Mostra no Instituto Tomie Ohtake traz 20 das 143 telas produzidas pela artista mexicana
O destaque é para o feminino, no entrelaçamento com outras pintoras surrealistas
Frida Kahlo no hotel Barbizon Plaza, de Nova York, em 1931. / LUCIENNE BLOCH (COURTESY THE GELMAN COLLECTION)
Frida Kahlo foi, por um lado, uma esposa apaixonada pelo marido – o muralista mexicano Diego Rivera –, além de devota ao (conturbado) casamento dos dois, como poucas pessoas encontrariam forças para ser. Foi, por outro, uma mulher que amava outras mulheres, sua natureza de sensibilidade aguçada e inesgotável fonte de energia. Também teve relações físicas e sentimentais com elas, já que era bissexual, e usou todas essas facetas de sua personalidade como inspiração na pintura, em obras que falam, através de sua história, sobre o poder feminino. Por tudo isso, as mulheres amavam a pintora mexicana – por quem a admiração mundial só aumenta – e a continuam amando.
Da admiração de pintoras surrealistas por Frida (1907-1954) e também da influência artística da mexicana sobre elas trata a exposição Frida Kahlo – Conexões entre Mulheres Surrealistas no México, que abre suas portas neste domingo, 27 de setembro, no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, onde fica até 10 de janeiro de 2016. Com curadoria da pesquisadora mexicana Teresa Arcq, a mostra foi criada especialmente para o Brasil, por encomenda da casa que a abriga, e reúne 100 obras produzidas no México por 15 artistas mexicanas e estrangeiras – a grande maioria delas inédita aqui. Delas, 20 são pinturas e 13, desenhos de Frida – representação razoável de alguém que produziu em vida apenas 143 telas. Junto com manequins com os trajes típicos que ela usava e fotografias feitas por Nickolas Murray (que foi seu amante e responsável por seus retratos mais famosos), Bernard Silberstein, Martin Munkácsi e Héctor García, essa seleção pictórica faz um belo repasso pela intimidade da artista.
E Frida, em uma palavra, era isso: intimidade. Expunha as passagens mais dramáticas de sua vida marcada por uma poliomielite na infância, um acidente de carro na adolescência e as traições de Rivera e um aborto quando adulta em pinturas que, paradoxalmente, exalam beleza e alegria de viver. Para representar isso, estão lá no Tomie Ohtake as telas El abrazo de amor del universo, la tierra (México), Diego, yo y el senõr Xóloti(1933) e Diego em mi pensamiento(1943), além de uma litografia,Frida y el aborto (1932). Aparecem também os autorretratos – são 10 os de Frida, dos 55 que ela chegou a pintar –, que exploram a identidade jogando com mitos pessoais, indo muito além da fronteira de uma autofotografia. “A questão do autorretrato é interessante, porque podemos perceber que, enquanto os homens se representam em estúdios ou em seus ambientes de trabalho, as mulheres, quando se pintam, colocam-se em situações de empoderamento. Usam adornos e elaboram o discurso de uma mulher poderosa”, explica Teresa, que se especializou na história das surrealistas.
As diferenças entre a arte de homens e mulheres não é uma pauta da mostra, mas é possível percorrê-la buscando particularidades do universo feminino. Na única peça de autoria de Diego Rivera incluída na exposição – um desenho chamado Desnudo (Frida Kahlo) – o pintor representa sua esposa nua, sentada numa cama, sem nenhuma imperfeição e em uma pose erótica. Sabe-se que Frida tinha, por exemplo, as pernas finas (e uma diferente da outra) por conta da poliomielite. “No surrealismo, os homens erotizavam o corpo feminino”, explica a curadora. Sem deixar de se empoderar, Frida fazia o contrário: jamais tratava de ocultar sua verdade.
Surrealista, eu?
Apesar de que Frida Kahlo nunca tenha se considerado uma surrealista, é inegável a passagem do surrealismo pela sua arte, graças à amizade com o escritor francês André Breton, o grande teórico do surrealismo. Foi ele quem fomentou sua carreira internacional, primeiro apoiando uma exposição de Frida em Nova York e depois organizando sua famosa mostra individual em Paris. Foi nessa ocasião que a mexicana lançou a várias pintoras europeias desanimadas com os anos cinzentos que a Europa vivia então o convite para que se exilassem no México.
Muitas aceitaram e lá ficaram, outras passaram apenas uma temporada descobrindo a cultura popular mexicana, de quem Frida e Diego eram grandes difusores, mas todas se renderam ao discurso dela, especialmente. Ao lado de criadoras como a inglesa Leonora Carrington, a espanhola Remedios Varo, as mexicanas María Izquierdo e Lola Álvarez Bravo e a francesa Alice Rahon, a obra de Frida ganha potência. A relação entre elas – umas mais radicais, outras menos, mas todas ícones do feminismo – foi dada pelos temas que Frida tratou em sua obra, como o autorretrato, a natureza morta, o corpo e o fascínio por magia e crenças populares, assim como pela carga surrealista da artista. Tudo carregado de erotismo, emoção e, especialmente, empoderamento.
Essa força feminina fica evidente, ao final, com os figurinos de indígena tehuana que Frida adotou a certa altura da vida, inspirada pelo fato das tehuanas serem a única sociedade matriarcal do México (e uma das raras no mundo). Não são as roupas dela, mas peças similares selecionadas de um acervo doMuseu de Arte Popular do México, que ela ajudou a fundar. Isso, porque, explica Teresa, “por determinação expressa de Rivera, nada que pertenceu a Frida pode sair da Casa Azul”, onde ela viveu, no hoje bairro de Coyoacán, reduto de artistas da Cidade do México. A famosa casa, que era azul porque os mexicanos acreditam que essa cor espanta os maus espíritos, pode ser vista em um dos documentários (A vida e os tempos de Frida Kahlo – para a curadora, o melhor material de vídeo existente sobre a artista, com imagens de arquivo) que fazem parte de uma pequena mostra cinematográfica que faz parte da exposição. Na segunda semana de visitação, haverá também uma instalação sobre o lugar, La Casa Azul, com o objetivo de aproximar as crianças do repertório da artista.
Segundo Teresa, não foi fácil reunir de museus mexicanos e também de coleções privadas tantas obras de Frida para esta exposição (que em 2016 viajará ao Rio de Janeiro e a Brasília), mas valeu a pena, pois os brasileiros andam cada vez mais apaixonados por ela. A curadora corrige a afirmação da repórter e diz logo que o boom ao redor de Frida é mundial. “Frida Kahlo pintava o que via e sentia, e sua obra fala muito de emoções e sensações. Todos nos rendemos a isso”, decreta.
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