A história surpreendente dos caquinhos de cerâmica de São Paulo

Raquel Almeida  

Se você é paulista ou se já circulou por bairros mais tradicionais e preservados de São Paulo, provavelmente já deve ter visto o revestimento de caquinhos para pisos.
O chão de cerâmica quebrada faz parte das memórias de vários moradores da cidade e marcou uma geração inteira como decoração da época das casas paulistas.
Mais interessante que o charme dos caquinhos, só mesmo a história que está por trás dessa tradição. Tendo como base a história contada pelo engenheiro Manoel Botelho, o bim.bon te ajuda a entender como o revestimento virou febre na metade do século passado.

via flickr
Por volta das décadas de 40 e 50, São Paulo possuía duas grandes indústrias de cerâmica. A mais importante para contar essa história é a Cerâmica São Caetano, que chegou no estado paulistano em 1913 e, por muitos anos, foi referência em produção de tijolos, ladrilhos e telhas.
Um dos produtos mais populares dessas indústrias era um tipo de lajota cerâmica quadrada (com cerca de 20x20cm), composta por quatro quadrados iguais. Inicialmente, elas eram produzidas nas cores vermelha - que era a mais comum e mais barata -, preta e amarela. Essas lajotas eram comumente utilizadas em pisos de comércios ou em casas de classe média. Na época, os lotes dos operários possuíam de 10x30m ou, no mínimo, 8 x 25m - o dinheiro era escasso e os pisos eram em sua grande maioria cimentados, cinzas e monótonos.
No entanto, naquela época, durante o processo de fabricação industrial das peças, aconteciam muitas quebras das lajotas - e esse material quebrado era deliberadamente descartado pela fábrica. Eram caminhões carregados que transportavam os descartes para um terreno abandonado para serem enterrados.
Até que um dia, um funcionário da empresa que terminava a reforma de sua casa e não possuía dinheiro para revestir seu piso, lembrou das lajotas quebradas e dispensadas. O operário pediu que pudesse reunir parte do das sobras e usar em sua reforma - a empresa topou e ainda forneceu transporte gratuito dos restos de cerâmica, já que economizaria dinheiro se não houvesse tanto descarte para enterrar.
A remessa recebida pelo operário possuia predominantemente peças vermelhas, mas haviam algumas amarelas e pretas também. No momento de assentar, o empregado não descartou as peças de outras cores - misturou o preto e o amarelo no revestimento para quebrar a monocromacia do vermelho terroso.
O charme da entrada da casa do operário gerou burburinho entre os vizinhos e muitos elogios. Assim, rapidamente, a moda se espalhou pelo bairro e até jornais da época noticiaram a nova febre de revestimento que se espalhava por São Paulo.
A partir daí, classes mais altas também passaram a aderir a nova mania e as indústrias de cerâmica viram na popularização dos caquinhos uma fonte de lucro e começaram a vender - obviamente, a preços acessíveis - os cacos de cerâmica. O custo do metro quadrado do caquinho cerâmico era 30% do valor de um caco íntegro.
Até este ponto, a história faz sentido e não há nada de muito surpreendente ou inacreditável na popularização dos caquinhos. Mas o improvável aconteceu: a demanda pelo revestimento cresceu tanto que começou a faltar cacos de cerâmica no mercado - para não comprometer as vendas, a própria empresa passou a quebrar as lajotas inteiras. O mais curioso ainda é que, anos depois, chegou no ponto em que o refugo passou a ser mais caro do que a cerâmica íntegra.
Mas os caquinhos de cerâmica foram embora tão rápido quanto vieram - nos anos 60, a classe média, que foi a maior responsável pela popularização do revestimento, passou a se mudar para condomínios e prédios - por isso, pararam de fazer uso dos cacos. As classes inferiores também passaram por mudanças - ou foram residir em lotes menores ou recorriam a casas nas favelas.
Se você ficou com saudade dos pisos de caquinhos ou se você ficou curioso e ainda não conhece o revestimento que foi febre nos anos 50, anote a dica - o bairro da capital paulista Vila Mariana é repleto de casas tradicionais e bem preservadas que ainda têm o piso revestido com os cacos de cerâmica.
Se você se apaixonou pela história dos caquinhos e quer investir no visual retrô para o piso da sua casa, bom, o caminho é um pouco mais complicado - o mais recomendável é você visitar cemitérios de azulejos.
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Raquel Almeida | Redatora
Raquel é mineira e apaixonada por cinema. Divide sua atenção entre filmes, livros e cultura inútil da internet e acredita que um dia sem dar risada é um dia desperdiçado.
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