Por Luc Nadal
Edição 230 - Maio/2013
Em Lyon, França, o projeto de recuperação das margens do rio inclui uma arquibancada de limestone com vista para o curso d'água, para a cidade e para um parque linear com amenidades e playgrounds projetados por Françoise Jourda e por IN SITU
m o amargo frio das tardes do fim de dezembro afastam os madrilenos do Parque Madri Rio, uma impressionante linha de 10 km com parques, praças e caminhos que são um popular ímã desde sua inauguração em 2011. Há pouco tempo, as águas irregulares do Manzanares, o único e esquecido rio da cidade, corriam em um canal de concreto triste, ao meio de uma pista viária. Cerca de 200 mil carros e caminhões passavam por ali todos os dias, nas duas margens do rio, apertado entre fumaças e barulhos. Levou cinco anos de uma construção ambiciosa para enterrar as longas faixas viárias e deixá-las longe da visão - ainda que não longe da existência.
O Parque Madri Rio não é um retiro bucólico no meio da cidade, mas uma série de espaços públicos animados, como continuação e reconexão do tecido da cidade que, por tanto tempo, foi mantida longe. O parque, nesse sentido, é altamente urbano. Ainda que espaços silenciosos e para descanso sejam parte de seu mix, a intenção principal é, claramente, intensificar a esfera pública pela justaposição de usos e de funções, eventos e atividades de todas as naturezas, tanto de forma estruturada quanto espontânea.
Seus 649 hectares alternam o verde com plantas coloridas, e uma diversidade de praças pavimentadas, caminhos arborizados e ciclovias, playgrounds, campos esportivos, para skates, uma praia urbana e sprinklers que se tornam populares no calor do verão. O projeto é dos arquitetos de uma joint venture de três escritórios de Madri, liderados por Ginés Garrido Colomero, e por Adriaan Geuze-led, e do holandês West 8.
O parque é um instrumento para desfrutar a presença na cidade e para reunir pessoas em um espaço compartilhado. Aberto e acessível por dezenas de opções de transporte público, é também peça-chave para a locomoção a pé ou de bicicleta - 30 km de ciclovias ininterruptas são a espinha dorsal de uma rede de ciclovias ainda nos planos da cidade. O parque pode ser acessado a pé por 300 mil moradores dos bairros vizinhos, e suas pontes e caminhos para pedestres melhoram a conectividade com o tecido urbano circundante, diminuindo distâncias e diversificando rotas, encorajando pessoas a andarem, correrem e pedalarem tanto no parque quanto em lugares adjacentes. É um antídoto ao espaço fragmentado desta era do espraiamento urbano, de espaços desérticos unidos por veículos motorizados e tecnologia da informação.
Há, no entanto, uma estranha combinação no fato deste notável parque estar situado em um gesto monumental de sentido radicalmente oposto. A cidade de Madri e o governo espanhol gastaram dez vezes mais enterrando e aumentando as vias da M30 (4,9 bilhões de dólares) do que criando o parque que a cobre (486 milhões de dólares). Nenhuma despesa foi poupada para as vias expressas. Quando ficou claro que técnicas construtivas tradicionais de cavar e cobrir não atendiam às demandas, máquinas gigantes de perfuração de túneis foram construídas especialmente para perfurar uma das maiores e mais complexas vias enterradas.
Diante das críticas aos trabalhos faraônicos realizados, além de seus custos ambientais e financeiros, o governo clamou ter resolvido com sucesso o congestionamento viário com a reconstrução de conexões e, assim, também eliminado a poluição e a emissão de gases de efeito estufa associados com os antigos congestionamentos. Esse argumento é pouco convincente, principalmente para uma cidade como Madri, onde congestionamentos recorrentes e limitações de estacionamentos mantêm uma reserva de tráfego latente fora das ruas.
O projeto do túnel para o M30 nos faz lembrar do ainda mais extravagante Big Dig, em Boston, Estados Unidos, um projeto que levou 20 anos para ser construído e cerca de 22 bilhões de dólares para cobrir os 5,6 km de vias interestaduais da estrada I 93, cortando o centro da cidade. Estudos feitos após a inauguração, em 2002, descobriram que, ainda que as faixas adicionais viárias realmente tenham diminuído o congestionamento nas fronteiras do projeto, o tempo de viagem dentro da cidade aumentou, por causa do aumento de viagens de carro induzidas pelo incremento de capacidade da via. Gargalos simplesmente foram empurrados, não reduzidos ou eliminados. "Tentar resolver o problema de congestionamento com a construção de mais vias é como colocar fogo com gasolina", argumenta Enrique Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá, famoso por ter cancelado o projeto de construção de uma rodovia elevada quando assumiu o cargo, e relocado os recursos para a criação de um sistema de alta capacidade de transporte público, o Transmilenio, que é combinado com redes de espaços públicos e ciclovias.
Projeto de recuperação das margens do rio Cheonggyecheon, em Seul, antes canalizado e sufocado por uma via elevada para carros. Na conclusão do projeto de 281 milhões de dólares, o medo do caos no trânsito e dos impactos no comércio não se materializou, e os 168 mil carros diários que passavam por ali parecem ter-se evaporado do dia para a noite
No final, e apesar do brilho de seu design e de seus programas, um parque que cobre uma via para carros segue sendo uma cobertura. É transformativo nos limites reais do projeto, em lugares que hoje são mais valorizados e privilegiados do que outros, por razões boas ou más. Mas os problemas gerais das vias não foram eliminados - houve apenas uma redução nos congestionamentos -, foram escondidos, pois a grande via emerge em algum lugar. O túnel regurgita o tráfego momentaneamente engolido pelo tecido urbano.
Felizmente, ainda que Madri não tenha aprendido a lição do Big Dig de Boston, um grande número de cidades pelo mundo vem caminhando em uma direção diferente. Nova York, por exemplo, testa opções de substituição de rodovias desde quando a Madri M30, construída na década de 1970, ainda era uma novidade. A via elevada do West Side, ao longo da margem do rio Hudson, foi uma das primeiras vias elevadas do mundo, construída em 1929. Mas foi fechada por um colapso parcial de suas vias em 1973 e, depois, desmontada. Esse incidente coincidiu com uma grande virada de atitude pública em projetos viários urbanos que aconteceram na década de 1970, devido a vários fatores: a crise dos combustíveis, que trouxe repentina incerteza ao suprimento de gasolina e à viabilidade a longo prazo de viagens de carro; e movimentos ambientais e de contracultura, que questionavam os dogmas básicos de uma sociedade centrada no carro. Nos Estados Unidos e na Europa, comunidades locais afetadas por projetos de grandes rodovias se organizaram contra esses empreendimentos.
Foram mais de 20 anos de estudos, esquemas, protestos, litigações e audiências para que o governo de Nova York decidisse, em 1995, que nenhuma pista expressa seria reconstruída. A hoje extinta West Side Highway foi substituída pela West Street, um bulevar arborizado, sensível com o contexto, com calçadas amplas, cruzamentos sinalizados para pedestres, refúgios seguros e uma ciclovia larga e protegida. Foram precisos mais seis anos para planejar e completar a rua, que finalmente abriu em agosto de 2001, para apenas ser fechada por alguns meses pelos destroços das torres gêmeas. Hoje, com sete a oito faixas viárias que permitem 95 mil veículos trafegarem em dias de pico, a West Street é ainda uma rua mais larga do que o desejado, mas abriga todos os seus usuários com relativa igualdade, e é cruzada todos os dias por milhares de pedestres ansiosos por acessarem o popular calçadão ao longo do Hudson River Park. Ao lado da adjacente High Line, restaurada por Diller Scofidio + Renfro e James Corner Field Operations, a área se tornou um dos destinos mais vibrantes da cidade.
Contrariando as previsões, quando o terremoto de 1989 em São Francisco forçou o fechamento do lotado Embacadero Elevated Freeway, uma via expressa elevada na cidade, o congestionamento aumentou um pouco, mas não houve grandes engarrafamentos. Rapidamente, o sistema viário retomou seu equilíbrio, bem perto da saturação em horários de pico, mas não muito mais do que o usual. Isso provou, uma vez mais, a elasticidade da demanda e justificou o movimento contra a freeway que tinha sido derrotado em 1960 quando foi contra a expansão da via expressa até a Golden Bridge, e que pediu, por anos, a demolição da estrutura. A sombra daquela via elevada de concreto pairou sobre a via beira-mar de São Francisco por 32 anos. Em 2000, um bulevar com espaços para pedestres e ciclistas, com palmeiras e uma linha de trem leve, reconectou a cidade ao píer e à baía, trazendo um boom imobiliário e investimentos comerciais à área.
Fonte: http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/230/conversas-urbanas-cidade-transformada-de-vias-expressas-a-parques-288445-1.aspx
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