Por Gilberto Maringoni- de São Paulo
Ermínia Maricato exibe espanto e indignação com os rumos de nossas políticas urbanas, seu objeto de estudo e área de atuação há quatro décadas. “Para mim, o centro de tudo é a questão da justiça social”, diz ela. Ou seja, de como as metrópoles brasileiras precisam deixar de ser expressão da secular discriminação contra os mais pobres.
Ermínia Maricato, uma das mais importantes urbanistas brasileiras, concedeu a seguinte entrevista à Desafios do Desenvolvimento, em sua casa em São Paulo.
Desenvolvimento - A senhora tem dito em diversas oportunidades que as cidades brasileiras tornaram-se inviáveis. Por quê?
Ermínia - Porque uma parte da população não cabe mais na cidade. E não é uma parte pequena. Tem a ver com uma trombada entre a população pobre e as áreas ambientalmente frágeis. Eu tinha a esperança de que o Ministério das Cidades inauguraria uma nova fase da cultura sobre o desenvolvimento urbano no Brasil, lançando uma idéia um pouco mais elaborada de planejamento e gestão, rompendo essa caminhada atual rumo ao abismo. Eu sabia que não seria uma tarefa fácil.
Desenvolvimento - A senhora acredita não haver solução?
Ermínia - Penso que neste momento a política urbana saiu da agenda nacional. Ou construímos um espaço de debate e mobilização na sociedade civil independente do Estado, pois o Estado tem um poder de cooptação muito grande, ou o caos se tornará dominante.
Desenvolvimento - A senhora propõe uma política alternativa, criando ONGs e organizações desse tipo?
Ermínia - Não. Proponho construir uma correlação de forças diferente da atual, a partir da sociedade civil.
Desenvolvimento - Como se desenvolveu o movimento de reforma urbana nas últimas décadas?
Ermínia - Ele foi muito importante e é admirado por muita gente no exterior. Eles se perguntam como o Brasil conseguiu unificar pesquisadores, lideranças profissionais, comunitárias e sindicais para uma proposta de reforma urbana, que vem desde antes de 1964. Havia uma agenda que foi materializada na prática de várias prefeituras nos anos 1980 e 1990, centrada na reversão de prioridades, de se fazer algum tipo de justiça urbana. O Ministério das Cidades deveria ser um ponto de chegada desse movimento. Muitos de seus integrantes se tornaram prefeitos e deputados. Tínhamos uma comissão forte no Congresso Nacional. Conquistamos muitas vitórias institucionais, como dois capítulos na Constituição de 1988 e a elaboração do Estatuto da Cidade, uma lei que o mundo inteiro admirou. O que acontece na passagem de Fernando Henrique e Lula? O Ministério foi criado, eu fui para a equipe de transição. Em seguida foram definidos o Conselho das Cidades e as Conferências Nacionais das Cidades, com uma prática inovadora, que alcançava até a política de saneamento.
Perfil
Professora titular aposentada da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), Ermínia foi Secretária Executiva do Ministério das Cidades, entre 2002 e 2005. Lá foi coordenadora técnica da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano. Trazia na bagagem a experiência de ter comandado a Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano do município de São Paulo, entre 1989 e 2002, no governo Luíza Erundina. Foi também autora de todas as propostas para a área urbana das candidaturas de Lula a presidência, entre 1989 e 2002. Mais recentemente, exerceu o cargo de conselheira do Habitat, programa das Nações Unidas para assentamentos humanos.
Natural de Santa Ernestina, cidadezinha próxima a Araraquara, ela chegou a estudar Química Industrial no segundo grau e a iniciar a Faculdade de Física, na USP. “Eu tinha uma cabeça boa para matemática”, conta ela, acostumada a lidar com números e indicadores durante toda a vida. “Decidi prestar vestibular na FAU. Entrei em 1967, em plena ebulição estudantil nos tempos da ditadura”. Ali sua atenção se voltou para o planejamento urbano. “Mas hoje ando muito apaixonada pela agronomia, fazendo experiências de plantar frutas raras da mata atlântica, junto com profissionais de diversas origens que tentam recuperar uma gleba na região”. Com uma ponta de indignação, confessa: “Acho que as cidades estão ficando sem perspectivas de solução de seus problemas”.
Fonte e reportagem completa: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2508%3Acatid%3D28&Itemid=23
0 comentários:
Postar um comentário