Crítica

A cultura arquitetônica de uma sociedade evolui se, junto com os arquitetos que projetam e constroem, existe uma analise crítica que oriente, questione, debata e cobre resultados que permitam o natural desenvolvimento da disciplina e o melhoramento da cidade. Se não for assim, a evolução da arquitetura local fica sujeita aos interesses comerciais do mercado imobiliário, ao consumo de materiais de construção, à especulação do uso e ocupação do solo, à vaidade de decoradores e à influência de modelos externos, relegando os valores culturais da sociedade e os interesses sociais dos seus habitantes a níveis de sub-desenvolvimento e chatice provinciana.

Criticar significa "colocar em crise", submeter uma determinada produção artística ou arquitetônica a variáveis de analise determinadas por ideologias que permitem comprovar até onde essa produção resiste às complexas exigências da cultura e da vida contemporânea. A arquitetura não remete só à teorias e métodos de produção. Como experiência criativa, existem posicionamentos conscientes ou inconscientes que orientam as decisões de projeto e comprometem o resultado social. A consciência ideológica profissional resulta imprescindível para entender os caminhos que os projetos devem seguir e as conseqüências urbanas e sociais das decisões. Os grandes arquitetos, aqueles que construíram obras transcendentes, tinham muito claro seus posicionamentos e em virtude deles desafiavam e transformavam a cidade e a sociedade através da arquitetura. A passividade ideológica, aquela que produz arquitetura consumindo modelos de moda, leva à produção de obras intranscendentes e culturalmente inócuas. Neste ponto, uma cultura de crítica arquitetônica torna se indispensável para transferir uma visão supra- metódica ao cotidiano do ato de projetar. Sem uma cultura de debate e provocação, a produção arquitetônica de uma sociedade cai numa inércia de mesmice que beneficia só a uma pequena parte dos seus integrantes.

A crítica de arquitetura jamais poderá ser objetiva. Além da inexistência da objetividade, a subjetividade é sua essência. O confronto entre as subjetividades de quem produz e de quem julga é o condimento que torna a crítica instigante e aberta: confronto de ideologias que faz evoluir a condição do homem que pensa e constrói. Construir, habitar, pensar, atividades que segundo Martin Heidegger (1) marcam o sentido do homem na terra, precisam ser constantemente re-pensadas e discutidas para o desenvolvimento genuíno da cultura que define o presente e o futuro de nossas cidades como manifestações físicas e de nossas sociedades como a constituição essencial que lhes dá sentido.

No campo das artes e da arquitetura, a crítica inicia se de fora para dentro, como um julgamento estético baseado em critérios de valoração individuais. Numa segunda instancia considera-se um processo metodológico, especialmente na arquitetura, devido a sua implicância social e a quantidade de fatores que intervém na definição de um projeto e na construção de uma obra. Por tanto, segundo considera J. M. Montaner (2), se produz uma mistura entre método de analise e sensibilidade, intuição e gosto. Situado entre o raciocínio e a intuição, o crítico de arquitetura assume um compromisso ético que permite transmitir à sociedade a compreensão da arquitetura como fenômeno cultural.

O objeto de analise crítica da arquitetura é a obra construída. J. M. Montaner esclarece a necessidade de visitar para conhecer, compreender e sentir a obra. A arquitetura possui um componente emotivo que só pode ser apreciado na vivencia concreta, tanto do próprio crítico quanto no intercambio de experiências com as pessoas que utilizam cotidianamente os espaços projetados. Numa sociedade mediática, sujeita à constantes bombardeios de imagens e apelos de consumo, o estímulo à analise critica resulta essencial se queremos garantir um desenvolvimento digno da cultura arquitetônica.

1- HEIDEGGER, Martin, Construir, pensar, habitar, texto exposto em Darmstad, 1951, como reflexão crítica dos programas de habitação massiva do governo alemão.

2- MONTANER, Josep Maria. Arquitetura e critica. Editorial Gustavo Gilli, SL, Barcelona, 2007.

Roberto Ghione Roberto Ghione, arquiteto

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