origem e o significado do termo gentrificação e outros termos associados. No trabalho de Carlos Ribeiro Furtado, a ênfase é dada ao estudo da gentrificação como processo associado à reestruturação econômica neoliberal e consequente reorganização espacial. O autor analisa caso em Porto Alegre para situar o Estado como – ele próprio – agente da gentrificação.
Maria Floresia Pessoa de Souza e Silva discute a gentrificação para o caso de Las Vegas, nos Estados Unidos. Considera o papel predominante da suburbanização, tratando do desenvolvimento das gated communities nas cidades americanas, para tratar também das renovações urbanas, que são cada vez mais comuns em áreas centrais, encontrando nos dois processos influências do New Urbanism.
As operações urbanas em São Paulo são discutidas no trabalho de Marina Toneli Siqueira que discute a produção do espaço gentrificado em suas várias escalas, ressaltando que a escala local é importante na consideração dos vários projetos urbanísticos propostos e implementados e das resistências a estes.
Eugênia Dória Viana Cerqueira aborda o caso de Paris, só que o foco de sua discussão é a gentrificação comercial, não a residencial.
O centro antigo de Salvador, Bahia, é visto no trabalho de Laila Mourad, Glória Cecília Figueiredo e Nelson Baltrusis. Eles discutem os projetos corporativos de intervenção no Bairro 2 de Julho, que se apropriam do patrimônio histórico-cultural segundo um modelo excludente e privatizador. Daniel de Albuquerque Ribeiro também trata do centro histórico de Salvador, mais especificamente do Parque Histórico do Pelourinho.
O artigo seguinte, de Luís Mendes, analisa as políticas de reabilitação urbana nas cidades portuguesas como facilitadoras da gentrificação, considerando a tese do rent gap. A regeneração de áreas e as reformas dos edifícios – e resultante dinâmica imobiliária – servem para atrair crescente número de novos residentes da classe média de volta para os centros históricos.
Centrando em Lisboa, Jacques Galhardo argumenta que, contrariamente ao entendimento geral, as políticas públicas voltadas para o centro da cidade buscaram manter a população lá residente. As desigualdades presentes no território são críticas para a dinâmica urbana do centro antigo.
Felipe Eleutério Hoffman discute o papel dos novos museus para a revitalização urbana do centro de Belo Horizonte.
Em Santiago do Chile, a lógica neoliberalizante do desenvolvimento urbano das décadas recentes também se impõe, como argumentam Ernesto López-Morales, Ivo Gasic Klet e Daniel Meza Corvalán. Os autores verificam que há, em bairros centrais e bem dotados de infraestrutura, um processo desigual de captura de mais-valias urbanas, geradas a partir dos projetos de renovação.
André da Rocha Santos trata da revitalização do centro de Santos, no litoral do estado de São Paulo. Aborda as visões pró-mercado, de quatro administrações municipais recentes. Conclui que essas constituem práticas elitistas com resultados gentrificadores.
Concluindo a coletânea, Sonia Maria Taddei Ferraz e Bruno Amadei Machado discutem a política de limpeza  urbana, chamada comumente de “urbanização”, com a expulsão de moradores de rua na zona sul do Rio de Janeiro, como preparação para a Copa do Mundo e as Olimpíadas.
Enfim, este número especial do Cadernos Metrópole apresenta um rico dossiê, pronto para ser explorado por todos os interessados nos estudos urbanos, em geral, e no tema da gentrificação, em particular. Para concluir, gostaria ainda de agradecer a todos/as que responderam à chamada e encaminharam seus artigos à revista e a todos/as os mais de 60 revisores/as que disponibilizaram tempo em sua agenda apertada na análise dos artigos, pelo esforço que empreenderam e pela confiança em nosso trabalho.

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