Arquitetura e urbanismo são inseparáveis

Bruno Roberto Padovano
Professor, Arquiteto e Urbanista

Julgo improcedente o raciocínio de que há uma apropriação indevida dos arquitetos do exercício profissional do urbanismo. Arquitetura e urbanismo são inseparáveis. Edifício e cidade são uma coisa só, é só ler o Cullen.
E cidades são, inevitavelmente, construídas, sem ou com projeto. Com projeto se tornam paradigmáticas.
A arquitetura é o campo no qual o urbanismo, ou a ciência do projeto de cidades, mais se desenvolveu, sempre com a participação de outros campos de conhecimento, como sabe qualquer profissional que já desenvolveu um projeto urbanístico. Até o termo inventamos e, agora, aparece que todos querem praticar essa disciplina que remonta à antiguidade, vejam ao caso dos arquitetos Mileto na Grécia ou Francesco di Giorgio Martini, o Filarete, autor de Sforzinda, a cidade ideal da Renascença. Muito, muito antes do Le Corbusier que, no entanto, cunhou o termo urbanisme.
Ocorre que essa prática social exige conhecimento oriundo dessas diversas áreas, mas exibe um aspecto essencial: urbanismo se realiza com a construção de espaços, algo diferente da análise sociológica ou geográfica ou econômica. As demais áreas se situam numa posição de assessorar o urbanista na sua função, que é a criação de algo que não existe, através do plano e o projeto. Essas são essencialmente analíticas/descritivas, enquanto o urbanismo é essencialmente criação, inovação, proposição.
Peçam para um sociólogo, um geógrafo, um historiador, um economista para mostrar a forma de uma cidade, ou partes desta. Não saberão aonde começar. Peça para um engenheiro e, apesar da proximidade da engenharia com o nosso trabalho, não há nessa profissão qualquer preocupação com a estética, entendida como a ciência do belo que revela os valores e os aspectos estruturais de uma sociedade particular. Nesse caso, o resultado poderá até se aproximar com o que entendemos por urbanismo, mas algo de essencial lhe será roubado, um empobrecimento ocorrerá, inevitavelmente. Citem algum engenheiro que fez projeto de cidade digno desse nome.
Dar o título de urbanista para essas outras áreas do conhecimento seria como qualificar o arquiteto como gestor do urbano, essa sim uma área na qual cabem juristas, sociólogos, economistas e, principalmente, os políticos, gestores profissionais. Todos sabem lidar com algo que existe e até propor soluções para problemas específicos, mas são totalmente incapazes de criar o novo, por não ter a habilidade de imaginá-lo, desenhá-lo e definir como deverá ser construído.
Já a partir da coordenação de um profissional capaz de projetar os espaços emergentes, que ainda não existem mas assim podem ser concebidos, imaginados e construídos, essas profissões muito tem a oferecer.
O arquiteto/urbanista é como o maestro que dirige uma orquestra composta de vários instr umentos, e esses são tocados por diversas outras áreas disciplinares. Além disso, sem partitura não há música que mereça essa nomenclatura e a nossa partitura é o desenho técnico a partir da visão de um conjunto. E todos sabem que o melhor maestro de uma música é o seu próprio compositor, o resto é interpretação.
E quem "desenha" a partitura é um profissional capaz de valorizar cada instrumento e, ainda, enxergar uma composição para esse conjunto de "vozes". Um artista de seu tempo, cuja tela é a cidade, a metrópole, a megacidade e, agora, a megalópole.
As cidades deixadas aos processos gerenciais tradicionais, sem que haja esse compositor, levaram aos tristes resultados que conhecemos. Há, portanto um campo imenso no qual podemos e devemos aplicar essa nossa especialidade: que os outros nós acolham, nós ajudem, nós aconselhem. Devemos certamente ouví-los. Serão os nossos parceiros e maiores aliados, desde que façam seu trabalho dentro dessa visão de conjunto e respeitem essa nossa vocação peculiar para coordenarmos os aspectos espaciais através do planejamento e o projeto, um desafio complexo e estimulante.
Essa é a tarefa que temos pela frente e, para isso, precisamos do reconhecimento e respeito de toda a sociedade. Daí o CAU e não, miseravelmente, apenas o CA.
Portanto, com todo respeito para com as demais áreas que tocam na nossa orquestra, deixem conosco essa tarefa geral: ela estará em boas mãos e o sucesso do concerto estará garantido, se todos colaborarem conosco e não contestarem essa nossa grande responsabilidade social, que o CAU pretende regulamentar, finalmente.
Chamar isso de farsa é um insulto à inteligência e, principalmente, à sensibilidade coletiva privando as nossas cidades do seu "maestro", as manteremos para sempre dentro de sua lamentável cacofonia atual.

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