A arte transcende a morte. E essa essência está muito presente dentro daquela que pode ser considerada como obra póstuma do aclamado diretor Stanley Kubrick. Mesmo considerando que seu desenvolvimento foi levado à cabo por outra figura emblemática como é Steven Spielberg, o filme possui esse ar fantasmagórico e perfeccionista tão típico do primeiro. Quimera de duas visões díspares, o filme é um produto que procura perturbar e não deixar indiferente a quem o assiste. Oferece um plano de fundo antagônico, uma vórtice destrutiva que silenciosamente ameaça e anuncia um final trágico para todos os protagonistas.
O filme está estruturado no mais puro estilo de Kubrick, com atos bem diferenciados entre si e possuindo uma estética independente em cada um deles. A arquitetura converte-se em uma ferramenta a mais na narrativa, em um elemento tão indispensável quanto a interpretação dos seus atores. Ela é, dentro de uma análise mais profunda, um reflexo da condição mental e sentimental do seu protagonista artificial, que passa de um ser inocente a um que perde o significado da sua vida e abandona-se na nostalgia.
Em uma primeira parte nos encontramos com uma ambientação intimista que permeia os ambientes cotidianos e enclausurados, saturados pela presença de luz natural que inunda a lente. É cálida como os sentimentos que são expressados, enfatizando a relação entre a mãe e o filho, que chega ao clímax quando ambos se fundem em uma mesma figura dentro de uma luz etérea que os rodeia.
A arquitetura dentro desta cotidianidade procura ser um elemento esteticamente anacrônico ao espectador, retratando uma realidade atemporal, um postal de um futuro que nunca aconteceu e que talvez nunca aconteça. Os materiais e seu mobiliário são estilizados. Predomina um estilo espacial, tão próprio de Kubrick como da era espacial da ficção científica mais clássica.
Este ambiente clássico contrasta drasticamente com a estética barroca da segunda parte. Noturna, converte-se em um conto de terror infantil em que, com certo caráter moral, aparecem as piores partes da nossa humanidade. Se a luz unificava os sentimentos anteriormente, aqui a escuridão os despedaça e rodeia todos seus atores de uma infinita solidão. Dentro da cidade do pecado, cuja estética agoniante remete aos cenários de "Blade Runner", mesmo que ruas estejam repletas de pessoas, cada uma procura sua própria satisfação, uma fuga da realidade que se colapsa a cada instante.
O último dos seus atos, o mais controverso do filme, mais do que uma realidade clara, nos apresenta como um devaneio além da vida. É neste ponto que as entrelinhas do filme possuem mais relevância ajudando a compreender a obra no seu conjunto. Após uma catástrofe climática, o mundo ficou devastado. A modernidade está em crise, tando nos aspectos materiais e de sobrevivência, quanto nos internos e espirituais.
A fim de mudar o rumo, a humanidade volta-se para a tecnologia. Sua presença alivia mas ao mesmo tempo angustia. Quanto mais adota a forma humana, maior é sua rejeição. A humanidade saber que perecerá e olha aquele retrato artificial com o mesmo desprezo que sente consigo mesmo.
A ambientação converte-se em uma experiência sensorial e fantasiosa. O mundo abaixo de gelo, preso no tempo, oferece aos visitantes um olhar sobre o nosso limite como civilização, nosso momento de maiores conquistas mas também da nossa própria destruição. A modernidade converte-se em um centro funerário da nossa civilização. Retrato que ao mesmo tempo em que reflete nossa condição atual, também resulta em uma advertência sobre o nosso futuro.
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Dois diretores, um filme
O processo de produção do filme parte da mente do diretor Stanley Kubrick durante os anos 70 do século passado. Ele não o retomou até a década de 90, quando passou boa parte do tempo escrevendo o roteiro. O diretor estava preocupado, sobretudo, com o realismo que deveria apresentar o robô protagonista.
Desta forma, estudou várias possibilidades, incluindo a utilização de um robô real que interatuava com os atores, mas não foi suficiente, até que observou os efeitos especiais de "Jurassic Park" em 1993, e encantado, escolheu Steven Spielberg como diretor do filme.
A produtora da filme, Warner, havia apoiado a ideia de que Kubrick fosse produtor e roteirista do filme, porém, sua morte repentina em 1999 alterou todo o projeto. A petição da família e devido a amizade que matinha com o diretor, Spielberg decidiu seguir adiante, atuando como roteirista, o que não fazia há mais de 20 anos.
Spielberg tratou de traduzir as ideias de Kubrick com a maior fidelidade, substituindo algumas partes por outras, dadas as complexidades fílmicas que representavam. O resultado final foi o filme mais obscuro dentro da sua cinematografia, que lhe permitiu não somente amadurecer como diretor, mas também começar novamente.
CENAS CHAVE
1. Primeiro Ambiente / A Infância Luminosa
Os cenários exibem uma aparência de grande elegância, com tomadas depuradas e ambientes cálidos. A iluminação natural satura a câmera criando um ambiente etéreo e imaterial.
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2. Retro Futurismo Espacial
Contextualizando a história em um futuro incerto, a tecnologia transparece características anacrônicas, próprias das histórias de ficção científica clássicas e das contemporâneas.
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3. Espaços Íntimos e Cotidianos
Grande parte do primeiro terço do filme se passa dentro do lar. Os cenários não procuram dominar as cenas, mas sim, refletir nos seus objetos a calidez do lar e a magia do cotidiano.
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4. Nascimento Artificial
Diante da aceitação da sua mãe, a luz envolve o protagonista e sublima por completo a ambientação da residencia. As silhuetas são ressaltadas enquanto se fundem em um grande abraço.
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5. Segunda Parte / A Idade Adulta Descarnada
Na sua segunda parte, os ambientes tornam-se amplos e noturnos, com espaços sujos e saturados que procuram criar a sensação de insegurança, solidão e perigo.
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6. A Feira da Carne / Celebração da Vida
Com ressentimento em relação às máquinas, a humanidade leva à cabo grotescos espetáculos onde aflora seu lado mais obscuro e decadente em um circo romano onde é celebrado a dor alheia.
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7. A Cidade do Pecado / Arquitetura Marcante
Em busca de refúgio, os protagonistas chegam à cidade. Flutuante sobre a água, sua aparência remete uma distopia onde a humanidade chegou no limite do seu desenvolvimento.
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8. Barroco Tecnológico
Cheia de luzes neon e com um estilo eclético, o interior da cidade lembra a estética de filmes como “Blade Runner”,uma cidade decadente e sombria que nunca amanhece.
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9. O Crepúsculo da Humanidade
Ao redor dos atos do filme existe um ar apocalítico subentendido. Após uma catástrofe global somos testemunhos de um fenômeno irreversível que narra o fim dos nossos dias.
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10. Terceiro Ambiente / O Final de uma Fantasia
Cheio de contrastes, os cenários parecem ser partes de uma grande experiência sensorial e por sua vez, catastrófica, um limbo atemporal onde a luz preenche de frieza e solidão a fotografia.
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11. A Modernidade como Ponto de Inflexão
Após uma era glacial, os restos da humanidade ficaram sob gelo. O planeta converte-se em uma área arqueológica de grande escala que exibe o fracasso da nossa modernidade.
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12. Devaneio Alienígena
A imagem alienígena, estilizada e surrealista, demostra a superioridade tecnológica diante do versátil e abstrato das suas formas. Sua geometria obedece à algo que veio de outro mundo.
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FICHA TÉCNICA
Data de Estreia: 26 de Junho 2001
Duração: 145 min.
Gênero: Drama / Ficção Científica
Diretor: Steven Spielberg
Roteiro: Ian Watson / Steven Spielberg
Fotografia: Janusz Kaminski
SINOPSE
Em um futuro onde os avanços científicos não levantam nenhuma suspeita, as pessoas compartilham todos os aspectos da vida com os robôs de aparência humana denominados mecas. As emoções são a última e inalcançável fronteira na evolução das máquinas.
Devido a escassez de recursos, as permissões de natalidade são limitadas. Como uma satisfação emotiva, a grande empresa Cybertronics cria uma criança robótica com a capacidade de amar. De forma controversa, é atribuída a família de um dos empregados da empresa que, igualmente ao resto da humanidade, não está preparada para as consequências que isto implica.
Veja o vídeo : https://www.youtube.com/watch?v=sqS83f-NUww
Fonte: Altamirano, Rafael. "Cinema e Arquitetura: "Inteligência Artificial" (2001) " [Cine y Arquitectura: "Inteligencia Artificial" (2001) ] 21 Ago 2015. ArchDaily Brasil. (Trad. Camilla Sbeghen) Acessado 22 Ago 2015. http://www.archdaily.com.br/br/771927/cinema-e-arquitetura-inteligencia-artificial-2001
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