Nunca pensei escrever obituários. Ainda mais de pessoas próximas, como fomos eu e o Ailton Lelis Nunes, falecido há algumas horas em Goiânia. Já ia com este pelo meio, movido por meus próprios sentimentos, quando me encarregou o Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento do Tocantins, pela convivência que tivemos, de preparar algumas palavras sobre o colega.
Além de expressar a perda, me inspiraram as recentes manifestações publicadas, de vários intelectuais tocantinenses sobre a partida do gaúcho Moacir Scliar. Todas falavam da experiência de conviver com um ser particular, positivo, ativo, interessado nas marcas que poderia deixar em sua passagem por nós.
Assim foi o meu amigo: único. Lembro-me de conhecê-lo quando passei uns tempos na UnB, de onde com seu poderoso fuscão azul percorria léguas nos fins de semana para noivar lá em Itapira, São Paulo. Já era monitor de curso, e, formado e casado foi trabalhar em Goiânia, na SUPLAN, que reunia então uma leva de bons arquitetos no Governo Leonino Caiado.
Tempos depois, chegou à presidência daquela autarquia, destacando-se tanto em seu trabalho que chegou a ter o nome cogitado para a Prefeitura de Goiânia. Isto não tendo ocorrido, fui dos primeiros a ir consolá-lo, em seu gabinete, e disso nunca se esqueceu. Dizia que a vitória é farta de amigos, mas a derrota magra.
Apesar de ser duro, de tão correto, granjeou com sua família grande numero de amigos, que se reuniam nos fins-de-semana lá nas Goiabeiras (desculpem-me Inhumenses de raiz) nas alegres tardes em que seu pai, o Sr Alegrino, com bastante justiça ao seu nome de batismo, nos brindava com carneiros muito bem assados, servidos em gamelas de madeira regados em seu molho e com farta dose de tudo quanto é tipo de bebidas para acompanhar. Se alguém exagerava, sempre havia um quarto amigo na casa para descansar antes de retornar à Goiânia, ou Brasília de onde amigos de seu irmão - o também arquiteto Agnaldo - vinham.
Ocupou a Superintendência da SUDECO em Goiás, construindo para aquela autarquia federal um belo edifício próprio em importante Avenida da Capital, e tornou-se Presidente do Country Clube de Goiás, transformando a sede campestre daquela entidade em um perfeito éden, com plantio de espécies florescentes que até hoje enfeitam aquelas terras à margem da BR-153 entre Goiânia e Aparecida. Um belo dia apareceu lá em casa de meus pais, na Rua 18, dizendo-se sabedor de que mamãe - que adorava plantas - tinha no nosso quintal mudas de alamandas. Saiu com algumas, e tempos depois o caminho de entrada do Clube estava coalhado destas flores amarelas.
Tempos depois, já aqui em Palmas, este homem que alguns achavam rústico, pois seco no trato do dia-a-dia, chamou-me à bela chácara que construiu aqui, na estrada do Lajeado, para dizer-me, ao lado de sua mulher, que iria plantar as mesmas alamandas ao lado da ponte que ligava a casa à área de lazer, e ali colocar uma placa com o nome de Da. Nati, minha mãe. Poucas vezes em minha vida fui honrado com gesto mais delicado.
Colaborou com a administração municipal de Goiânia, espalhando inúmeras praças bem elaboradas com plantas ornamentais, que enfeitaram muito aquela já bela cidade.
Por isto, foi chamado para vir para Palmas, tratar das áreas verdes da nossa Capital, que ia formando grandes áreas verdes com sua implantação acelerada. Trouxe os filhos, e através dos cuidados com a paisagem e o verde que transformou em mal (ou bem, corrijo) de família, acabou nos brindando com os trabalhos do Fabio e do Marcello em prol de nossa comunidade, destacando-se o ultimo como Presidente da Agencia Ambiental do Município e atualmente como Deputado Estadual de bastante projeção, querido por grande parte da população de Palmas e do Estado.
O Ailton, tendo ocupado, desde novo, cargos públicos importantes, inclusive o da Presidência da CODETINS aqui, tinha umas peculiaridades, no sentido de externar uma autoridade que às vezes afastava as pessoas de seu convívio mais imediato. No trato pessoal, e como anfitrião, entretanto, foi pessoa capaz das maiores amabilidades, e ao longo de muitos anos convivemos, com nossas famílias, em ocasiões festivas sempre muito bem preparadas quando eram nas casas dele, desde a aprazível chácara em Aparecida de Goiânia, até a outra que preparou aqui em Palmas, às margens do Lago. Sua personalidade se complementava com o doce temperamento de sua companheira para toda a vida, a Marialda.
Seus amigos e familiares acompanharam o desvelo com que se conduziu durante a prolongada doença dela. Ele sim carregou água no jacá para seu amor, desdobrando-se com seus quereres e necessidades nesse período final, tal como ela fez com ele ao longo de toda sua vida em comum. Tenho refletido bastante, sobre o impacto (hoje uma realidade médica) que a perda de entes tão queridos pode provocar naqueles que ficam. No caso do Ailton, tanto ouvi suas lamúrias e desejos de reencontrar-se com sua amada, que resta uma simples conclusão: ainda estava forte, morreu de banzo.
Entristecidos ficaram todos os seus amigos com sua partida, ao saber que será sepultado na tarde de hoje em Goiânia. Se consolo há, resta pensarmos que caminhou para junto de sua companheira.
Walfredo Antunes de Oliveira Filho é Arquiteto, Co-Autor do Plano Urbanístico de Palmas, Professor da UFT e Medalha “Lúcio Costa” de Urbanismo pelo IAB.
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