Ficar surpreendido perante a
normalidade de atitudes e comportamentos comprometidos com a solidariedade,
civilidade, gentileza urbana e condição de cidadania motiva a reflexão acerca
do tipo de sociedade que conformamos e de cidade que construímos. Tal grata
surpresa aconteceu em recente visita à cidade de Medellín (paradigma de
transformação social e urbana da contemporaneidade) e preocupa diante da
inevitável comparação com a situação das cidades brasileiras, pelo menos do
Recife.
A construção de uma cidade inicia-se pela formação dos
cidadãos e complementa-se com as propostas urbanísticas e intervenções capazes
de estimular a convivência civilizada. Não adianta uma sem a outra. Cidades
podem ser bem configuradas, porém carentes de alma, isto é, da energia vital
que surge das pessoas em exercício da cidadania manifestada na apropriação dos
espaços públicos.
Esta reflexão acontece diante de fatos recentes preocupantes,
que acenderam o sinal de alerta acerca da baixa consciência de cidadania,
situação que aumenta o desafio de elaborar um projeto de cidade inclusiva,
integrada e civilizada e questiona a efetiva contribuição da arquitetura e do
urbanismo para tal objetivo.
Não recuperada ainda da perplexidade diante das guerras
entre torcidas de futebol, com a morte de uma pessoa mediante o arremesso de
vasos sanitários desde o alto das arquibancadas, a sociedade pernambucana ficou
atônita e consternada perante os vergonhosos atos de vandalismo cometidos pela
sociedade civil em dia de greve da polícia militar. Sem a presença da segurança
institucionalizada, parte da sociedade mostra sua verdadeira cara e valores,
que refletem uma preocupante degradação dos princípios de cidadania, assim como
uma extrema glorificação do consumismo e do vandalismo. Assistir à invasão e
saqueio de lojas não só por delinqüentes, mas também por homens, mulheres e
jovens com os quais se tenta conviver no dia a dia, constitui uma enorme
frustração perante a civilidade decadente.
As causas de tais comportamentos podem ser atribuídas a
muitos fatores, dentre eles, à agressiva promoção do consumismo e a
determinação do sucesso pela possessão de bens materiais. De igual forma, o
paradigma de desenvolvimento baseado exclusivamente no crescimento do PIB
demonstra mais uma vez sua falácia ao ocultar as desigualdades sociais no
Estado que teve os maiores índices do país nos últimos anos.
Mas, a origem desses comportamentos localiza-se,
basicamente, no modelo de cidade em construção. Enquanto a exclusão persistir
resulta evidente o aumento das tensões sociais, comprometendo a convivência
civilizada e os princípios da cidadania.
A sociedade brasileira encontra-se prisioneira de um
círculo viciado que envolve violência, segurança e urbanismo. “Eu me defendo da
cidade que me agride, ainda quando com meu comportamento agrido a cidade que
não me defende”. Tal o raciocínio do momento, cujas conseqüências se traduzem
na construção de edifícios defensivos pela iniciativa privada, que aumentam a
insegurança pública, precisamente, para vender a segurança oferecida pelos
empreendimentos. Resultado disso são as paisagens urbanas inóspitas, a
dependência total do automóvel e a desintegração social que hoje afeta à
sociedade, conjuntamente com a falta de visão ou de interesse de gestões que provocaram
o abandono do planejamento, a transformação da cidade em uma mercadoria oferecida
ao melhor pagante e a priorização do interesse privado acima do público.
Egoísmo,
individualidade, arrogância, desigualdade, exclusão, privilégios e corrupção
merecem ser substituídos por solidariedade, espírito de comunidade, gentileza,
inclusão, honestidade, democracia e cidadania se o objetivo é evoluir como
nação civilizada e desenvolvida. Consciência de cidadania é o recurso capaz de
promover a transformação social, enquanto planejamento baseado na noção de
cidade como âmbito da convivência civilizada, representa o instrumento que
promoverá a revitalização urbanística. Os centros urbanos do Brasil merecem ser
transformados em cidades, segundo o conceito de civilidade que ele implica,
assim como urbanidade e cidadania merecem fazer parte do ensino básico, com o
objetivo de promover uma efetiva transformação social a partir da educação.
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