Paradigmas de gestão urbana

Planejamento e gestão urbana são instrumentos que permitem orientar o desenvolvimento das cidades e do território e implementar as táticas e estratégias de acordo com as políticas desejadas para alcançar os objetivos que se propõem. Cabe à gestão pública determinar o modelo de cidade em função dos interesses gerais dos cidadãos e à sociedade organizada a participação ativa em prol das necessidades e expectativas.

O planejamento de médio e longo prazo, urbano e territorial, constitui a ferramenta capaz de garantir o modelo de cidade que melhor atende aos diferentes grupos sociais, instância soberana que subordina os interesses passageiros dos governantes de turno ao objetivo superior determinado pelo bem estar coletivo em uma previsão de longa duração. Planejar a longo prazo e em função do interesse geral é o signo de maturidade social e política de uma sociedade, cujas consequências tornam se evidentes na configuração urbana.

O planejamento exige a análise crítica do paradigma de gestão para propor as mudanças requeridas pelas demandas sociais, especialmente em momentos de pujança econômica e de transformações na estrutura da cidade e do território. As cidades brasileiras encontram-se em uma contraditória encruzilhada de crescimento econômico e de subdesenvolvimento urbano, cujas consequências manifestam-se nos problemas crônicos de carência de saneamento, marginalidade, violência e imobilidade.

O momento atual é de decisão entre a manutenção de um paradigma visivelmente esgotado e a possibilidade real de implementar outro que enalteça aos cidadãos e qualifique os espaços das cidades. Nossas sociedades organizadas e os governantes devem assumir a transcendência do momento para optar entre favorecer a vivência social ou manter o status quo dos interesses de quem se beneficia com o lucro derivado do crescimento urbano; escolher uma gestão humanista e existencialista ou manter a estrutura burocrática e comercial de configuração (ou desfiguração) dos espaços urbanos; favorecer o interesse geral ou continuar atrelado aos conchavos setoriais; promover efetivas políticas de inclusão social ou perseverar no estímulo à violência e à marginalidade com edifícios e condomínios fechados e defensivos; promover a integração urbana e social ou perdurar o modelo fragmentado e excludente; colocar as pessoas no centro das decisões urbanísticas e arquitetônicas ou prosseguir agindo em beneficio dos automóveis; promover a construção participativa ou permanecer com a imposição das soluções que satisfazem aos núcleos de poder; assumir a sustentabilidade ou persistir no esgotamento dos recursos; preservar a cultura e a memória dos fatos físicos transcendentes ou sacrificar o patrimônio em benefício do ganho providencial; fazer da cidade o âmbito da convivência democrática ou insistir com imposições autoritárias;  elevá-la ao nível transcendente de manifestação cultural ou insistir na chatice de configuração em função do lucro imobiliário; decidir, em definitivo, entre um modelo que sublime a cidade como manifestação da urbanidade e civilidade da sociedade com ações sensíveis e inteligentes ou persistir na improvisação e irracionalidade manifestas nas paisagens urbanas decadentes e nas diferenças sociais vergonhosas.


Sempre existem ocasiões para transformar paradigmas consagrados por setores de poder, especialmente em momentos de crescimento econômico e de consenso político. As cidades brasileiras encontram-se em um momento histórico que pode ser transcendente se aproveitado com inteligência e consciência da oportunidade. O modelo urbano atual demonstra claros sinais de esgotamento e novos paradigmas merecem ser pensados e avaliados para sua implementação. Exemplos de outras realidades merecem ser considerados para formular modelos que respondam às circunstâncias e exigências próprias, com ações que possam ficar marcadas na história da cidade e que possam promover a definitiva virada para o desenvolvimento social e o efetivo engrandecimento. Orientar a iniciativa privada em beneficio do interesse geral e em função de um paradigma que estimule a inclusão social, a vivência coletiva e a qualificação dos espaços públicos constitui o maior desafio das administrações municipais comprometidas genuinamente com o efetivo desenvolvimento urbano e com a transcendência de ações orientadas à valorização do significado cultural das cidades e seus habitantes.


Roberto Ghione é arquiteto e diretor do IAB/PE

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