Campanha pela Função Social da Propriedade na Cúpula dos Povos

  
O déficit habitacional no Brasil é em torno de 5,5 milhões de moradias e de 15 milhões de domicílios urbanos destituídos das condições mínimas de habitabilidade. Diante desta realidade e no contexto da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), o INCT Observatório das Metrópoles apoia a campanha “Função Social da Propriedade Urbana: a cidade não é um negócio, a cidade é de todos nós”, promovida pelo Fórum Nacional de Reforma Urbana e entidades filiadas. A universalização do acesso à moradia e a terra urbana, bem como aos equipamentos e bens necessários a reprodução social, tem relação direta e complementar com a consolidação da chamada sustentabilidade urbana, elemento fundamental para o desenvolvimento sustentável mundial.
As cidades brasileiras são marcadas por graves problemas urbanos, que atingem desigualmente os distintos grupos sociais, e por uma forte segregação socioespacial: as oportunidades das pessoas em termos do acesso a uma vida de qualidade depende do lugar que elas ocupam no espaço das cidades.
Muito embora a função social da cidade e a função social da propriedade urbana estejam asseguradas na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade, estes princípios estão longe de serem efetivados e de se tornarem realidade na grande maioria das cidades brasileiras.
Mas afinal, o que significam a função social da cidade e a função social da propriedade urbana? A Constituição diz que os planos diretores municipais devem dar estas respostas. Mas poucos planos diretores trazem estas definições de forma clara e objetiva, limitando-se, na maioria das vezes, ao estabelecimento de diretrizes gerais e a regulamentação de alguns instrumentos previstos no Estatuto das Cidades. Tampouco o Estatuto das Cidades estabelece estas definições de forma objetiva.
Antes de atender a interesses econômicos e estar submetido à lógica do mercado e do lucro, a cidade e a moradia são direitos coletivos, o que significa que precisam estar a serviço de toda coletividade, garantindo a proteção social e a qualidade de vida de todos e de todas. Desta forma, para definir o que seja a função social da propriedade é necessário entender o que é direito à cidade.
O direito à cidade pode ser compreendido como um direito coletivo de todas as pessoas ao usufruto equitativo da cidade dentro dos princípios da justiça social e territorial, da sustentabilidade ambiental e da democracia. Ou seja, o direito à cidade envolve o direito à moradia, ao acesso à terra urbanizada, ao saneamento ambiental, a mobilidade urbana, ao trabalho, à cultura, ao lazer, à educação, à saúde e a todos os bens e serviços necessários a reprodução social com dignidade e qualidade.
O direito à cidade também envolve o direito de recriar a cidade, o direito de ter uma cidade radicalmente democrática, onde todos e todas possam participar das decisões relativas à forma como a cidade deve funcionar e ao modo de organizar a vida coletiva na cidade. Isso implica que todas as pessoas devem ter o direito de participar no planejamento e gestão do habitar, para garantir que a utilização dos recursos e a implementação dos projetos urbanos sejam revertidos em benefício da coletividade e dos projetos de cidades desejados pelas diversas coletividades, respeitando as diferentes culturas e o meio ambiente nos quais elas se situam.
Pode-se dizer que a função social da cidade significa assegurar o direito à cidade para todos e para todas. Nessa perspectiva, o Direito à Cidade está relacionado a três princípios fundamentais:
(i) Exercício pleno da cidadania social: realização de todos os direitos humanos coletivos e individuais, e das liberdades fundamentais, assegurando a dignidade e o bem-estar coletivo dos habitantes da cidade em condições de igualdade, justiça social e territorial, e sustentabilidade ambiental.
(ii) Gestão democrática da cidade: garantia do controle e da participação de todas as pessoas que moram na cidade, através de formas diretas e representativas, no planejamento e no governo local.
(iii) Função social da propriedade urbana e regulação pública do solo urbano: subordinação dos direitos individuais de uso da propriedade aos interesses e direitos coletivos, de forma a garantir o uso socialmente justo e ambientalmente equilibrado do espaço urbano.
As políticas públicas, notadamente, a política urbana, devem estar a serviço da promoção do direito à cidade e a efetivação da função social da propriedade.
Nesse sentido, o FNRU propõe a implementação das seguintes medidas:
1. A adoção, pelo poder público, de políticas e leis que efetivem a função social da propriedade, tal como previsto na Constituição Brasileira, sobretudo através da regulação pública do solo urbano e da implementação dos instrumentos previstos no Estatuto das Cidades, visando: (i) a imediata destinação de imóveis públicos, vazios e subutilizados, para a habitação de interesse social; (ii) a regularização fundiária dos terrenos ocupados, em área de até 250 metros quadrados, para fins de moradia, pela população de baixa renda; (iii) a instituição de zonas de especial interesse social, em áreas ocupadas pela população de baixa renda e em área vazias destinas a habitação de interesse social, e (iv) o combate a especulação imobiliária, a subutilização de terrenos vazios e a captura da valorização fundiária, decorrente dos investimentos públicos, para fins de investimentos em habitação de interesse social.
2. A adoção, pelo poder público, de instrumentos e políticas que subordinem os usos da propriedade privada aos interesses coletivos e ao amplo exercício da cidadania, o que implica, entre outras coisas, que a aprovação dos projetos urbanos e imobiliários deve estar condicionada a critérios de justiça social e de sustentabilidade ambiental e deve passar pelas instâncias de participação e controle social, com ampla representação dos diversos segmentos sociais.
3. A adoção, pelo poder público, de medidas de desmercantilização da moradia e do solo urbano, incluindo a limitação no número de terrenos urbanos e unidades habitacionais que um único proprietário pode possuir, de forma a garantir o acesso de todos e de todas à moradia digna, ao saneamento ambiental e a mobilidade urbana. Sendo uma necessidade social, a moradia não pode ser tratada como uma mercadoria, ou seja, o acesso à moradia digna e aos serviços urbanos não podem estar subordinados à capacidade de pagamento das pessoas, e ninguém pode explorar lucrativamente o acesso fundamental a esses bens essenciais.
4. O reconhecimento, pelo poder público, da propriedade coletiva. Como um direito social, o direito à moradia pode ser exercido por coletividades, o que deve implicar na possibilidade da propriedade coletiva do imóvel, assegurando-se o direito à posse e à moradia a todas as pessoas integrantes dessas coletividades. Ao mesmo tempo, o poder público deve promover e apoiar processos autogestionários de produção social da moradia.
5. A adoção, pelo poder público, de mecanismos, procedimentos e políticas que garantam processos decisórios participativos em torno das políticas e projetos urbanos, envolvendo a instituição de orçamentos participativos, conselhos e conferências das cidades, bem como a reforma política do país, de forma a garantir a progressiva institucionalização da gestão democrática das cidades. Uma democracia efetivamente participativa deve garantir o direito dos cidadãos e das cidadãs de participar e deliberar através de mecanismos representativos e diretos, individuais e coletivos, em todas as esferas de governo. Além do exercício do voto direto nas eleições para os governos executivos e para os parlamentos, é preciso incorporar, com poder deliberativo, tanto a participação direta das pessoas em reuniões, fóruns, audiências e conferências, como também a participação de diferentes coletividades (sindicatos, associações, organizações e movimentos sociais, etc) nas esferas públicas de gestão das políticas que requerem algum grau de representação (tais como os conselhos) e também no próprio parlamento.
6. A aprovação, pelo Congresso Nacional, de emendas ao projeto de lei de reforma do Código do Processo Civil – CPC (PL 8.046/2010), visando a mudança do procedimento legal das reintegrações de posse e das ações possessórias no caso de litígios coletivos pela posse dos imóveis urbanos e rurais, de forma a proteger os direitos humanos e coletivos de milhares de famílias ameaçadas de despejo por medidas liminares em todo Brasil.

Por um novo Código de Processo Civil
O Fórum Nacional da Reforma Urbana (FNRU) lançou uma campanha para a inclusão de mecanismos de prevenção e mediação dos conflitos fundiários rurais e urbanos na alteração do Projeto de Lei 8.046/2010, que dispõe sobre o novo Código de Processo Civil (CPC).
A organização está realizando um abaixo-assinado em defesa da mudança do procedimento legal das reintegrações de posse no caso de disputas coletivas pela posse dos imóveis urbanos e rurais. “As populações ameaçadas demandam dos entes públicos a implementação de políticas públicas para avançar na reforma urbana e agrária, com a efetiva aplicação da função social da propriedade”, defende o FNRU.
O Projeto de Lei que propõe o novo Código de Processo Civil está sendo discutido no Congresso Nacional. O CPC é o instrumento que, entre outras coisas, regula o procedimento que o juiz e os demais poderes públicos devem adotar nos casos de conflitos fundiários, tendo uma incidência direta nas ações de reintegrações de posse individuais e coletivas. Conforme a regra vigente, a ordem liminar de reintegração imediata, com o uso de força policial, é o instrumento que deve ser utilizado para a liberação de áreas ocupadas para fins de moradias e reforma agrária por famílias de baixa renda.
Segundo o FNRU, a alteração deste procedimento “é uma necessidade urgente para garantia dos direitos humanos e da função social da propriedade”.
O Fórum Nacional da Reforma Urbana lembra que há uma proposta de emenda (323/2011) com o relator da reforma do CPC, o deputado federal Sérgio Barradas Carneiro (PT-BA). No entanto, segundo a organização, a proposta precisa ser ampliada “para conter todos os pontos necessários para se evitar a execução de despejos expressos por via das liminares que ocasionam violações aos direitos humanos”.
“As emendas que defendemos à nova lei propõem mecanismos de prevenção e mediação dos conflitos fundiários rurais e urbanos com audiências com as famílias afetadas, a participação do Ministério Público, da Defensoria Pública, entre outros atores, obrigando o Judiciário a verificar o cumprimento da função social da propriedade”, afirma a organização.

 Fonte. http://observatoriodasmetropoles.net/

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