Qualidade do Espaço, Missão da Arquitetura

Artigo do presidente do IAB-RS, Carlos Alberto Sant'Ana.

Como profissionais da construção civil no Brasil temos a principal responsabilidade sobre a solução de um dos talvez mais graves desafios que se apresentam ao país.

O Brasil foi vítima de um processo de urbanização e industrialização acelerado. A grande massa da população deslocou-se, em duas gerações, de um ambiente rural paupérrimo, de um país de colonização recente e escassa tradição cultural, para imensos e concentrados aglomerados urbanos construídos à base do improviso e da necessidade.

Tudo isso, nas últimas décadas, não em um ambiente de prosperidade e recursos, mas enquanto o país, vítima de sua imaturidade política, viveu ampla instabilidade econômica e escassez de recursos para investimentos, transformando essa migração dos povos em uma avalanche de ocupações e desespero.

De um lado observamos uma tremenda modernização de nossa economia, dos processos produtivos e das relações de trabalho e sociais. De outro lado, poderíamos descrever o resultado desse processo como a plena desestruturação das relações do homem brasileiro com o espaço que habita. Tal resultado é, em síntese, o inchaço das cidades brasileiras, a degradação das condições de vida da população, sem exceção de classe social. É o enfraquecimento da noção de cidadania e da relação do Homem com seu espaço existencial, a alienação quanto aos valores civilizatórios, o enfraquecimento da ordem legal, a exclusão e a pobreza.

Além disso, em especial para os que sabem observar com olhar técnico, a ocupação de nosso território segue um modelo ambientalmente insustentável que avança rumo a cobrar um preço bem mais elevado devido a suas contradições com o ambiente.

A súbita mudança dos indicadores econômicos, que vemos no Brasil otimista e triunfante de hoje, faz-nos sonhar de forma ansiosa em recuperar todo o tempo perdido em tão longas décadas de estagnação. Como conciliar a realidade indesejável e a visão ideal do que o nosso povo merece?

A emergência de uma nova realidade no Brasil exige a mudança dos paradigmas que tem norteado a questão da habitação em nosso país. O período de depressão de investimentos na realidade apenas foi superado pela perspectiva de um ciclo de crescimento, mas este precisa ser consolidado pela confirmação de que saberemos fazer escolhas certas nesta nova oportunidade.

Corremos o risco de exatamente pela defasagem histórica abandonarmos o caminho reto da técnica repetindo opções pelo imediatismo ou desviadas pela prevalência de interesses secundários. A experiência histórica permite avaliar os efeitos da construção em massa, e prever os perigos advindos de uma metodologia equivocada.

Anteriormente à questão das soluções de projeto e de eficiência da aplicação de recursos, que sabemos são sempre preocupações de nossos órgãos públicos e arcabouço legal, deve ser colocada uma questão fundamental para a construção civil: QUALIDADE.

Mas por qualidade, entendemos qualidade do ambiente resultante de todo o processo. O ambiente urbano de qualidade é criado para o desenvolvimento de uma sociedade estável, capaz de desenvolver uma cultura orientada para o bem estar os seus integrantes. Qualidade não é um sonho, não é utopia, mas algo que a correta metodologia de intervenção profissional deve buscar, é a essência do ofício do arquiteto.

Essa visão está longe da visão do administrador de recursos, e muito especial quando, conformados com as limitações da lei 8.666, os administradores esquecem que OBRA é um processo de escolhas, que o verdadeiro objetivo da CONSTRUÇÃO ESTÁ ALÉM DA OBRA, ESTÁ NO ESPAÇO RESULTANTE DESSE PROCESSO, que será usado por PESSOAS.

Logo, o administrador público, cujo objetivo é realizar um bom investimento SOCIAL, e não mera aplicação eficiente de recursos, irá se preocupar com o retorno para a sociedade ao longo dos muitos anos de uso, e da adequação do resultado aos objetivos do desenvolvimento humano e social.

A qualidade do projeto é um fator determinante de seus resultados. Considerando a desproporção dos custos de projeto em relação aos custos totais, considerando os custos sociais e de uso de qualquer obra, fica evidente a importância de garantir, antes de mais nada, sua EXCELÊNCIA.

O poder público tem o dever de gerar esses parâmetros de excelência, de desenvolver a cultura tendo em vista o horizonte futuro. Não é admissível, portanto, a estreiteza de considerar-se a contratação de serviços de arquitetura equivalente à contratação de terraplanagem ou de compra de brita ou areia. É um desserviço à causa da eficiência da administração dos recursos públicos a licitação de projeto arquitetônico, o determinante da eficiência de décadas de uso de um empreendimento, pelo fator preço.

O Concurso Público de arquitetura é um dos instrumentos que estão à disposição da administração pública para trazer qualidade aos seus empreendimentos, mas não é adequado sempre, e não basta. A qualidade depende também de fatores anteriores ao projeto que muitas vezes o determinam.

Doutrinas, regulamentos, normativas, procedimentos e planos de investimento, são construções coletivas dos órgãos públicos e políticos, o que inclui ação de entidades de classe e associações profissionais, discussão ampla e plural. A concepção de um programa de investimentos é também um projeto, para o qual não há profissional habilitado. Como atividade de interesse de toda a sociedade é uma CONSTRUÇÃO POLÍTICA, que deve ser realizada com a maior e mais clara transparência e democracia.

Dessa forma, poderemos quem sabe evitar que a massificação das intervenções resulte não em progresso real, mas em degradação social e ambiental. A história é pródiga em experiências que a comunidade profissional tem avaliado nas últimas décadas. Muitas iniciativas as mais bem intencionadas resultam em verdadeiros desastres sociais e humanos. A repetição para otimizar custos é um pilar da produção em massa. Mas a aplicação desse princípio em escala urbana é uma potencial recita de uma explosão social no futuro, como foi demonstrado sobejamente em inúmeras experiências mal sucedidas de grandes empreendimentos habitacionais que representaram o maior fracasso em termos de criação de uma comunidade integrada social e economicamente.

A massa de informalidade existente, por outro lado, é inserida na rede urbana assim como seus ocupantes na rede social e econômica, nem sempre é passível de remoção, isso é indesejável, mas é também um espaço carente que pode, com os investimentos adequados, integrar-se como um espaço diferenciado da cidade, mas não menos capaz de prover dignidade e cidadania.

Como levar a este espaço a qualidade e a excelência do trabalho profissional, como otimizar os recursos para melhoria e progresso dessa área antes informal e baseada no improviso? Novos meios de ação devem ser desenvolvidos, com a concorrência da Sociedade Civil, das representações populares, das entidades de classe.

Um instrumento recente, como a assistência Técnica à Moradia, lei que ainda não saiu do papel, parece talhado para essa classe de intervenção. Precisamos colocá-la em prática. Para isso as entidades de classe e associações profissionais, como o IAB, estão prontas a colaborar como elementos representativos da opinião técnica e como instrumentos de debate divulgação do conhecimento e ação política.

De todos os instrumentos que dispomos para aplicação de recursos, porém, quero assinalar a essencialidade de um principal: a DEMOCRACIA, garantida pela transparência, pela legalidade, pela prática da negociação e abertura. O IAB sempre lutou e sempre continuará lutando neste lado do campo, não somos e nem seremos uma entidade cuja visão se esgota no fechamento do balanço do ano.

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