Lacuna entre teoria e prática prejudica formação de arquitetos

Para especialistas, os jovens estão desenvolvendo conhecimentos na área de softwares, mas perdendo base cultural e artística

Redação AECweb / e-Construmarket
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Apesar do aumento do número de faculdades de arquitetura no Brasil e da expressiva demanda por profissionais no mercado de trabalho, a qualidade da formação educacional tem deixado a desejar. Na opinião de especialistas ouvidos pelo Portal AECweb, o conhecimento dos jovens que saem das universidades está muito aquém do esperado, em diversos aspectos.
Para o arquiteto Alberto Rubens Botti, titular do escritório Botti Rubin Arquitetos Associados, é dentro dos escritórios que os profissionais aprendem. “A arquitetura é como um iceberg, com nove décimos debaixo d’água e o restante na superfície. Os jovens têm, cada vez mais, a visão apenas da face visível da arquitetura, por isso, não conseguem entrar no âmago dos problemas que um projeto pode apresentar. As percepções estão cada vez mais superficiais e simplistas”, avalia.
A opinião é compartilhada pelo arquiteto Pedro Taddei Neto, titular do escritório Arquiteto Pedro Taddei e Associados. “Se observarmos o aspecto poético da arquitetura, fundamental e intrínseco, veremos que se está desenvolvendo pouco a maneira de se expressar dos estudantes”, afirma. Para ele, aqueles que concluem o curso técnico de edificações acabam ficando mais bem preparados. “Falta aos jovens conhecimento sobre materiais no que diz respeito a desempenho, comportamento, resistência e durabilidade. Além disso, eles também mostram pouca experiência com diferentes tipos de solos, fundações e estruturas. Não há uma visão universal sobre as tecnologias disponíveis e isso acaba dificultando a criação arquitetônica”, lamenta.
A lacuna entre o conhecimento teórico e a prática – que se amplia a cada ano – é, na visão de Botti, a principal causa do despreparo. “No passado, o aluno saía da faculdade com uma visão mais ampla do que representa o projeto arquitetônico. Agora, ele chega bem preparado em informática”, compara.

MAIS PRANCHETA, MENOS SOFTWARE

Ciente da importância do desenho na elaboração de um projeto, Botti mantém pranchetas em seu escritório, ao lado de cada computador. A prática também é comum no atelier de Taddei. “Disponibilizamos uma para cada arquiteto, além das grandes pranchetas para trabalhos coletivos ou para desenvolver um trabalho maior à mão livre”, menciona.
No Brasil e em todo o mundo, vale ressaltar, os computadores não substituíram as pranchetas, nem tampouco os laboratórios de modelos reduzidos, nos quais os arquitetos começam o projeto amassando chapa de alumínio, cortando filetes de madeira, para depois passar para simulações de modelos matemáticos em AutoCAD – que funciona como demonstração geométrica do que o arquiteto imaginou à mão livre. “O profissional deve saber o que está fazendo. O computador é apenas uma lapiseira aperfeiçoada e, se o arquiteto não sabe manejar a ferramenta, não resulta em coisa alguma”, complementa Botti.
Se por um lado a informatização da arquitetura pode tornar mais rápida a elaboração dos projetos, por outro acaba limitando a criatividade dos profissionais. De acordo com Botti, quando se elabora um desenho à mão, o arquiteto desenvolve o conhecimento das dimensões. "Não se consegue fazer um corte na planta sem imaginar as três dimensões. O BIM [Building Information Modeling] já faz o corte em elevação, porém, a ferramenta não resolve problemas, apenas processa desenhos com as informações de que dispõe. Cabe ao profissional realizar as correções com os seus conhecimentos. Se não consegue imaginar o problema em três dimensões, não terá como corrigir.”
Segundo Taddei, é comum os jovens arquitetos se dedicarem a cursos complementares na área de softwares. “Esse tipo de especialização pode distanciar o profissional da essência da arquitetura”, diz, lembrando que já não há mais cursos livres nas faculdades, pagos à parte, como história da arte e da arquitetura, linguagem da arquitetura e sociologia urbana. As ofertas de formação nos campos social, ambiental e econômico, que ajudam o arquiteto a fazer uma avaliação crítica da realidade, estão cada vez mais raras. "Sem essa base cultural, o arquiteto fica vulnerável às ideias dominantes. A arquitetura vem perdendo terreno nesse campo, deixando de ser uma profissão erudita, o que é lamentável, já que os arquitetos são os intelectuais da construção”, fala Taddei.
PROJETO 24 HORAS
Um projeto que existia nas universidades e que hoje não é mais aplicado pelos professores é o chamado ‘24 horas’. “Nele, era apresentado um problema e os alunos tinham um dia para resolvê-lo. A ideia era fazer com que os estudantes se debruçassem sobre certo projeto, esclarecendo dúvidas com o professor ou colegas mais adiantados. Esse espírito de comunhão no trabalho era essencial e proporcionava um nível de preparação fantástico”, detalha Botti, destacando que, na faculdade, não se aprende somente com o corpo docente. O aprendizado também vem do convívio com a comunidade acadêmica. “No meu tempo, havia intercâmbio de informações entre alunos com diferentes níveis de conhecimento, e essa era a essência do ensino da arquitetura. Aparentemente, isso vem se perdendo com o passar dos anos”, afirma.

PROFISSIONAL GENERALISTA E OS DESAFIOS DAS UNIVERSIDADES

Assim como na medicina e no direito, a graduação em arquitetura e urbanismo visa a formação de um profissional generalista. "Por isso, o jovem que conclui a faculdade de arquitetura deve estar capacitado para o exercício da atividade e deve também investir na sua educação continuada, que é fundamental para o bom desempenho profissional”, destaca Fernando Costa, coordenador da comissão de ensino e formação do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR) e presidente da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (ABEA). “Na verdade, estamos sempre nos capacitando e só assim estaremos prontos para os avanços das técnicas, materiais e processos da nossa atividade”, completa.
Para Costa, assim como ocorre em outras áreas do conhecimento, no ensino da arquitetura há cursos bons e cursos que deixam muito a desejar. Botti acredita que o problema da formação dos profissionais está na dificuldade de pôr em prática o que se aprende. “O projeto é formado na cabeça do arquiteto. Por isso ele precisa saber elaborar um trabalho exequível e que funcione”, detalha Botti, indicando que 90% dos estagiários chegam ao seu escritório com baixo nível de conhecimento, mas acabam se desenvolvendo. “Porém, esse processo é caro para os donos dos escritórios”, pondera.
Taddei acredita que uma melhor formação depende de mudanças na grade curricular do curso de arquitetura. “O currículo foi simplificado enormemente e já não corresponde ao que deveria ser ministrado para que o jovem tenha uma formação de qualidade. Aquele que está convencido do seu papel de influir socialmente certamente irá buscar complementação, procurando entender outras linguagens para criar a sua própria – e com ela transformar sua obra em uma expressão artística e cultural. Se a formação for sólida, o resto se corrige”, avalia.
A produção artística depende do contato com papel, matéria e maquete. “E isso é um trabalho artesanal, que deve ser valorizado tanto nos escritórios quanto nas faculdades, o que é impossível quando se tem um número excessivo de alunos por turma”, lembra Taddei.

A ATUAÇÃO DO CAU

Enquanto o Ministério da Educação (MEC) tem a função de fiscalizar e regular o ensino superior, o CAU tem uma diretriz curricular que funciona como um instrumento de orientação para a formulação dos projetos pedagógicos dos cursos – e está em processo de atualização no Conselho Nacional de Educação (CNE). “O que tem faltado na formação do arquiteto e urbanista é a observância das Diretrizes Curriculares Nacionais. A avaliação efetuada pelo MEC tem sido objeto de nossa crítica e também do nosso interesse em colaborar com as políticas implantadas, no sentido de torná-las mais efetivas”, destaca Costa.

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Alberto Rubens Botti – formado em arquitetura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. É sócio-fundador do escritório Botti Rubin Arquitetos Associados, que conta com uma equipe de, aproximadamente, 30 arquitetos e, ao longo de sua história, foi responsável pela produção de cerca de mil edifícios.


                                                                                                                      Pedro Taddei Neto – formado em arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), é mestre pelo Instituto de Meio Ambiente da França e doutor pela Sorbonne. Foi vice-presidente da Nossa Caixa e presidente da Emplasa. É diretor do escritório Arquiteto Pedro Taddei e Associados.     


                                                                                                          Fernando Costa – formado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília (UnB), mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e doutor pelo programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFRN. Professor-adjunto da UFRN. Presidente da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (ABEA). Membro do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU-BR), sendo atualmente um de seus vice-presidentes e coordenador da Comissão de Ensino e Formação. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em adequação ambiental, atuando principalmente nos seguintes temas: projeto, acústica arquitetônica, fabricação digital e ensino de Arquitetura e Urbanismo.

Fonte: http://www.aecweb.com.br/cont/m/rev/lacuna-entre-teoria-e-pratica-prejudica-formacao-de-arquitetos_12245_0_1

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