© flickr Noemí Rivera
O tema da paisagem é um assunto querido de todos aqueles ligados às formas de expressão artística. O título deste meu texto, que propõe uma abordagem sobre a paisagem, é apanhado do artista plástico português Rodrigo Costa e do arquiteto brasileiro Paulo Mendes da Rocha. O primeiro defende, no ensaio reflexivo “A Paisagem como o Lugar de Tudo”, que a natureza é o princípio e o fim de tudo. Já o segundo, quando de uma palestra em 2011, em Lisboa, sobre o seu projeto do Museu dos Coches, me deixou a mensagem de que a paisagem não será nunca uma envolvente de qualquer projeto e que é este que tem que se adaptar, como intruso, ao lugar e às suas condições climatéricas.
Parto da paisagem para falar de poluição visual, no sentido de evoluirmos de fato, ao nível dos comportamentos, no que diz respeito às reais preocupações de sustentabilidade e a uma mais que necessária travagem da destruição do meio ambiente. Os arquitetos, de uma maneira geral, tem a tendência para pensar e agir como se a natureza fosse a paisagem envolvente dos seus projetos. A verdade é que a natureza demorou muitos anos a desenvolver as infinitas paisagens nas suas infinitas harmonias. Nesse tempo todo, muito antes do aparecimento do Homem, a natureza foi se transformando ao ritmo dos seus insondáveis códigos.
A Humanidade surge e instala-se, iniciando o seu processo de adaptação e de evolução como espécie. Neste momento já sabemos que a nossa evolução tem causado a reação do meio ambiente. Temos a consciência de que os nossos códigos estão a desencadear alterações profundas nos códigos da natureza. Com mais conhecimento e tendo à nossa mercê diversas tecnologias e uma cultura desenvolvidas, seria de esperar que o Homem soubesse traçar os princípios de um plano de ação, que não colocasse em risco a natureza e até mesmo a sua própria subsistência.
No domínio da arquitetura, a construção desenfreada que disparou nos finais dos anos 90 do século passado e que se estende até aos dias de hoje tem causado inúmeros fatores de desestabilização, não só na natureza como na organização social e económica. A mediados da década de 90 os principais escritórios de arquitetura encontraram na propaganda de certos países, que queriam atrair turistas às suas terras, uma oportunidade de fazer dinheiro e obra. É verdade que nem todos os países, maioritariamente ocidentais, nem todos os escritórios de arquitetura se lançaram nessa espécie de nova “corrida ao ouro” da construção. Ainda assim, são inúmeros os exemplos de países e de arquitetos que se deixaram cair nas facilidades das situações.
O problema, em minha opinião, é que certos políticos viram na arquitetura uma nova forma de fazer política e de obter resultados políticos e económicos através dela. Os políticos perceberam que alguns arquitetos, na sua vontade de fazer dinheiro e de perpetuar a sua arte, estariam dispostos a entrar num caminho perigoso para a construção e para a sustentabilidade do meio. Poderíamos salientar um sem número de responsáveis políticos que para colocarem as suas cidades no mapa decidiram investir em novas e exuberantes estruturas, que servissem como mais um cartão-de-visita a juntar a tantos outros. Uma espécie de franchising de museus começou a proliferar pelo planeta, em algumas cidades fazendo toda a lógica, visto que têm efetiva procura cultural e que ela só garante a viabilidade dos mesmos. Em outras cidades apenas assistimos ao “cair” de estruturas vindas do céu, que serviram num determinado período de tempo e que agora se encontram à beira da inviabilidade. A implementação desses projetos, de cariz cultural, foi simples na sua aceitação, pois quem é que colocaria em causa o prestígio deste ou aquele arquiteto e que cidadão não queria ter um novo e emblemático monumento na sua terra? Sem precisar citar nomes de projetos, creio que o leitor pode facilmente trazer à memória um ou outro edifício ao estilo do espírito de época, cuja edificação salta mais à vista pelo arrojo estético e artístico da arquitetura do que propriamente pela utilidade pública dos mesmos ou até mesmo pela forma harmoniosa como ocupou o seu lugar. As grandes empresas foram atrás dos exemplos dados por esses estados, e assim proliferaram também novas e megalómanas sedes com o intuito único de utilizar a arquitetura como propaganda, como símbolo de prosperidade e de vanguarda.
A construção de moradias seguiu um rumo parecido, talvez mais ponderado ao nível da monumentalidade de cada projeto, mas nada contida em termos de novas áreas construídas. Construtores e bancos, providenciando todo o negócio desde o início, fizeram construir a nova palavra de ordem até os nossos dias. A bolha imobiliária nos Estados Unidos estendeu-se a todo o mundo e prolifera pelas planícies. Quando olhamos para o Médio-Oriente e China, percebemos facilmente que algo de trágico vai acontecer de novo. Ainda este ano a cadeia de televisão britânica BBC fez um documentário sobre uma cidade na China, construída e preparada para albergar 16 milhões de pessoas. No documentário percebemos que a cidade construída é um lugar fantasma e que os poucos comerciantes ali existentes vivem num ermo de concreto e vidro. Os países do Médio-Oriente e da China estão criando uma nova e maior brecha de especulação imobiliária. Olhando agora para as economias emergentes, podemos antecipar a repetição desses mesmos erros, até porque a essência destes negócios é sempre a mesma, servir certos grupos econômicos utilizando as sociedades como meios para atingir certos fins. Não esqueçamos que arquitetura existe para servir o homem, e muito do que já está e será edificado no futuro também muito nos dirá sobre a ética e o carácter dos autores dessas obras. Resta saber se ficará alguém para contar a história?!
A paisagem tem sido violentada de forma brutal nestas últimas duas décadas. As cidades crescem desmesuradamente, sem planeamento, e vão criando lugares incaracterísticos entre elas e nas suas periferias. É notória, por mais bem planeada que possa estar esta ou aquela cidade, este ou aquele país, que a paisagem foi ferida de morte pelo concreto. Assistimos a uma desequilibrada concentração de pessoas no mesmo lugar, habitando e trabalhando num espaço apertado, confuso e pouco propício às essenciais harmonias que o Homem procura e precisa para viver. Edifícios novos abandonados e edifícios velhos cheios de gente em más condições de habitabilidade. As grandes metrópoles do Mundo vivem graves problemas de sustentabilidade, não só ligados ao excessivo consumo de energias, má gestão de recursos materiais, como também todo o tipo de poluição e ruptura das condições mínimas exigidas para a sanidade das suas populações.
O excesso de população concentrado num só lugar acentua as desarmonias e os desequilíbrios no programa de qualquer cidade. Para além da poluição em si, causadora de inúmeras doenças, a poluição visual exerce uma pressão quase subliminar nos cidadãos. Chego mesmo a pensar que a construção em altura é uma forma de pressionar ainda mais o homem, reduzindo-o a uma escala que não lhe dá sequer o direito imediato a ter uma desafogada perspectiva do horizonte. E esta poluição visual causada pela construção existe, ela nos rouba a paisagem tornando-a cada vez mais num bem em vias de extinção. Para além das qualidades estéticas e estruturais da construção, dissertadas de forma tão elegante por críticos em revistas da especialidade, me parece que a arquitetura e os seus profissionais, de uma forma geral, têm esquecido de procurar um método que permita salvaguardar a harmonia e o equilíbrio de todos esses lugares que ela tem ocupado na natureza. O urbanismo dá mostras de falhanço em todo o mundo, por mais organizadas, bonitas e apelativas que as cidades possam parecer.
Ao descaracterizarmos e destruirmos a natureza estamos a dar cabo das referências do nosso meio, a singularidade e especificidades de cada lugar como um todo. Estamos também a colocar em causa o equilíbrio do homem neste espaço comum. Se a natureza é um escape à civilização então é porque algo está errado.
A 13ª edição da Bienal de Veneza de Arquitetura traz pela mão de David Chipperfield o tema “Common Ground”, promovendo um debate sobre o papel da arquitetura e as afinidades partilhadas pelos seus profissionais. E seria bom discutir de fato se a prática da disciplina, na sua comunidade de profissionais da construção, tem imposto à natureza, e à terra que é de todos, as harmonias ou os desequilíbrios? Olhando para a forma desenfreada como se construiu nesta primeira década do século XXI, eu diria que a ética e o carácter de muitos profissionais da arquitetura tenderam mais para a soberba e a ganância do que para a simplicidade e o bom senso.
Termino esta opinião, nada mais que uma despretensiosa prosa, citando Frank Lloyd Wright: – “Eu acredito em Deus, só que O pronuncio Natureza”.
Lisboa, 12 de Maio de 2012
Fonte: Krusse , Tiago . "Da Paisagem à Arquitetura / Tiago Krusse" 24 May 2012. ArchDaily. http://www.archdaily.com.br/49632/da-paisagem-a-arquitetura-tiago-krusse/
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