Espaços fechados e cidades – Insegurança urbana e fragmentação socioespacial | Maria Encarnação Beltrão Sposito e Eda Maria Góes | Editora Unesp, 359 páginas | R$ 78,00
AMÁLIA INÊS GERAIGES DE LEMOS | ED. 233 | JULHO 2015
© EDUARDO CESAR
O livro Espaços fechados e cidades – Insegurança urbana e fragmentação socioespacial, de autoria de Maria Encarnação Beltrão Sposito e Eda Maria Góes, ambas professoras da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Presidente Prudente, baseou-se em um rico material teórico metodológico, sustentado numa visão interdisciplinar, e em um árduo trabalho de campo, realizado em três cidades do estado de São Paulo: Marília, Presidente Prudente e São Carlos.
Na primeira parte do livro as autoras discorrem sobre a formação das cidades contemporâneas. Concentram-se, nos capítulos seguintes, nos problemas de insegurança e de violência na cidade, que levam a população de maior poder aquisitivo a procurar espaços de segurança que os separem da presença do outro, considerado indesejável. Esse é um fato que interessa a todas as cidades, por levar a uma forma de segregação que se materializa em fragmentação espacial.
Na estrutura urbana, hoje, há um papel determinante dos conceitos e das circunstâncias da insegurança, que chamaríamos de retórica da ideologia, que os meios de informação de todos os tipos fazem questão de destacar. Uma nova dimensão da realidade, como mencionam as autoras, que resulta em um processo de várias escalas, manifestando-se em tempos e espaços diferentes.
Surge uma nova organização do espaço urbano, que teve origem nos Estados Unidos, assim citado pelas autoras: “A gated community é um produto imobiliário, estandardizado, planificado, fechado, que se difundiu, espalhando-se rapidamente no mundo inteiro. Ela promete alegria de viver e segurança às classes média e alta. Barreiras, guaritas, muros, arames, estendendo-se sobre dezenas, na verdade, centenas de metros, povoam atualmente as paisagens das cidades americanas. É difícil penetrar nessas gated communities sem se identificar e sem conhecer alguém no seu interior”.
O aparecimento dessas novas formas de morar, que às vezes já incluem o lazer, traz representações sociais negativas em relação aos espaços públicos: ruas e avenidas com assaltos, espalhando o medo, o perigo e a violência urbana, fatos que se tornaram próprios das cidades nos países emergentes. Hoje a população urbana e suburbana brasileira é a grande maioria, predominando a pobreza e a exclusão social, que já é uma forma de materializar as ideologias existentes.
As pesquisadoras se interessaram, por um lado, pelos modos de uso e apropriação dos espaços, e, por outro, pela percepção das pessoas em relação a esses lugares que habitam, o que foi feito por meio de depoimentos dos entrevistados. O material empírico lhes permitiu interpretar as relações entre esses novos espaços e as cidades às quais pertencem, assim como as relações com os diferentes espaços urbanos.
Essas novas formas de ocupação do espaço – as gated communities –, por razões óbvias, localizam-se nas periferias das cidades, modificando o próprio conceito de periferia, até então considerada como lugar de moradia dos mais pobres, os excluídos do ponto de vista sociológico: esses desenhos urbanos produzem uma nova divisão social do espaço da cidade, uma mudança nas formas e nos conteúdos da periferia.
Além do rico conteúdo teórico metodológico, é interessante a contribuição trazida pelas entrevistas realizadas nas cidades de Marília, Presidente Prudente e São Carlos, por meio das quais é possível verificar a recorrência dos motivos alegados pelos entrevistados para a escolha de morar nesses espaços fechados: nível de segurança, liberdade maior para as crianças, investimento financeiro, tranquilidade, boa vizinhança e possibilidade de aprofundar amizades.
Pelas entrevistas, transparece a ideologia utilizada para vender a altos preços esses espaços fechados: o reencontro de uma espécie de paraíso, que remete a uma vida supostamente de paz e harmonia, vivida no passado nas cidades pequenas. Um paraíso artificial do qual o outro, o indesejável, o diferente, ou seja, o que está nas camadas mais pobres, é excluído; um paraíso artificial que torna evidente, no espaço, as profundas desigualdades sociais e econômicas existentes no país.
Amália Inês Geraiges de Lemos é professora titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, professora orientadora do Prolam/USP e ganhadora do Prêmio Milton Santos no XV EGAL-2015.
Fonte: http://revistapesquisa.fapesp.br/2015/07/15/o-paraiso-artificial-das-cidades/
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