Luis Alberto Elgue analisa a arquitetura paraguaia

Por: Luis Alberto Elgue

Edição 247 - Outubro/2014

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De origem nômade, a arquitetura paraguaia manifestou, desde suas origens, uma condição inata de relacionamento com a natureza e o ambiente, condição que irá perdurar no tempo como forma de adaptação ao meio. De gérmen coletivo, a primeira manifestação espacial conhecida na região é o "paraviento", um refúgio feito com uma estrutura de ramos cravada e escavada na terra, coberta por um teto de uma água construído com materiais coletados no local. A partir dessa operação simples, desencadeia-se uma história carregada de energias locais e influências estrangeiras, que moldam o espaço habitável paraguaio na busca de sua própria identidade, processo que segue até a atualidade.

As primeiras manifestações da arquitetura da modernidade no Paraguai são resultado de um círculo de profissionais formados no exterior, já que o país não contava com uma faculdade de arquitetura. Com este grupo começam a surgir as primeiras obras públicas realizadas por arquitetos, como o edifício do Ministério de Obras Públicas e Comunicações (1942), do arquiteto Francisco Canese; o Edifício do Instituto de Previdência Social (1951), dos arquitetos Natalio Bareiro e José L. Escobar, e o Edifício da Associação Nacional Republicana (1951), obra dos arquitetos Homero Duarte e José L. Escobar; todas com um marcado perfil modernista herdado da escola uruguaia. Ainda nos anos de 1950, a arquitetura moderna brasileira deixa sua marca em Assunção com duas obras emblemáticas, começando um processo de mudança de influências, da corrente uruguaia para a vertente brasileira. O Centro Experimental Paraguai-Brasil (1952), projetado pelo arquiteto Affonso Eduardo Reidy e pelo engenheiro Sydney Santos, e o Hotel Guaraní, projetado em 1957 e concluído em 1960 sob o comando dos arquitetos Rubio Morales, Ricardo Sievers e Rubens Vianna foram as duas obras precursoras nessa mudança de paradigmas da arquitetura paraguaia.

Em 1957, foi criada a primeira faculdade de arquitetura do país, integrada à Universidade Nacional de Assunção, a partir da iniciativa de um grupo de arquitetos formados em diversas partes do mundo, entre eles Francisco Canese, Natalio Bareiro, José L. Escobar e Mohamed Yampey, estes formados no Uruguai; Luis Pozzo, do Brasil, e Miguel Alfaro, graduado na Itália.

Assim, a arquitetura exercitada como tal é uma disciplina muito nova no Paraguai, com apenas 51 anos desde a formatura do primeiro arquiteto pela Universidade Nacional de Assunção (UNA). Em seu início, o curso de arquitetura adotou o mesmo programa de estudos da Faculdade de Arquitetura do Uruguai, de onde vem a manifesta influência dessa corrente nas primeiras obras paraguaias.

Nas décadas de 1960 e 1970, em pleno vigor da ditadura de Alfredo Stroessner, inicia-se um processo de consolidação urbana, com uma intensa migração do campo para a cidade, principalmente para Assunção, com o consequente aumento da densidade e seus reflexos em todo o sistema urbano da capital. Começa nesse momento o fenômeno de expansão em direção à periferia semirrural da cidade. No entanto, a arquitetura doméstica não sofre grandes mudanças e segue com o modelo histórico de "fachadas tapa" no centro de Assunção (fachadas construídas sem recuo no lote), o chalé americano como modelo generalizado e algumas manifestações da arquitetura racionalista uruguaia ou brasileira, como a residência projetada por Fernando Saturnino de Brito na capital paraguaia.

A construção da hidrelétrica de Itaipu, iniciada pelos governos do Paraguai e Brasil em 1971, promoveu uma inédita expansão econômica, que consolidou a então Ciudad Presidente Stroessner (hoje Ciudad del Este) e gerou uma oligarquia de novos ricos, com sua manifestação também na arquitetura. Surgem daí os "neos", uma volta a estéticas clássicas e ecléticas com arquiteturas de alto custo, materiais e acessórios importados, telhados com desenho wrightiano, colunas clássicas e paredes brancas repletas de ornamentos, como frisos e molduras. O maior expoente dessa corrente foi o arquiteto Jenaro Pindú, que defendia uma volta ao passado em algo como um proto pós-modernismo. Trata-se de um período muito associado esteticamente ao regime político de Stroessner.

O mesmo boom econômico também se manifesta nas obras públicas, de forma bem visível no novo edifício do Banco Central do Paraguai (1984), espécie de símbolo do bem-estar econômico do país, obra dos arquitetos Casiraghi-Dergarabedian-Frangella, de Buenos Aires, Argentina. Apesar de realizada sem concurso público, fruto dos acordos de gabinete comuns à época de Stroessner, a obra conquistou presença e significado, sobretudo pela proposta de convocar empresas estrangeiras de arquitetura de qualidade reconhecida.

Na década de 1980, surge o período pós-modernista propriamente dito, manifestação passageira e que resultou das primeiras viagens de grupos de estudantes formados pela UNA ao continente europeu. Deslocado desse contexto pós-moderno, destaca-se o edifício do Banco Unión (1990), obra dos arquitetos Andersen e Boh, com clara influência corbusiana e uma abordagem então inédita no manejo do tijolo cerâmico.

No final da década de 1990 começa a surgir uma arquitetura mais sensível, associada ao momento econômico pós-Itaipu e, em menor medida, ao impulso econômico gerado pela nova hidrelétrica de Yacyretá, construída pelo Paraguai em associação com a Argentina, também no rio Paraná. Era um novo período, em que a economia definia suas classes sociais de forma menos escandalosa e quando o país não estava mais dividido apenas pelos adeptos e adversários do general presidente.

Nesse momento histórico aparecem iniciativas que procuram voltar o olhar aos materiais e processos construtivos locais. Técnicas e soluções esquecidas, vigentes na arquitetura de Assunção do início do século 20 passaram a ser redescobertas e estudadas: os filtros vegetais verdes, as tramas de tijolos como elementos espaciais e de controle do clima, o controle das sombras como parte do desenho.

A arquitetura se torna mais concisa, sintética, sem ornamentos. E também menos imitativa e mais independente de modelos preestabelecidos. Há uma busca de novas espacialidades e de materialidades mais sinceras: tijolo comum, concreto aparente. Nesse momento, surgem figuras jovens, como Solano Benítez e Javier Corvalán, que iniciam um processo de experimentação na arquitetura paraguaia. Parte-se do comum, do ordinário, das soluções mais econômicas. A estrutura do edifício passa a ser sua arquitetura, e surgem propostas de novos sistemas construtivos a partir da cerâmica: construções com terra, tijolos e tramas.

O paradoxo é que em um novo estado democrático as obras públicas não conseguem acompanhar essa evolução, esse novo olhar da arquitetura, mais sensível. As obras públicas perdem qualidade, tornam-se medíocres, em geral por causa de práticas corruptas. Um claro exemplo é o edifício do Congresso Nacional, de 1997, que revela quase numa caricatura a tentativa de combinar elementos do movimento moderno com elementos do historicismo colonial. Sem dúvida, é o melhor exemplo da pior arquitetura pública no Paraguai.

A capital sofre um processo de expansão horizontal, gerando uma conurbação com cidades próximas, e forma o que se chama a Grande Assunção, ou a região metropolitana. Neste momento, tenta-se recuperar sua relação com o rio Paraguai, embora esse movimento seja tolhido por assentamentos informais que ocupam a faixa de inundações costeiras.

No entanto, existe um princípio de recuperação, com planos para revitalizar o centro histórico e outros setores que ostentam qualidades específicas: Jerome Loma (bairro situado em um dos pontos mais altos da cidade, com uma vista privilegiada do rio, com bulevares e mirantes, configurando o primeiro bairro turístico de Assunção); La Chacarita (assentamento informal consolidado, organizado pela sua adaptação à topografia, diferenciando-se da cidade formal, planejada e construída em uma trama ortogonal). La Chacarita é um dos poucos enclaves de Assunção, que se relaciona diretamente com o rio, já que funciona como um elemento de transição entre a cidade e o grande corpo d'água, e que aproveita totalmente as condições da paisagem.

No presente, Assunção não escapa ao movimento da especulação imobiliária e não está preparada para abordar os desafios decorrentes do crescimento da cidade, pois conta apenas com um plano de ordenamento urbano obsoleto, e de aplicação quase nula. Em contraposição à arquitetura especulativa, hoje alguns arquitetos propõem ações baseadas em outra arquitetura, aquela que consolida os princípios da consciência social e ambiental: materiais locais, econômicos e o manejo dos recursos naturais. Estes são os ingredientes para uma nova visão do exercício profissional, tanto para a arquitetura quanto para o planejamento urbano.

Por afinidade e convicção, em 2009 se formou em Assunção um grupo de arquitetos de meia idade, que por caminhos distintos coincidem na necessidade de um fazer arquitetônico mais consequente e coerente com a realidade econômica e social do país, onde a necessidade e a urgência são qualidades permanentes, ainda sem respostas adequadas do setor público e muito menos dos setores privados que movimentam a especulação imobiliária. A este grupo, juntaram-se jovens arquitetos, com idêntico senso de responsabilidade, todos voltados à construção de respostas aos setores esquecidos pela arquitetura. Entre eles estão Joseto Cubilla, Sergio Fanego, Sergio Ruggeri, Sonia Carissimo e Beatriz Heyn, entre outros, e uma faixa ainda mais jovem, com destaque para Lucas Fúster, Sebastián Blanco, Cecilia Román, Micky González, Gloria Cabral, estes já reconhecidos em prêmios internacionais por seus trabalhos individuais.

A ação desse grupo foi consolidada na Faculdade de Arquitetura da Universidade Nacional de Assunção com a criação do Taller E, um espaço para propostas de pesquisa, de fusão interdisciplinar e de reinserção da arquitetura em setores desamparados da sociedade, sejam rurais ou urbanos. Um exemplo é a comunidade de Yvyrarovana, um assentamento camponês no departamento de Canindeyú sob risco de desaparecer ante a pressão do cultivo mecanizado da soja em grandes áreas, para o qual propusemos um plano de reflorestamento. Outro caso é a região de Chaco'i, uma delicada área localizada na outra margem do rio Paraguai, ainda sem planos de ocupação, e que já sofre pressões imobiliárias. Podemos citar também o Bairro Obrero, área residencial de classe média baixa, entre outros pontos da região metropolitana.

Planejamos a recuperação e a consolidação do espaço público, com o necessário adensamento, para a recuperação da vida urbana, postergada por longos anos devido à influência política da ditadura, salvo para eventos ecumênicos e festejos patrióticos.

A partir do Taller E e do prestígio conquistado por alguns arquitetos que o compõem, fomos construindo laços com arquitetos de toda a América Latina e Europa, seja com o intercâmbio de professores, com participação de docentes em universidades estrangeiras ou com visitas de profissionais de outros países a Assunção.

Assim, além deste mergulho introspectivo na realidade local e em suas possibilidades tecnológicas e econômicas, onde o caminho de saída é, sem dúvida, a pesquisa, reafirmamos conexões com realidades regionais latino-americanas, consolidando uma rede de laços, partilha de conhecimentos e de situações semelhantes, de forma a compreender a realidade do continente e a explorar as fontes para a criatividade mútua e buscar respostas para nossos problemas sociais.

Olhamos também o continente africano, que se aparenta conosco em seus desafios, principalmente na busca de soluções alternativas baseadas em recursos tecnológicos e ambientais locais, combinando saberes ancestrais com pesquisa científica, com a única finalidade de encontrar caminhos para melhorar o habitat e a dignificação humana.

1/2 Lauro Rocha 3/4/5/6/7 Leonardo Finotti

Luis Alberto Elgue é arquiteto, urbanista e professor da Faculdade de Arquitetura, Desenho e Arte da Universidade Nacional de Assunção (Fada) e do Taller E

Fonte: http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/247/luis-alberto-elgue-analisa-a-arquitetura-paraguaia-327496-1.aspx

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