Quem faz arquitetura afinal, o engenheiro ou o arquiteto?

A confusão deliberada sobre as atribuições profissionais parece querer criar um ambiente belicoso entre categorias que historicamente atuam em conjunto e sintonia na construção de nossos edifícios e cidades. Essa confusão de versões não serve ao interesse dos profissionais arquitetos e engenheiros e não reflete a atuação complementar destes profissionais no mercado. Ao nos depararmos com informações expressas à sociedade de forma parcial e incorreta, onde ouvimos brados de representantes de categorias como se verdadeiros fossem, cabe-nos expressar nossa manifestação sobre o ofício do Arquiteto e Urbanista, da sua atribuição profissional na elaboração do projeto arquitetônico direito legal oriundo de quem realmente tem a formação, o conhecimento e a prática da disciplina.

A história referenda amplamente a posição do arquiteto como o profissional responsável pelo projeto, supervisão e execução de obras de arquitetura e, embora esta seja sua principal atividade, o campo de atuação de um arquiteto envolve ainda diversas áreas correlatas ao desenho do espaço habitado, como o urbanismo, o paisagismo e o planejamento do território. Na maior parte dos países do mundo, a legislação, a sociedade, a economia e o mercado de trabalho exigem que para atuar em áreas de arquitetura se tenha um diploma de nível superior de arquiteto.
A consolidação do profissional arquiteto no Brasil se deu efetivamente com a consolidação das escolas de arquitetura. Durante o século XIX, a maior parte dos profissionais possuía formação de engenheiro-arquiteto (figura profissional histórica, relacionada com a arquitetura eclética). Arquitetos formados no contexto das escolas de Belas-Artes eram relativamente poucos, devido à atuação isolada da Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro. Durante a década de 1930 a profissão passou por um primeiro momento de valorização com a criação dos Conselhos regionais de Engenharia e Arquitetura. A partir da década de 1950 consolidam-se as escolas de arquitetura e urbanismo, cujos currículos eram influenciados pela arquitetura moderna, e elas se difundiram nas décadas seguintes. Até meados da década de 1970 o arquiteto caracterizava-se essencialmente como profissional liberal, trabalhando em autonomia ou em sociedade em escritórios e ateliês. A partir deste momento houve um aumento do número de profissionais que se tornam trabalhadores assalariados, envolvidos com o contexto do milagre econômico, da burocracia estatal do Regime Militar e das grandes empresas de engenharia que foram criadas pelas novas demandas surgidas com os investimentos governamentais em infraestrutura. Nas décadas de 1980 e 90 surgiram também formas de atuação relacionadas com cooperativas de arquitetos e organizações não governamentais, assim como o aumento de empresas especializadas em arquitetura.
Hoje, a profissão de arquitetura no Brasil é regulada e fiscalizada pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR) e pelos conselhos regionais (CAUs), através da Lei Federal Nº 12.378/2010, legislação recente, moderna e adaptada às exigências contemporâneas do mercado de trabalho e das atribuições profissionais envolvidas. A promulgação dessa lei deu-se após um longo processo que consagrou o desejo dos arquitetos de saída do conselho múltiplo (Confea/CREAs), que reúne artificialmente várias profissões e interesses diversos e conflitantes e que já não atendia ao conjunto dos arquitetos.
Assim como a atividade profissional é regulamentada, também são os cursos superiores de Arquitetura e Urbanismo através do Ministério da Educação. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, ao criar as "diretrizes curriculares", concede autonomia aos cursos para definirem o perfil do profissional que formarão em cursos que se caracterizam por uma parte das disciplinas voltadas à "simulação prática da profissão" que se dá através das disciplinas de projeto arquitetônico, uma parte à fundamentação histórico-teórica e outra às disciplinas ligadas aos aspectos tecnológicos e complementares da atividade. A legislação determina uma divisão baseada em disciplinas de fundamentação (composta por disciplinas nas áreas de estética, desenho, plástica, história, teoria, entre outras), de profissionalização (composta por disciplinas de projeto, planejamento urbano, paisagismo, instalações, construção civil, entre outras) e de o trabalho final de graduação, de natureza interdisciplinar.
Diante dos fatos e argumentos apresentados aqui sobre a história, formação acadêmica, legislação, prática profissional e reconhecimento da sociedade torna-se inadmissível aceitar que "projeto arquitetônico possa ser atribuição legal de Engenheiros Civis" como alguns CREAs têm disseminado. Deveriam, em vez de tentar confundir os profissionais e sociedade, estar buscando a atualização e qualificação da Lei Federal 5194/66, vigente há quase 50 anos, que os tem transformado em órgãos tecnocratas, pouco democráticos e ultrapassados, voltados para os interesses sua própria burocracia, não atendendo satisfatoriamente as profissões ali reunidas e a sociedade.
A defesa do projeto de arquitetura como atribuição exclusiva dos arquitetos não se trata de campanha para desconsiderar os profissionais engenheiros no seu labor e qualificação, mas uma questão de respeito aos profissionais arquitetos, à sua formação e suas reais condições do exercício responsável. Na prática, a sociedade e o mercado de trabalho reconhecem a competência de arquitetos e engenheiros e sua atuação conjunta e complementar, contradizendo estas ações obscuras que distorcem informações e fatos e impedindo o processo de evolução de nossa sociedade.
Dito isto, o IAB RS, que historicamente atua em prol dos arquitetos e da sociedade gaúcha, lembra a todos que "quem faz Arquitetura é o profissional Arquiteto e Urbanista", e "quem faz Engenharia é o profissional Engenheiro" e isso não pode ser desdito de forma leviana, confundindo nossa sociedade que tanto anseia por projetos e obras competentes e de qualidade.


A Diretoria do IAB RS.

Fonte : IAB RS

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