A expressão da moda é: sustentabilidade. Mas o que quer dizer esta palavra que estampa capas de revista, páginas da internet e noticiários? Os planos do governo, os discursos da ONU e até as empresas a têm como meta, mas qual o seu peso? Como ela funciona na prática? Por que esta urgência repentina em correr atrás de algo que sequer ouvíamos falar?
Sustentável é todo processo que tem a qualidade de continuidade e preservação. Trocando em miúdos, é toda atividade humana que não extingue os recursos de seu ambiente, dando-lhe tempo e condições para que se renove, seja isto por meio natural ou também por ação humana. Sim, o homem pode alterar, estimular ou mesmo criar fontes de recursos e energia em seu ambiente – a exemplo das represas hidrelétricas e dos reflorestamentos das madeireiras. A sustentabilidade, porém, não é só o monstro a ser domado pelos governantes e empresas das grandes nações poluidoras. Ela também freqüenta nossas casas e nos empurra para dentro deste processo. Afinal, além da comoção passageira com aquela foto-clichê de árvores serradas na Amazônia, a preocupação com o ambiente tem outras escalas, indo do seu quarto ao seu planeta, dos madeireiros ilegais à conservação do asfalto de nossa cidade, ao playground do seu condomínio, à sua conta de luz e à própria cadeira onde você está.
Os dados ambientais publicados na imprensa são assustadores. Mas em vez de discutir as generalidades do assunto, apresentarei apenas sugestões e questões que tocam a Arquitetura, para mostrar que com ela é possível reverter este quadro ou, ao menos, não agravá-lo – o que já é de bom tamanho. E também para descobrirmos que somos mais importantes neste processo do que imaginamos.
A Arquitetura é uma atividade que já implica de imediato no que há de mais simples e nobre na sustentabilidade: o planejamento. Aplicado desde a escolha do local da obra, no Projeto Arquitetônico e na própria construção, o planejamento pode carregar a sustentabilidade sem atrapalhar em nada a realização e o conceito de seu Projeto. A sustentabilidade pode, inclusive, trazer uma nova visão sobre a Arquitetura. Analisemos a princípio o Projeto de uma casa. Antes dele, a escolha do lote é o primeiro diferencial: sua posição definirá a distribuição dos ambientes quanto à insolação. Se o fundo de seu lote está voltado para o sul, por exemplo, os quartos voltados para ele – que terá uma provável área de lazer – serão pouco ensolarados, isto é, menor retenção de calor e iluminação, menor exploração do bem-estar e maior conta de luz. Assim como a posição, a localização do lote também conta: as Áreas Verdes próximas, por exemplo, são motivo de atenção. Nossas leis municipais exigem sua presença nos loteamentos, fechados ou não, porém isto não se traduz em matagais em áreas de sobra. Tais áreas podem ser plenamente utilizadas pelos moradores para o lazer, cultura e esportes. A vegetação, aliás, deve ultrapassar as Áreas Verdes exigidas, através da arborização das vias, das próprias residências e da não-pavimentação de superfícies que permitirem isto. Todo este conjunto criará, com um mínimo de investimentos, resultados tão simples quanto importantes: mais qualidade de vida, maior preservação do meio-ambiente, total funcionalidade e o efeito de microclima, tantas vezes deixado de lado, mas vital. Ele traz aquele bem-estar ímpar tal qual o sentido ao percorrer uma rua repleta de árvores. As grandes metrópoles, já sem alternativas, apelam para a construção por inteiro destes ambientes, numa guerra de folders imobiliários onde condomínios verticais e horizontais são recheados de Áreas Verdes. Nós ainda temos a opção de não chegar lá, exigindo um crescimento urbano saudável.
Já no Projeto, a sustentabilidade pode ter vários papéis. As portas e janelas, por exemplo, podem ser planejadas para aproveitar a iluminação e a ventilação naturais ao máximo, através de sua localização sobre áreas de trabalho (bancadas de cozinha, áreas de estudo, livings etc.), em paredes opostas permitindo ventilações cruzadas ou voltadas para o melhor momento de insolação que o ambiente necessita. Esta atenção diminuirá o uso de iluminação e condicionamento de ar artificiais e, assim, seu bolso e nossas fontes de energia agradecerão: atualmente o homem extrai a energia do planeta num ritmo 25% acima de sua capacidade de renovação, ritmo ainda crescente. Outra sugestão de Projeto de extrema importância é o tratamento adequado dado às águas da chuva. Antes que alguém amaldiçoe o descaso à qualidade de nossas ruas, às galerias pluviais e ao planejamento, trarei à tona nossa responsabilidade – pois parte dos problemas que as chuvas e inundações causam, dos quais reclamamos, é de autoria dos cidadãos. A Arquitetura não dá conta do combate ao abominável hábito de jogar lixo pela janela dos carros ou nos terrenos, mas pode oferecer soluções extremamente úteis, tendo a maioria delas um propósito comum: cada lote dar um fim responsável à quantidade de água das chuvas que recebe. Hoje, a maior parte desta água é jogada rapidamente à coleta urbana ou diretamente às ruas, juntando-se à água que vem de outros lotes, de outros quarteirões e de outros bairros, numa soma venenosa que transforma muitas de nossas vias em verdadeiras calhas urbanas. Porém, há idéias simples que quebram este ciclo. Já acessível, ainda que a certo custo, podemos citar o armazenamento e tratamento particular da água das chuvas para seu reaproveitamento com vários fins: vasos sanitários, torneiras de jardins, quintais e estacionamentos. Em empresas e indústrias, incluímos aí lavagens, resfriamento, irrigação, consumo de animais, reservas de incêndio etc. Ainda a certo custo, pode-se até localizar no Projeto uma estação de pré-tratamento de esgoto – que não traz retorno direto ao dono, mas trará à cidade. E para quem fez cara feia ao ler “investimentos”, há meios mais simples que não reaproveitam a água mas têm os mesmos resultados na preservação do nosso ambiente-cidade ante o caos das enxurradas. O combate ao velho costume da impermeabilização imprudente é um deles. É uma lógica simples, onde não se pavimenta nem se reveste o solo, dando a ele a capacidade e o tempo necessário para absorver a maior parte possível da água das chuvas. Na prática, sua aplicação é através da previsão de áreas permeáveis (jardins, por exemplo) ou, quando necessário, cisternas que maximizam o tempo de absorção da água pelo solo e reduzem a quantidade de água dispensada. Atitudes simples e eficazes que, se a maior parte da cidade a adotasse, teríamos carnavais com melhores lembranças.
Fernando Gallo é Arquiteto, Urbanista e integra a ONG internacional Friends of the Earth. Formado pela Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp/Bauru, desenvolve Projetos e possui obras em Bauru e várias outras cidades.
Fonte:http://www.soarquitetura.com.br/template.asp?pk_id_area=19&pk_id_topico=531&pk_id_template=5
2 comentários:
Oláli seu artigo sobre sustentabikidade junto a arquitetura, confeço que ao inicio de miha leitura, pensei ser um assunto maçante, porém, ao desenvolvimento da mesma, fui pega por um intusiasmo e uma esperança sem igual, claro tive também, alguns puxões de orelha, mas de verdade foi um assunto muito instrutivo e interessante de se ler e de se pensar. Deixarei meu email, qualquer assunto desta grandeza ou dessa importancia, pode entrar em contato comigo Até mais.
Binaca Cristina Soga
biacris.vi@gmail.com
Parabéns Fernando pela clareza do teu texto. Concordo com voce e luto para tentar conscientizar o máximo de alunos dentro do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFT, mas não é fácil, ainda existem tabus e muitos acham que trabalhar com Arquitetura Bioclimática + Sustentável é para ricos...precisamos fazer um trabalho de conscientização em todos os níveis,desde a elaboração do projeto, convencimento ao cliente e claro, melhores currículos e laboratórios dentro das universidades. Este é um processo lento mas de extrema importância para a sobrevivência de nossas cidades, hoje e sempre!!!Enfim, continuo acreditando que se os arquitetos urbanistas não derem o exemplo e não projetarem com maior consciência, nossas cidades continuarão a pagar o preço...
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