Lina Bo Bardi: Um segredo brasileiro muito bem guardado

MASP, 1968. Image © Pedro Kok     MASP, 1968. Image © Pedro Kok

Texto escrito por Jason Farago e originalmente publicado na BBC Culture com o título “Lina Bo Bardi: Brazil’s best-kept secret”.

Como nenhum outro país de seu tamanho, o Brasil projetou seu caráter para o mundo através da arquitetura moderna: os edifícios governamentais e projetos habitacionais de Brasília, os arranha-céus ao longo da Avenida Paulista, em São Paulo, e seus palácios do prazer – o Sambódromo o Estádio do Maracanã no Rio. Achamos que conhecemos a aparência do Brasil. Apesar de toda a beleza de Copacabana e da Amazônia, o Brasil, em nossa imaginação, é um ambiente construído, um lugar onde o modernismo do Estilo Internacional foi corrompido pelas curvas, por detalhes orgânicos e pela vegetação exuberante.

Uma mulher em particular pode nos ajudar a expandir nosso olhar, não apenas em relação ao Brasil, mas também em relação a toda  arquitetura moderna. Lina Bo Bardi, uma arquiteta italiana com o incomum compromisso de construir para as necessidades da sociedade, estava apenas iniciando na profissão quando Lúcio Costa e Oscar Niemeyer começaram a adaptar o modernismo internacional para propósitos locais. Mas enquanto a arquitetura brasileira passava por sua fase utópica, Bo Bardi se manteve à distância, construindo algumas das edificações mais incisivas e bem sucedidas do Brasil, não somente na parte mais rica, ao sul do país, mas também em sua amada Bahia, região culturalmente vibrante mas em desvantagem econômica. Ela foi chamada de “a arquiteta mais subestimada do século 20,” e apenas no centenário de seu nascimento, finalmente atraí a atenção que merece.

No ano passado o curador suíço, Hans Ulrich Obrist montou uma exposição na residência de Bo Bardi em São Paulo, na qual artistas brasileiros e estrangeiros se envolviam com a vida e obra da arquiteta. Uma exibição itinerante, Lina Bo Bardi: Together, rodou recentemente toda Europa; sua última exibição inaugurará no Deutches Architektur Zentrum em Berlim. E no dia 13 de junho o museu Johann Jacobs em Zurique abriu uma temporada de seis meses dedicada à Lina Bo Bardi com uma exibição que foca em seu legado na Bahia e como essa região, influenciada pela cultura africana, influiu em seu obra ao longo de sua vida. Roger M. Buergel, curador da exibição em Zurique, argumentou que “Bo Bardi é excepcional pelo entendimento formal dessa... entidade vasta e misteriosa chamada ‘o social’”, e essa é a melhor razão para analisarmos seu trabalho hoje em dia. Num momento em que muitas arquiteturas parecem projetadas para fotografias promocionais desprovidas de pessoas, Bo Bardi fez prédios para a interação, a experimentação, enfim, a vida.

Projetar para a vida

Achilina Bo, como foi batizada, nasceu em Roma em 1914 e após seus estudos foi trabalhar em Milão para Gio Ponti - arquiteto e designer que também fundou a notável revista Domus, editada posteriormente por Lina. Em 1947, quando seu marido Pietro Bardi foi convidado a fundar um novo museu de arte no Brasil, o casal se mudou para São Paulo. Um de seus primeiros projetos no Brasil foi o de sua própria residência, a Casa de Vidro, no então suburbano bairro do Morumbi: uma inserção harmoniosa de uma caixa transparente sobre palafitas em meio à exuberante vegetação brasileira. Internacional e local, urbana e tropical, a Casa de Vidro de Bo Bardi carrega as marcas do racionalismo italiano - os materiais industriais; as formas simples e repetidas - mas também incorpora elementos da arquitetura rural tradicional brasileira, como dois volumes compactos e sólidos que sustentam a caixa de vidro da parte traseira. 

1323699434_selmie_1     Casa de Vidro, 1951. Image © flickr selmie

A Casa de Vidro foi precursora de seu mais importante projeto de meados do século passado: o lar permanente do Museu de Arte de São Paulo, que seu marido estava dirigindo a partir de um espaço temporário. O MASP foi criado para expressar a ascensão do Brasil no cenário internacional - bem como a subida para a riqueza, a São Paulo cosmopolita contra o seu tradicional rival, o Rio de Janeiro - e Bo Bardi propôs uma edificação ousada e icônica digna dessa tarefa. Num terreno privilegiado na Avenida Paulista, o museu consiste em uma caixa de concreto e vidro suspensa a oito metros do chão, sustentada por pilares vermelhos e que cria um grande espaço público de encontro. Ela o descreveu como sua "estufa tropical" e hoje em dia muitos paulistanos ainda relaxam, fofocam, praticam skate, e, ocasionalmente, protestam no enorme vão do edifício.

1342286032_wikiarquitectura_1311629433_wiki_2      MASP, 1968. Image Courtesy of Wikiarquitectura

Espaços caseiros

Ao contrário de Niemeyer, Costa e os modernistas brasileiros mais famosos, Bo Bardi sempre insistiu na importância, até na supremacia, da própria cultura brasileira, deixada de lado por muitos da elite brasileira em favor de um internacionalismo que na verdade não passava de um europeísmo. O coração do Brasil, para Bo Bardi, não era o sul metropolitano, mas a Bahia, a região que adorava. Ela a chamava de “o mezzogiornobrasileiro” - fazendo uma analogia entre o norte mais pobre, com sua região vasta e semiárida conhecida também como sertão, e o sul subdesenvolvido de sua Itália. No início dos anos de 1960 quando morava na capital baiana, projetou e dirigiu dois museus, um dos quais, o Museu de Arte Popular, repleto de artefatos locais expostos de um modo completamente diferente das hierarquias modernistas ocidentais.

No entanto, em 1964, apenas seis meses após a abertura do Museu de Arte Popular, as forças armadas realizaram um golpe de Estado que derrubou o governo democrático do Brasil. "Os acontecimentos de 1964 calaram a Bahia e todo o Brasil por quase 20 anos", escreveu Bo Bardi; de fato, o governo militar fechou o Museu de Arte Popular quase que imediatamente. Muitos artistas e arquitetos foram exilados - Niemeyer, um comunista obstinado, foi para o exílio na França em 1966 e permaneceu no exterior por duas décadas. Bo Bardi ficou. Ela não recebeu grandes encomendas de projeto por quase uma década - dedicando-se a projetos teatrais e de curadoria - e sua insistência em permanecer no Brasil explica, de alguma forma, o quase desconhecimento de sua obra fora do país.

No início dos anos de 1980, no entanto, conforme a rigidez da ditadura se amenizava, Bo Bardi concluiu um dos projetos mais extraordinários da recente arquitetura brasileira: oSESC Pompeia, um centro social e cultural adaptado a partir de uma fábrica obsoleta de tambores de óleo no centro de São Paulo. O projeto inclui campos de futebol, uma piscina e um teatro. Ao invés de derrubar a estrutura de concreto pré-existente, Bo Bardi analisou como os habitantes locais já a estavam usando, e, então, refinou seu projeto de modo a favorecer as funções realmente necessárias para a comunidade. Numa cidade e num país com profundas divisões de classe, o SESC Pompéia de Bo Bardi é o raro espaço urbano aberto a todos - de frequentadores de galerias internacionais a antigos moradores dos bairros procurando companhia para uma partida de xadrez.

2       SESC Pompeia, 1986. Image © Pedro Kok

Em 1958, numa palestra em Salvador, Bo Bardi definiu a arquitetura como "uma aventura em que as pessoas são chamadas a participar intimamente como atores". Apesar de toda a beleza e surpresa de seus projetos construídos, o maior legado de Bo Bardi foi estabelecer um vocabulário arquitetônico que favorecesse a colaboração, participação e mistura social, e ela viveu isso tanto quanto pregou. Ela não tinha escritório, preferindo trabalhar nos canteiros de obras durante o dia e em casa à noite; refinou seus projetos anos após serem construídos, ouvindo e colaborando com as pessoas que passaram por eles. Poderiam seus excepcionais edifícios terem surgido em qualquer outro país? Ou será que Bo Bardi precisava do Brasil para romper os pressupostos de um chamado estilo internacional e estabelecer uma forma mais social e mais democrática de arquitetura? Suas palavras sugerem a segunda opção: "Eu não nasci aqui. Eu escolhi viver neste lugar. É por isso que o Brasil é meu país duplamente."

MASP, 1968. Image © Pedro Kok
MASP, 1968. Image © Pedro Kok
MASP, 1968. Image Courtesy of Wikiarquitectura
MASP, 1968. Image Courtesy of Wikiarquitectura
Casa de Vidro, 1951. Image © flickr selmie
Casa de Vidro, 1951. Image © flickr selmie
SESC Pompeia, 1986. Image © Pedro Kok
SESC Pompeia, 1986. Image © Pedro Kok

Fonte:Romullo Baratto. "Lina Bo Bardi: Um segredo brasileiro muito bem guardado" 27 Jun 2014. ArchDaily. Accessed 28 Jun 2014.  http://www.archdaily.com.br/br/623151/lina-bo-bardi-um-segredo-brasileiro-muito-bem-guardado?utm_source=ArchDaily+Brasil&utm_campaign=14d1efd7d8-Archdaily-Brasil-Newsletter&utm_medium=email&utm_term=0_318e05562a-14d1efd7d8-407774757

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