Urbanismo a serviço do bem

Arquiteto e urbanista, novo conselheiro da Ecológico destaca-se com suas ideias de como transformar as cidades em lugares melhores para se viver

EXEMPLO Myssior com sua  bicicleta elétrica na Praça JK: “Deixo o carro na garagem sempre que posso. Assim, ajudo a mim mesmo e ao meio ambiente” - Fotos: Fernanda Mann

EXEMPLO Myssior com sua bicicleta elétrica na Praça JK: “Deixo o carro na garagem sempre que posso. Assim, ajudo a mim mesmo e ao meio ambiente” - Fotos: Fernanda Mann

 

“Bom dia, ouvintes da Rádio CBN!”, diz, pontualmente, às  10h05, de segunda a sexta-feira, uma voz pausada, quase tímida. É do arquiteto e urbanista Sérgio Myssior, respondendo à saudação do apresentador-âncora Marcelo Guedes. No ar pela 106,1 FM, desde fevereiro deste ano, à frente do quadro “Mais BH”, Myssior se diz impressionado com a força do rádio.

“A cada dia me surpreendo com a audiência, o retorno e o carinho das pessoas que me ‘reconhecem’ nos mais diferentes lugares”. E ele não exagera. A jornalista Adriana Ferreira, produtora do programa, diz ser “enorme” a quantidade de mensagens que chegam via twitter ou pelo site do programa. “Não saberia precisar quantas porque depende do tema que está sendo abordado, mas são tantas que seria impossível mencioná-las no ar”.

Para Guedes, a boa audiência do quadro se deve, em parte, ao carisma do arquiteto e sua capacidade de “interligar os assuntos com uma visão global e em tom coloquial”. Adriana acrescenta que Myssior tornou-se uma espécie de porta-voz da população, porque fala, quase sempre, de temas que interessam a muita gente de um jeito descomplicado. “Agora, sei onde o calo aperta para cada um e tento ajudar”, diz. Quando aceitou o convite da rádio - meio reticente, porque sabia que lhe tomaria tempo considerável -, nem de longe imaginou que teria tão boa aceitação. “O Marcelo é muito crítico e, de vez em quando, solta sprays de pimenta nos meus olhos - diz ele, referindo-se às perguntas mais ácidas do âncora. Mas, ao mesmo tempo, reconhece que isso é bom, porque não o deixa se acomodar.

Descendente de poloneses, assumidamente introvertido, o ex-estudante de arquitetura que nunca foi caxias, agora se vê debruçado sobre livros, jornais e revistas todos os dias. Por pelo menos duas horas, ele revê temas relacionados ao meio ambiente, urbanismo, mobilidade, sustentabilidade e qualidade de vida. E o que é melhor: com prazer. “Estou adorando”, diz ele, abrindo o sorriso. Outra decisão foi adotar, no programa, o mesmo tom conciliador e otimista que molda sua personalidade. “Não gosto da crítica pela crítica. O combate é bom, mas tem que de feito de forma pontual e construtiva.”

Aos 41 anos, recentemente empossado como conselheiro da Revista ECOLÓGICO, Myssior parece ter encontrado sua “praia”. Mas, o caminho, até aqui, teve percalços. Em 1996, quando concluiu a faculdade, deparou-se com um mercado, pós-Collor, recessivo e sem perspectivas. Não viu outra saída que não fosse se colocar de forma diferenciada para os clientes que haviam sumido. Ao concluir a pós-graduação pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), viu aflorar um lado empreendedor que desconhecia e entendeu que não bastava ter boas ideias e conhecimento técnico, se não soubesse traduzir suas propostas para a linguagem do cliente. Investiu, então, num escritório voltado ao gerenciamento de projetos. Desde essa época, martelava-lhe a ideia de como poderia usar a arquitetura e o urbanismo para melhorar a qualidade de vida das pessoas.

Era a busca de um nicho e de um viés que coincidissem com suas crenças.  Mas, ele e alguns familiares, com quem formou uma sociedade, enfrentaram preconceitos. Afinal, era “feio” ser arquiteto-empresário, quase um demérito. Os bons eram os “artistas”, intelectuais, discípulos dos mestres contemporâneos, como Oscar Niemeyer, Arthur Casas e Ruy Ohtake.  Em 1997, com a aprovação da Lei do Licenciamento, em Belo Horizonte, Myssor teve um insight.

QUALIDADE DE VIDA O arquiteto e a esposa Luciana ensinam aos filhos a importância do contato com a natureza

Divisor de Águas

Naquele ano, a capital mineira instituiu, de forma precursora, o Licenciamento Ambiental. Quando leu o texto da normativa, Myssior se deu conta de que a questão ambiental e a urbana andavam juntas, não eram conceitos dissociados. Entendeu que não tinha como pensar em cidades, sem envolver o meio ambiente. Até então, segundo ele, havia uma concepção equivocada de que o licenciamento era necessário apenas para grandes empreendimentos, como hidrelétricas e mineradoras.

“Essa mudança de paradigma foi um divisor de águas para mim, porque entendi que era com isso que eu queria trabalhar. Como o ambiente poderia se inserir na cidade e como a cidade poderia ser mais ambientalmente amigável.”

Um dos exemplos dessa filosofia foi o trabalho desenvolvido, recentemente, por Myssior e sua equipe, junto à concepção e reforma do Estádio Independência. A proposta era que o local não fosse apenas um equipamento esportivo, mas um espaço multiuso com a oferta de cursos, palestras e apresentações culturais. Eles convocaram a população e encontraram conflitos de interesses e associações de bairro que não dialogavam.  Nos primeiros encontros, as pessoas se mostraram desconfiadas, acreditando que tudo já estava definido e que as conversas não fariam diferença.

Aos poucos, perceberam que, de fato, poderiam interferir no processo. Começaram a conversar entre si - primeiro só sobre a obra e a confusão que enfrentariam nos dias de jogo - mas, depois, extrapolaram para os problemas do bairro Sagrada Família, que tem apagões de energia constantes,  e faltam praças e espaços de lazer e convivência. “Trabalharam coletivamente a região, legitimando o empoderamento da população”, relata o arquiteto.

O resultado é que conseguiram incluir no edital de concessão do estádio a participação permanente da Comissão dos Moradores. Isso significa que eles têm assento cativo na decisão em relação ao uso e operação do local. Ou seja, em todas as decisões relacionadas ao estádio, a comunidade opina e interfere. “Se os gestores decidirem que vai haver um jogo à meia-noite, eles podem se posicionar e dizer que não”, explica Myssior. Outra conquista foi o compromisso do governo de viabilizar um prédio anexo para atividades sociais e culturais.

Filosofia de vida

“Não sou um workaholic e quero trabalhar cada vez menos no sentido formal da palavra”, declara Myssior. Casado com a também arquiteta e mestre em preservação do patrimônio histórico, Luciana Rocha Féres, pai de David, de 11 anos, e de Pedro, de 8, ele planeja dar mais vazão à criatividade e se envolver menos com questões administrativas. “Não me interessa ser só gestor de um bom negócio e perder o contato com a essência do meu trabalho. Desfiz sociedades lucrativas, dei mil passos pra trás em termos empresariais, mas mil passos ao encontro da minha filosofia de vida.”

Em seus tempos de menino, Myssior passou longe do aluno “certinho de ótimas notas”. Era bagunceiro, da turma do fundão. Estudou numa escola que dava tanta liberdade a seus pupilos, que eles se sentiam confortáveis para jogar a diretora na piscina no final do ano. Não havia ênfase no boletim, e sim nas ideias, pesquisas e experimentações. “Talvez, por isso, na minha história, nunca estive pronto pra nada, fui me aprontando ao longo do desafio e acho que isso é bom. Sou perfeccionista, mas não extremamente planejado. Gosto da surpresa. Tenho um pré-plano e deixo a vida ir me levando. Acho que a rotina de trabalho é emburrecedora quando é apenas um exercício de variação sobre o mesmo tema.”

No dia a dia, o arquiteto adota práticas coerentes com seu discurso “sustentável”, como a do revezamento de carona para buscar os filhos na escola, a coleta seletiva do lixo doméstico e o uso de uma recém-adquirida bicicleta elétrica. “Deixo o carro na garagem sempre que dá, assim cuido de mim e ajudo o meio ambiente.” Outra inovação passa pela forma de administração de sua empresa. Lá, não existe meta de crescimento, e sim de transformar o meio ambiente, por meio da prestação de serviço. “O lucro é importante para manter o negócio ativo. Mas ele não é um fim em si”, frisa. Myssior admite ser uma visão romântica, mas defende que vale a pena adotá-la pela identificação. “Não atendemos clientes quando percebemos que não há compromisso verdadeiro com a causa ambiental. Se quiserem pura e simplesmente uma licença para viabilizar um empreendimento, não é com a gente”, avisa.

NA CONTRAMÃO Rua Padre Belchior, no Centro de Belo Horizonte, foi pavimentada por cima do Córrego do Leitão

A polêmica do Licenciamento

Quando o assunto é “licenciamento”, o arquiteto adota a máxima de que “ruim com ele, pior sem...”.  Defende que a lei é a melhor oportunidade que o empreendimento tem para se planejar. E quem o critica, de forma radical, o faz justamente por não ter a cultura do planejamento. Uma dica é inserir a questão ambiental no nascedouro dos projetos. “Além disso, é preciso haver uma mudança de consciência: não basta desenvolver um estudo, criar metas e deixar tudo só no papel. Deveria ser uma obrigação do empresário provar que está cumprindo tudo a que se propôs publicamente, independentemente de o fiscal aparecer ou não.”

Outra crítica é que há uma fragilidade em relação à análise das metas e dos indicadores.  Tanto que a impressão que se tem é que, para se conseguir uma aprovação, basta - pura e simplesmente - cumprir a lei. E o ideal seria que os empreendedores fossem além, incrementando os projetos e pensando neles a longo prazo. “Estamos numa sociedade que valoriza, cada vez mais, a questão ambiental. Se bem trabalhada, ela pode até mesmo ser um diferencial de marketing”, lembra.

Nova Lei foi retrocesso

Uma das maiores decepções de Myssior foi a mudança na Lei Ambiental do município de BH em 2010. É que, até essa data, todo empreendimento não residencial, acima de 6 mil metros quadrados, e os residenciais acima de 150 unidades, eram objeto de licenciamento. Só que na Conferência Municipal de Política Urbana de 2009, um grupo de empresários conseguiu aprovar uma tese de que meio ambiente era meio ambiente e o urbano era urbano. A partir daí, passaram a existir dois tipos de licenciamento: um urbano e outro ambiental.

“Ou seja, voltamos 15 anos no tempo. Isso virou o nosso Plano Diretor”. Ele alerta que, ao desatrelarmos essas duas questões,  abrimos mão da legislação ambiental, da necessidade de audiências públicas e de todo o arcabouço que dá suporte às iniciativas de defesa do meio ambiente. “Já estamos vendo por aí as consequências, como a participação restrita das comunidades no processo de licenciamento urbanístico.”

Myssior diz que o modelo ideal é aquele que tem a participação da população e convoca todos a participarem das reuniões dos conselhos deliberativos. “É você, cidadão, quem vai ser afetado ou beneficiado, portanto, tem que estar no centro das atenções, ser corresponsável”. A ideia é transformar uma cidade “centrada nos carros” em uma cidade centrada nas pessoas, valorizando a vida em comunidade.

A Cidade Ideal

Para Myssior, Belo Horizonte se distanciou da natureza, na medida em que encobriu seus rios. A Copasa também comprova que “quase todas as grandes avenidas da cidade já foram córrego”. Com isso, a cidade foi ficando impermeável. A água que, antes, passava pelo solo, agora cai diretamente nos rios”. Então, para que voltássemos a ter uma relação simbiótica com a natureza, deveríamos ter os rios como espinha dorsal do processo de reinvenção da cidade. “Não é utopia, porque já tem algumas cidades fazendo, como na Coreia, por exemplo. Trata-se de uma ação de renaturalização e revitalização dos nossos cursos d’água”, defende o arquiteto. Assim, resolveríamos parte dos problemas com as enchentes e teríamos mais qualidade de vida com a  criação de corredores ecológicos e parques lineares. “Eu sonho sempre. Nunca perco a esperança.”

Fonte: http://www.revistaecologico.com.br/materia.php?id=70&secao=1088&mat=1190

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