Investimentos em obras de infraestrutura urbana e na prestação de serviços públicos continuam sendo bancados quase que exclusivamente por recursos tributários
Edésio Fernandes e Helena Dolabela Pereira - Juristas especializados em direito urbanístico
O Brasil ocupa hoje o terceiro lugar no ranking mundial de valorização imobiliária. O metro quadrado em Belo Horizonte está custando mais do que em Miami (EUA). Por um lado, o aumento exorbitante dos preços das propriedades e aluguéis indica que nunca se ganhou tanto com transações imobiliárias no país. Por outro, os custos econômicos e socioambientais da urbanização se agigantam e agravam antigos problemas urbanos e conflitos fundiários, com o aumento das remoções de favelados e dos processos de segregação socioespacial nas cidades. O mercado imobiliário está mais aquecido do que nunca, mas o modelo de financiamento do desenvolvimento urbano é o mesmo. Os investimentos em obras de infraestrutura urbana e na prestação de serviços públicos continuam sendo feitos quase que exclusivamente com recursos tributários, perpetuando o modelo tradicional de “privatização dos ganhos e socialização dos custos” da urbanização. Além de acentuar a natureza regressiva do sistema tributário, o fato é que recursos tributários tradicionais não bastam. Na maioria dos municípios, não há uma gestão eficiente desses recursos, especialmente os de base local, já que os cadastros imobiliários são defasados, as isenções e anistias regulares atendem a interesses políticos, e os processos de cobrança e execução fiscal não pagam nem os seus próprios custos. Ainda que os recursos tributários fossem bem utilizados, esses não seriam suficientes para dar conta dos custos crescentes da gestão urbana.
Além disso, os recursos tributários não deveriam ser a única fonte de financiamento do desenvolvimento urbano. As cidades são criações coletivas, e a enorme valorização dos bens imóveis de propriedade privada decorre sobretudo das ações do poder público e da sociedade, especialmente por meio de obras e serviços públicos, mas também mediante as alterações feitas nos padrões de ocupação e uso do solo definidos pela legislação urbanística, que geram altos incrementos de valores tradicionalmente outorgados gratuitamente e sem que maiores contrapartidas sejam exigidas dos proprietários beneficiados. O caso de Belo Horizonte é exemplar: a construção do Centro Administrativo do governo provocou uma valorização de 600% das áreas do seu entorno, sendo que, ao desapropriar mais áreas, o governo teve que pagar por essa enorme valorização gerada por ele mesmo. Grandes obras públicas como a Linha Verde e a expansão do metrô também representaram um aumento expressivo no valor das propriedades adjacentes. Onde ficou o princípio tradicional do Código Civil de que não há enriquecimento lícito sem justa causa?
O Estatuto da Cidade – Lei Federal 10.257/01 – estabeleceu, como diretriz central da política urbana, o princípio da justa distribuição dos ônus e benefícios da urbanização, prevendo instrumentos para a gestão social da valorização imobiliária. Além da já existente, ainda que pouquíssimo utilizada, contribuição de melhoria, há novos instrumentos urbanísticos como a outorga onerosa do direito de construir, e as operações urbanas, que permitem a captação das mais-valias imobiliárias decorrentes da ação do poder público. Ao interferir diretamente na estrutura fundiária, financiar o desenvolvimento urbano com recursos do próprio planejamento territorial pode sem dúvida vir a ser uma forma de promover a distribuição justa das vantagens da urbanização e uma possibilidade real de mudança do modelo brasileiro.
A partir do Estatuto da Cidade, essa política não é mais mera faculdade discricionária, mas, sim, uma obrigação do poder público. No entanto, a maioria dos planos diretores municipais, mesmo quando participativos, não tem levado em consideração esses princípios e os instrumentos de gestão social da valorização dos bens imóveis. Dada a tradição de planejamento urbano, que ignora as dinâmicas do mercado imobiliário e, assim, reforça a estrutura fundiária concentrada e a apropriação privada dos benefícios da urbanização, a captação da valorização imobiliária e das mais-valias urbanísticas ainda não foi incorporada de vez às estratégias de planejamento territorial no Brasil.
Países como Colômbia, Austrália e cidades como Hong Kong têm utilizado com sucesso diversos instrumentos de captação, para a comunidade, da valorização imobiliária gerada por todos e apropriada por poucos. No Brasil, pelo contrário, o planejamento urbano e as políticas públicas, como o programa de financiamento imobiliário Minha casa, minha vida, têm cada vez mais fomentado a especulação imobiliária, por não interferir na estrutura fundiária. Da mesma forma, as poucas experiências de operações urbanas e as negociações provenientes das outorgas onerosas em curso, como as de São Paulo, longe de promover uma justa redistribuição dos recursos arrecadados, têm aumentado sobremaneira os preços dos imóveis e estimulado a expansão de um modelo global de mercantilização das cidades, reforçando ainda mais os processos tradicionais de segregação socioespacial. Ainda é pouco compreendido que a construção de uma nova “cidade para todos e todas” não passa apenas pela discussão de quem decide, mas também de quem paga – e como – pelos custos da urbanização
Além disso, os recursos tributários não deveriam ser a única fonte de financiamento do desenvolvimento urbano. As cidades são criações coletivas, e a enorme valorização dos bens imóveis de propriedade privada decorre sobretudo das ações do poder público e da sociedade, especialmente por meio de obras e serviços públicos, mas também mediante as alterações feitas nos padrões de ocupação e uso do solo definidos pela legislação urbanística, que geram altos incrementos de valores tradicionalmente outorgados gratuitamente e sem que maiores contrapartidas sejam exigidas dos proprietários beneficiados. O caso de Belo Horizonte é exemplar: a construção do Centro Administrativo do governo provocou uma valorização de 600% das áreas do seu entorno, sendo que, ao desapropriar mais áreas, o governo teve que pagar por essa enorme valorização gerada por ele mesmo. Grandes obras públicas como a Linha Verde e a expansão do metrô também representaram um aumento expressivo no valor das propriedades adjacentes. Onde ficou o princípio tradicional do Código Civil de que não há enriquecimento lícito sem justa causa?
O Estatuto da Cidade – Lei Federal 10.257/01 – estabeleceu, como diretriz central da política urbana, o princípio da justa distribuição dos ônus e benefícios da urbanização, prevendo instrumentos para a gestão social da valorização imobiliária. Além da já existente, ainda que pouquíssimo utilizada, contribuição de melhoria, há novos instrumentos urbanísticos como a outorga onerosa do direito de construir, e as operações urbanas, que permitem a captação das mais-valias imobiliárias decorrentes da ação do poder público. Ao interferir diretamente na estrutura fundiária, financiar o desenvolvimento urbano com recursos do próprio planejamento territorial pode sem dúvida vir a ser uma forma de promover a distribuição justa das vantagens da urbanização e uma possibilidade real de mudança do modelo brasileiro.
A partir do Estatuto da Cidade, essa política não é mais mera faculdade discricionária, mas, sim, uma obrigação do poder público. No entanto, a maioria dos planos diretores municipais, mesmo quando participativos, não tem levado em consideração esses princípios e os instrumentos de gestão social da valorização dos bens imóveis. Dada a tradição de planejamento urbano, que ignora as dinâmicas do mercado imobiliário e, assim, reforça a estrutura fundiária concentrada e a apropriação privada dos benefícios da urbanização, a captação da valorização imobiliária e das mais-valias urbanísticas ainda não foi incorporada de vez às estratégias de planejamento territorial no Brasil.
Países como Colômbia, Austrália e cidades como Hong Kong têm utilizado com sucesso diversos instrumentos de captação, para a comunidade, da valorização imobiliária gerada por todos e apropriada por poucos. No Brasil, pelo contrário, o planejamento urbano e as políticas públicas, como o programa de financiamento imobiliário Minha casa, minha vida, têm cada vez mais fomentado a especulação imobiliária, por não interferir na estrutura fundiária. Da mesma forma, as poucas experiências de operações urbanas e as negociações provenientes das outorgas onerosas em curso, como as de São Paulo, longe de promover uma justa redistribuição dos recursos arrecadados, têm aumentado sobremaneira os preços dos imóveis e estimulado a expansão de um modelo global de mercantilização das cidades, reforçando ainda mais os processos tradicionais de segregação socioespacial. Ainda é pouco compreendido que a construção de uma nova “cidade para todos e todas” não passa apenas pela discussão de quem decide, mas também de quem paga – e como – pelos custos da urbanização
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