Iluminação e ventilação naturais na arquitetura de Lelé

Por Jorge Isaac Perén
Edição 244 - Julho/2014



   DESENHOS : http://au.pini.com.br/au/solucoes/galeria.aspx?gid=5752
                                                                                                                                                                   UMA PESQUISA CONSTANTE: PARA ILUMINAR E VENTILAR
As soluções de projeto, desde a implantação e volumetria do edifício até o desenvolvimento de cada detalhe construtivo e de fechamento, estão direcionadas para a interação entre os princípios da ventilação e iluminação naturais e proteção da radiação solar direta, visando ao conforto ambiental e à eficiência energética.
A pesquisa contínua e a procura pela otimização do projeto e das técnicas construtivas foi uma característica da obra do arquiteto João Filgueiras Lima, Lelé, que deve ser perseguida pelas novas gerações de arquitetos. A participação no ciclo completo do processo de produção da edificação é fundamental e deve ser um exercício diário. Entenda-se pelo ciclo completo: concepção do projeto, desenho técnico, construção, manutenção e, especialmente, a avaliação pós-ocupação. A única maneira de saber se a solução projetual sugerida funciona é verificando seu uso quando está em ocupação. Assim, a avaliação pós-ocupação é uma das etapas mais importante do processo de pesquisa e de otimização, e que são evidentes em toda a produção do Lelé. Esse processo de pesquisa e otimização é ilustrado, por exemplo, pela evolução dos sheds da Rede de Hospitais Sarah Kubitschek.
A relação das variáveis de conforto térmico, iluminação e ventilação naturais, conforto acústico e a interação da infraestrutura com o sistema de ventilação natural ou artificial são presentes em todas as obras do arquiteto Lelé. Soluções arquitetônicas no projeto da Rodoviária de Ribeirão Preto, nos Hospitais da Rede Sarah e no Tribunal de Contas da União de Cuiabá (TCU) ilustram como todas as variáveis de conforto ambiental podem ser consideradas em qualquer tipo de programa, independentemente da sua complexidade.

DISTRIBUIÇÃO DO PROGRAMA E ORIENTAÇÃO DO VOLUME
A orientação e a volumetria dos edifícios projetados devem favorecer os ventos predominantes. Isso é possível mesmo em programas complexos, caso dos hospitais. Um exemplo é o hospital Sarah Kubitschek de Fortaleza. Nesse hospital, os ambientes passíveis de serem ventilados naturalmente estão organizados de maneira a receber o constante vento sudeste da região. Áreas como recepção, sala de espera, ambulatório, fisioterapia, entre outras, estão localizadas na frente do edifício para receber os ventos. O ar é posteriormente extraído pelas aberturas dos sheds, na parte superior.
Na implantação, destacam-se em amarelo as áreas ventiladas naturalmente e, em azul, os ambientes com ar-condicionado. As salas que requerem ar-condicionado, caso do centro cirúrgico, radiologia, laboratórios, entre outras, estão localizadas principalmente na parte posterior do edifício, onde o potencial de ventilação natural é limitado. Esses ambientes requerem ventilação artificial para o controle da umidade, da temperatura, da pressão estática para evitar a disseminação de bactérias e para o adequado funcionamento dos equipamentos. O bloco vertical de internação está localizado na parte sudoeste, acima do jardim interno, para evitar ser uma barreira ao vento.

A VENTILAÇÃO NATURAL ASCENDENTE
A ventilação natural dinâmica acontece pelo diferencial de pressão (pressão positiva e negativa) gerado na envoltória devido ao impacto do vento com a edificação. A pressão positiva é gerada nas superficies da envoltória atingidas pelo vento. A pressão negativa é gerada na parte posterior à direção do vento ou nas superficies que estão na "sombra de vento". O fluxo de ar se desloca da região com pressão positiva até a região com menor pressão ou com pressão negativa. A forma da envoltória do edifício, caso dos sheds, coberturas e janelas, podem induzir essas pressões de maneira a direcionar o fluxo de ar nos ambientes internos. Em Fortaleza, como na maioria dos hospitais da Rede Sarah, os sheds induzem a pressão negativa na parte superior-posterior de maneira a extrair o ar. Capta-se o ar pelas partes inferiores do edifício e se extrai pela parte superior, gerando um fluxo de ar ascendente. Outro exemplo dessa ventilação ascendente (extração do ar pela parte superior) é a rodoviária de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Para minimizar o ganho de calor por radiação de materiais como o concreto e obter o ar mais fresco, existem jardins de água e grama ao redor da edificação.

GERANDO A PRESSÃO POSITIVA: AS GALERIAS DE VENTILAÇÃO
A pressão positiva é mantida nos níveis inferiores do edifício de maneira natural ou mecânica. As galerias de ventilacão, além de facilitar a manutenção, têm a função de captar os ventos dominantes e manter a pressão positiva necessária para obter um fluxo ascendente. Na ausência de ventos fortes, que garantam a pressurização natural das galerias, a presão positiva é gerada por equipamentos mecânicos como exaustores ou ventiladores. A pressão positiva nas galerias e a pressão negativa na parte superior-posterior do shed é fundamental para gerar o fluxo de ar ascendente que vai das galerias pressurizadas, no nível inferior do edifício, passa pelos difusores nos ambientes do hospital, e sai pelo nível superior do shed, onde a pressão é menor ou negativa.

INDUZINDO A PRESSÃO NEGATIVA: OS SHEDS
O shed é um tipo de cobertura muito explorado por Lelé nas suas obras, especialmente nos hospitais. O shed permite a entrada de luz natural de maneira mais intensa e uniforme que a obtida por janelas laterais. No hospital Sarah Fortaleza, os níveis de iluminação durante o dia estão, em média, acima dos 500 lux. O shed também permite a ventilação natural dos ambientes e, dependendo da sua orientação, pode funcionar como captador de vento ou como extrator do ar quente. No caso dos hospitais da rede Sarah, a maioria favorece o efeito de sucção (funciona como extrator de ar). Sua forma é fundamental para induzir a pressão negativa na parte posterior, onde está a janela de saída. Essa pressão negativa provoca a extração do ar de dentro do ambiente. Dependendo da forma, pode-se incrementar o fluxo de ar em até 20%. Nos hospitais da rede Sarah, onde existe o mesmo programa, com demandas similares de conforto térmico, iluminação natural e ventilação, observa-se uma constante evolução no desenho do shed com o intuito de otimizar seu funcionamento.

INDUZINDO A PRESSÃO NEGATIVA: SARAH SALVADOR
No Sarah Salvador, adaptou-se ao shed uma pestana (ou testeira). Trata-se de uma peça de metal acoplada ao shed que funciona como brise, protegendo os ambientes internos da radiação solar direta. Essa proposta de shed teve alguns problemas: devido ao calor, a pestana sofria dilatações que deformavam a peça e, quando chovia, havia problemas de infiltração; a superfície côncava, próxima à boca da pestana foi pintada de azul para reduzir o calor refletido para dentro do ambiente; para também reduzir o calor e o ruído ocasionado pela chuva instalou-se, sob os brises da pestana, um material termoacústico de gramatura 600 g/m² conhecido vulgarmente como "bidim". O bidim é uma manta não-tecido de filamento de poliéster, similar a um feltro.

INDUZINDO A PRESSÃO NEGATIVA: SARAH FORTALEZA
Nesse hospital ocorre uma clara mudança no desenho dos sheds. Para evitar o ganho de calor induzido pela forma côncava do shed de Salvador, inverteu-se a superfície frontal. Surge então uma superfície convexa, que evita a radiação de calor para dentro do shed. Nessa solução, a pestana ou testeira ainda é uma peça independente acoplada ao shed. O hospital possui galerias de ventilação, mas, ao contrário do Sarah Salvador, os ambientes possuem uma única saída de ar, localizada na parte inferior das paredes.

INDUZINDO A PRESSÃO NEGATIVA: SARAH BRASÍLIA - LAGO NORTE
Neste hospital, o shed é uma peça única e o balanço da treliça faz a função da pestana ou testeira. Existem também brises na boca dos sheds.
No Sarah Brasília existem galerias, mas não têm a função de ventilar, servem apenas para manutenção da infraestrutura.

INDUZINDO A PRESSÃO NEGATIVA: SARAH RIO DE JANEIRO - CENTRO DE REABILITAÇÃO
No Centro de Reabilitação Infantil de Rio de Janeiro, localizado na Ilha Pombeba, observa-se um desenho mais evoluído. A treliça que dá forma ao shed é uma peça única com seção variável para economia de material. Seu balanço faz a função da pestana. Sob a superfície convexa, na parte posterior do shed, aparece outra superfície, com o formato invertido, gerando o entreforro que serve de duto do sistema de ar-condicionado. No eixo central do shed, cria-se um pé-direito maior, cujo vão superior serve para a entrada da luz natural. No pé-direito menor do shed, encontram-se os difusores de ar-condicionado.

DIRECIONANDO O FLUXO DE AR: SISTEMAS DE FECHAMENTO AUTOMATIZADOS
No novo hospital Sarah Rio de Janeiro, Lelé quebrou o conceito de janela com o forro basculante automatizado de policarbonato. Este sistema também foi utilizado em outros hospitais como o Hospital Escola de São Carlos, no interior de São Paulo. O forro basculante é uma interface com o exterior e funciona como um conjunto de janelas basculantes para controle e direcionamento do fluxo de ar e iluminação natural. Um forro mais simples, mas com o mesmo princípio de ventilar e filtrar a luz natural, foi utilizado em umas das salas do primeiro hospital de reabilitação infantil, localizado na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro.

A EVOLUÇÃO DOS SISTEMAS DE VENTILAÇÃO: INTERAÇÃO ENTRE VENTILAÇÃO ARTIFICIAL E NATURAL
Dentre as obras do Lelé, chama a atenção a rede de Hospitais Sarah, especialmente o novo hospital Sarah Rio de Janeiro. As soluções de ventilação e iluminação naturais e seu consequente nível de desenvolvimento técnico é o nível ao que a arquitetura brasileira deve aspirar. Devido ao sistema híbrido de ventilação (natural, mecânica e artificial), à grande cobertura em formato de shed e ao novo forro de painéis basculantes, considera-se o Sarah Rio de Janeiro a principal referência e exemplo de uma constante evolução.

MATERIAIS DA ENVOLTÓRIA
Para reduzir o ganho de calor nos ambientes, os painéis internos e externos de argamassa armada não têm contato entre si, para evitar a ponte térmica. A fixação atende a este critério de conforto térmico.

JORGE ISAAC PERÉN é arquiteto e urbanista pela USP, São Carlos, com mestrado pela mesma instituição com o tema Ventilação e iluminação naturais na obra de João Filgueiras Lima, Lelé: estudo dos hospitais da rede Sarah Kubitschek Fortaleza e Rio de Janeiro. É estudante de doutorado no departamento de engenharia de construção civil da Escola Politécnica da USP, São Paulo e pesquisador visitante na Eindhoven University of Technology (TU/e), na Holanda, e consultor no escritório PP + Arquitetura Bioclimática

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 Fonte: http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/244/artigo318112-1.aspx

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