Centro de oportunidades para mulheres em Kayonza, Ruanda, projeto de Sharon Davis Design

POR URSULA TRONCOSO FOTOS BRUCE ENGEL
Edição 258 - Setembro/2015




Pensar em Ruanda é lembrar do massacre que ocorreu 20 anos atrás. A memória do genocídio que matou cerca de 800 mil pessoas da etnia tutsi, além de hutus simpatizantes, ainda segue fresca para o mundo. Desde 1997, a organização internacional Women for Women (WfWI) atua no país ajudando a recuperar psíquica e socialmente as mulheres que sofrem com as influências da guerra, da pobreza e da falta de saúde básica. Após o conflito, a população de mulheres é predominante no país, e cada uma é responsável, em média, por três filhos.
Neste projeto, a organização convidou a arquiteta Sharon Davis - era um pré-requisito que fosse uma mulher - para desenvolver um Centro de Oportunidades. Para a construção, a organização contou com o financiamento de pessoas e de empresas que fazem doações em apoio à causa. Este centro precisava ser um lugar onde as mulheres da região de Kayonza, cerca de uma hora de Kigali, capital de Ruanda, aprendessem habilidades que as ajudassem em seu dia a dia. Ele deveria abrigar cerca de 300 mulheres por ano em uma série de cursos de empoderamento feminino. Nestes cursos, as mulheres aprendem desde tradições manuais, como tecer cestas, até como cuidar da terra e de animais de maneira orgânica e rentável. O objetivo é capacitá- las para serem independentes financeiramente e ajudar sua comunidade, cuidando dos filhos e empreendendo.
Para atender ao programa, o time de designers trabalhou pró-bono em um projeto que deveria ter valor estético, que fosse barato e utilizasse os meios encontrados no local para sua construção. Para isso, a inspiração foi a antiga construção de origem local, o Palácio do Rei, que fica 80 km ao sul de Kigali. A construção é feita com palha e técnicas tradicionais e tem formato circular. Da mesma maneira, a implantação do Centro de Oportunidades foi feita com pequenas salas circulares, cada uma com capacidade de abrigar até 20 mulheres por vez em uma aula. Os edifícios complementares, como administração, cozinha, sala de parceiros e hóspedes, também foram desenhados no mesmo formato.
Os arquitetos desmembraram o programa no terreno de dois hectares - considerando que as mulheres viriam de chalés de um quarto para um lugar povoado por 300 pessoas de uma vez, era necessário que fosse um lugar onde se sentissem acolhidas. Contou também a observação dos espaços íntimos criados pela arquitetura tradicional ruandesa e a vontade de trazer esse mesmo sentimento ao novo projeto.
As construções foram todas erguidas com 450 mil tijolos de barro feitos à mão pelas mulheres que depois viriam a frequentar o Centro. Os designers, junto com a comunidade, aperfeiçoaram uma técnica manual de prensa de tijolos e o resultado foi elogiado pelos construtores locais. A retomada de técnicas tradicionais de construção pode ser importante para um povo que muitas vezes não tem os meios para comprar materiais industrializados. Em um contexto urbano, esse tipo de solução pode parecer utópica, já que é um processo trabalhoso. Porém, em uma zona rural, todo o material pode ser encontrado no próprio local da construção. É um contraponto para a solução construtiva mais vista hoje em dia em Kayonza, que utiliza muito concreto e telha metálica, algo que não condiz com o clima equatoriano do lugar.
A questão da água é central no desenvolvimento do partido do projeto, em um país em que muitas mulheres sobem e descem os vales, o dia inteiro, carregando latas de água (na verdade, um líquido barrento que dificilmente pode ser chamado de água). Foi a partir dessa experiência que o time de arquitetos se viu determinado a trazer água limpa e um sistema de captação de água da chuva foi instalado em todo o complexo. Coberturas de metal corrugado em formato de folha foram instaladas em cima das construções de tijolos e toda a chuva é recolhida e levada para cisternas subterrâneas. Bombas utilizam energia solar para levar a água a um sistema de filtragem e depois aos reservatórios elevados. A partir daí, a água limpa é distribuída para todo o complexo por gravidade.
As coberturas, de estrutura metálica, servem tanto para captar a água da chuva quanto para sombrear as construções, utilizando o método de esfriamento passivo, muito comum na arquitetura vernacular. O terreno em volta das construções é sombreado por grandes beirais e a cobertura fica solta das paredes. Os tijolos são dispostos deixando pequenas aberturas entre eles, desta maneira o vento passa livremente, retirando o ar quente do ambiente e deixando a temperatura agradável durante todo o ano.
Os banheiros do complexo utilizam uma técnica de compostagem, desta maneira economizam água além de produzir fertilizante. O alojamento de hóspedes e as salas de parceiros enfatizam a noção de rede social, tanto aprendendo novas técnicas com instituições locais, quanto recebendo doadores e organizações do mundo todo, o que dá mais visibilidade para o lugar. A lógica de captação de recursos financeiros permeia o projeto. Podemos encontrar os quartos do Centro para alugar em sites de busca hotéis, a partir de 17 dólares uma cama em quarto compartilhado e até 90 dólares um quarto de casal, vendido para turistas como uma experiência de Eco Lodge.
Para a organização WfWI era importante que as mulheres frequentadoras do Centro aprendessem atividades rentáveis. Por isso, além das salas de aula, foi erguida uma fazenda experimental, com o objetivo de ensinar técnicas orgânicas de cultivo de plantas e animais. A fazenda é composta de um pequeno terraço para o cultivo de hortaliças, locais para armazenamento de comida e celeiro de animais. Estas construções são escavadas na terra e têm tetos verdes para ajudar a esfriar o ambiente. A produção das mulheres é utilizada na cozinha comunitária e também vendida no mercado construído na entrada do terreno. Um mecanismo que utiliza as fezes dos animais para produzir biogás nos fogões conecta os celeiros com a cozinha do Centro. O mercado é mais um mecanismo para rentabilizar o lugar. Além de vender produções internas, ele pode ser alugado para outros produtores.
A organização WfWI se preocupa em verificar se seus esforços estão dando resultados. Para isso, disponibiliza dados concretos em seu site. Informam, por exemplo, que as mulheres que participaram do programa aumentaram sua renda diária de 0,36 dólares para 0,61 dólares, e que 100% delas reportaram que se envolvem nas decisões e no sustento de seus lares após participar do programa. Apesar de ser um lugar onde a diferença entre gêneros ainda é grande, Ruanda vem crescendo e se tornado mais segura e pacífica, e as mulheres são peça-chave nessa transformação. Em 2008, foi o primeiro país a ter maioria de mulheres em sua legislatura - hoje elas ocupam 64% do Parlamento. "Pela vida dessas mulheres, nós encontramos a inspiração local necessária para criar uma arquitetura do otimismo em escala global", finaliza Sharon.
ARCHITECTURE OF OPTIMISM
Since 1997, the international organization Women for Women (WfWI) has been working in Rwanda helping the women who suffer from the influences of the civil war waged 20 years ago, from poverty and from the lack of basic health to physiologically and socially recover. In this project, the organization invited architect Sharon Davis to develop an Opportunities Center. This center needed to be a place where the women in the Kayonza region, about an hour from Kigali, the capital of Rwanda, would learn skills that would help in their day-to-day. It should take in about 300 women a year in a series of courses where the women learn manual traditions, like from weaving baskets to caring for the land and animals organically and profitably. The implantation of the Opportunities Center was made with small circular rooms, each one with the capacity of holding 20 women at a time in a class. The complementary building constructions, like for administration, the kitchen, as well as the life-partners and guests room, were also designed in the same format. The constructions were raised with 450,000 adobe bricks handmade by the women who later came to frequent the Center. The matter of water has been central in development since the beginning of the project: leaf-shaped metal corrugated roofs were installed above the brick constructions and all the rainwater is gathered and taken to underground cisterns. All the rest rooms in the complex use a composting technique and economize water, in addition to producing fertilizer.

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