Marcos Coronel e Juan Carlos Castillo, fundadores do coletivo venezuelano Pico Estudio, falam sobre a aplicação do urbanismo tático em contextos de violência urbana, e o papel do arquiteto na transformação dos espaços
POR MARIANA SIQUEIRA FOTOS JOSÉ ALBERTO BASTIDAS
Edição 257 - Agosto/2015
Para Marcos Coronel e Juan Carlos Castillo (na foto, da esquerda para a direita) fundadores do coletivo venezuelano Pico Estudio, colocar a disciplina da arquitetura a serviço da sociedade e da coletividade é o que dá sentido à sua atuação profissional. Afastando qualquer relação com o assistencialismo ou a filantropia, clamam por seu lugar de direito - e dever - na construção do território e das relações sociais que nele se estabelecem.
O coletivo foi formado em 2010 e, nos últimos anos, vem colaborando com o governo da Venezuela para ajudar a pensar novas formas de edificar cidades. Sua primeira encomenda foi um trabalho de pesquisa aplicada sobre a reformulação do modelo de habitação social unifamiliar a partir dos mesmos materiais, tecnologias construtivas e orçamentos já utilizados. Se alterar a política de massificação da habitação pode levar muito tempo, seu projeto mais recente, o Espaços de Paz, é a prova de que mudanças importantes também podem acontecer de forma rápida.
Os autores da metodologia por trás dos Espaços de Paz, uma iniciativa que junta governo, profissionais e população na criação de espaços de trégua em contextos de violência urbana na Venezuela, rompem os paradigmas das intervenções públicas na cidade ao desburocratizar o processo e entregar às pessoas o poder de decidir o que querem construir em suas vizinhanças.
Para a figura do arquiteto e suas obras, nada de holofotes: enquanto o primeiro é tão somente um dos atores envolvidos nos processos territoriais, as segundas são verdadeiras "desculpas" para induzir relações sociais. No que depender de Marcos e Juan Carlos e dos arquitetos dos tantos outros coletivos que concretizaram dez Espaços de Paz em 2014 e 2015, essas relações sociais serão cada dia mais marcadas pela justiça, pela liberdade e pelo afeto.
Como começa a história dos Espaços de Paz?
MARCOS CORONEL Espaços de Paz é uma experiência de trabalho que formulamos em 2014 com o Movimento pela Paz e pela Vida, uma organização criada pelo governo da Venezuela como espaço para o trabalho conjunto entre movimentos sociais, coletivos, comunidades e instituições do Estado. Como o coletivo Pico Estudio já vinha trabalhando em uma série de iniciativas vinculadas a processos de gestão comunitária, fomos convidados para desenhar uma metodologia, uma política de intervenção no território diante dos fenômenos da violência e da delinquência em alguns bairros, a partir de um viés preventivo. O trabalho consistia em criar estruturas físicas e sociais diretamente associadas ao tema do espaço público como forma de gerar oferta de acesso à cultura, recreação, esporte, conhecimento, educação.
Qual a essência da metodologia proposta por vocês?
JUAN CARLOS CASTILLO Quando chegou o convite, nós nos propusemos a refletir sobre a possibilidade de trabalhar não a partir da resistência ou a partir de espaços que carecessem de possibilidades e condições para atuar, mas a partir do poder, assumindo o espaço de direção de maneira a fazer os projetos em condições muito mais objetivas. Trabalhar a partir do poder é algo atípico na América Latina e no mundo, mas foi o que decidimos dar a nós mesmos e aos jovens. Uma das condições que buscávamos era a de que o processo burocrático fosse reduzido ao mínimo. Produzimos essa política de criação de infraestruturas de espaços públicos a partir de uma metodologia clara: desenhar e construir de forma participativa com os moradores, simultaneamente em cinco comunidades na Venezuela, em um tempo curto e com recursos limitados, para demonstrar que é possível desenvolver projetos com qualidade sem necessidade de passar por todos os trâmites burocráticos que caracterizam o modo estritamente entendido pela institucionalidade.
O que significa trabalhar a partir do poder?
MARCOS É trabalhar a partir do enfoque do direito que temos como cidadãos e do saber social como princípio no exercício disciplinar, sem nos auto- excluir em uma espécie de anonimato ou nos isolar dos espaços que propõem fazer frente a temas comuns. É nos colocar em uma situação de vinculação ativa em função do caráter interdependente que existe entre as múltiplas formas de gestão presentes na sociedade (governo, organizações de base, profissionais, universidades, entre outros). A partir do uso dos instrumentos, ferramentas e garantias operativas que nos permitem atuar em condições objetivas de trabalho, do ponto de vista da viabilidade política, econômica e social.
0 comentários:
Postar um comentário