Nos últimos anos, as relações entre universalidade e localidade tem
motivado debates no contexto da crítica e da produção da cultura em
geral, em especial, da arquitetura. A um acordo tácito histórico, que
ponderava que os valores culturais eram determinados por países
considerados "centrais" e a adoção e consumo deles era obrigação dos
"periféricos", contrapõe-se uma tendência (ainda tímida) de valorização
das manifestações locais. Este processo de colonização cultural
agrava-se na circunstância contemporânea, em que a globalização tende a
homologar comportamentos e sistemas de produção mediante as redes de
comunicação social que
transformaram o planeta em uma grande aldeia e impõe valores genéricos,
que as vezes agridem ou entram em colisão com estruturas sociais e
culturais autênticas, sedimentadas ao longo da história. As
manifestações que atualizam e perduramo sentido de localidade,
identidade, regionalidade, autenticidade, correm sérios riscos de
sobrevivência e desvalorização ante a homogeneização e pasteurização
derivada das influências ditadas pelos detentores dos sistemas globais
de produção e difusão. Perante o poder da mídia e sua capacidade de
mitificar e consagrar determinados valores, a sobrevivência de certas
manifestações correm o perigo de ficar circunscritas a pequenos grupos
inexpressivos no contexto da difusão globalizada.
No campo da arquitetura, este processo possui raízes históricas. A
condição periférica de América Latina provêm da colonização espanhola e
portuguesa e perdura até hoje. O valor da produção local, no contexto
internacional, sempre esteve sujeita a um nível de aproximação a
determinados modelos "centrais". Tudo o que não é resultado de um
referente consagrado é automaticamente desvalorizado, ou, no melhor dos
casos, considerado uma curiosidade exótica. Nas escolas de arquitetura,
assim como na informação especializada, se consumem muitos modelos
centralizados. Alunos e jovens ( e não tanto) arquitetos sonham
interpretar as obras dos ídolos conhecidos através de publicações globalizadas. E, quando podem, fazem, na maioria das vezes, desafinados.
No contexto nacional se produz um fenômeno semelhante: existe um Brasil
que dita e edita o que é conveniente a suas convicções acadêmicas e
ideológicas, e outros Brasis que são ignorados ou que tentam
provincianamente imitar a produção da metrópole editora. Os processos de
preservação, valorização e contemporização das culturas locais viraram
movimentos de resistência tendentes a manter certos rasgos de identidade
e de autenticidade. Muitos arquitetos tratam de ser "diferentes" para
destacar sua produção procurando imagens inovadoras, sem entender que a
melhor maneira de ser diferente é ser autêntico. O conceito de diferente no
mundo globalizado está atrelado ao senso de pertenceraos valores
culturais de um lugar. O dilema da produção cultural consiste, entre
outras coisas, em traduzir em linguagem contemporânea um processo
sedimentado historicamente: fazer arquitetura deste tempo e deste lugar, desafio universal e transcendente. Fazer ver que no nosso cantinho também bate um coração.
Roberto Ghione é arquiteto e Diretor do IAB/PE
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