Palmas estica e puxa

Em razão do debate factual acerca da revisão do Plano Diretor de Palmas este trabalho propõe uma reflexão sobre a proposta da ampliação da zona urbana da cidade, alcunhada pelos técnicos da prefeitura como área de transição (urbano/rural).
Entendemos como desnecessário rediscutir a tendência global da busca da cidade compacta, a ampla literatura ratifica esta lógica como necessária para a promoção do desenvolvimento sustentável. Portanto, pode-se afirmar que em Palmas caminhamos na contramão, criar novas áreas urbanas de transição, mesmo com restrições de uso, alimenta o mercado especulativo e em nada contribui para a sustentabilidade da cidade.
Lançando mão de conceitos básicos de ordenamento do território se pode concluir que qualquer transformação territorial que tenha por objeto ou por efeito o aumento da área total de solo urbanizado ou urbanizável é “Expansão Urbana” ou área de “Urbanização especifica”.
Passando pela revisão de literatura necessária para fundamentar uma discussão desta envergadura, encontramos somente três figuras aplicáveis ao contexto em pauta: perímetro urbano; área de urbanização especifica e a área de expansão urbana.
O Plano Diretor de Palmas de 2007 inseriu duas figuras: a do perímetro urbano e a da área de urbanização específica. Esta última ainda hoje é alvo de confusão de interpretação pelo veto de parte do artigo que regulamenta o instrumento.
Estudos acadêmicos realizados há vários anos vem constatando que as cidades brasileiras aumentam os perímetros urbanos de maneira casuística, criam figuras jurídicas para contemplar estruturas como condomínios fechados, ranchos ou sítios, novas tipologias do mercado para famílias de rendas médias e altas. Tudo dentro de uma ideia desenvolvimentista a de que “crescer em expansão urbana é desenvolver-se”. E essa forma de pensamento de “crescer é bom” esconde uma lógica perversa a de obter lucros a partir do processo de urbanização pela pura valorização imobiliária.
Esta lógica consiste caminhar em direção ao precipício, num primeiro passo se depara com omissão do poder público na fiscalização do entorno urbano, no passo seguinte, a cidade cresce pelo mecanismo da implantação de loteamentos clandestinos, em razão da falta de fiscalização pelo poder público, por fim, a expansão da cidade vem como única solução, em razão da falta de fiscalização pelo poder público. Como resultado desastroso deste processo teríamos o crescimento desordenado, a socialização dos custos da cidade e a individualização dos benefícios, afinal toda a população paga a urbanização revertida em impostos, enquanto a mais valia gerada pela transformação de rural em urbano (estimada em dez vezes a valorização do imóvel) fica nas mãos de alguns proprietários.
Não resta alternativa a não ser recorrer ao chavão de que “Palmas não está preparada para crescer para fora” em razão de padecermos da fragilidade dos instrumentos de planejamento urbano para o efetivo controle desse processo de expansão urbana.
Deveríamos considerar ainda a precariedade ou limitação do Plano Diretor para a adequada regulação de um território de expansão urbana. Não poderemos esquecer que estas áreas serão as novas “zonas vazias especulativas a serem preenchidas” suplantando as já existentes na região central da cidade.
Basta uma breve retrospectiva para constatar a incapacidade do poder público, que ao longo de varias gestões, não conseguiu ações efetivas para adensar o centro de Palmas, mesmo tendo à disposição ferramentas do Estatuto da Cidade.
Acreditar que o PEUC aprovado em Palmas desde 2011 conseguirá avançar no seu propósito de obrigar os proprietários a cumprir a função social da propriedade é utopia. Após idas e vindas a Prefeitura de Palmas conseguiu notificar em 2015 um número de propriedades com a área equivalente a 277 mil metros quadrados para o pagamento do IPTU progressivo, dos sete milhões de metros quadrados existentes (dados da prefeitura).
Diante do incontestável “Palmas é uma cidade vazia” defendemos ações efetivas para solução deste problema. A expansão urbana que retorna transmutada em “área de transição” agrava o problema e ocorrerá mais por interesses imobiliários e de proprietários, do que pelo interesse público.
Se fosse o caso apresentaríamos teses acadêmicas, argumentos empíricos e saberes populares fundados na vivência, que fortaleceriam a rejeição de reservar zonas rurais da cidade para transformá-las em urbana e destiná-las a condomínios, mesmo com uso restrito e áreas comuns para garantir a sustentabilidade. Pergunto: Esta medida não objetiva simplificar o tema complexo da habitação popular ao estar fundada numa abordagem de evitar e controlar o crescimento clandestino de bairros populares?
Entendo que deveríamos enfrentar a questão do controle urbano com a complexidade que ela merece. Portanto, se houvesse a implantação de políticas públicas integradas, perenes e estatais, voltadas para acomodação fundiária das classes menos favorecidas e a aplicação de pesadas multas aos proprietários que com o uso do poder econômico provocasse lesão ao meio ambiente, não haveria razão para ficar esticando a cidade.
Embora nos dias atuais exista maior dificuldade de esticar a cidade em razão dos municípios dependerem de um projeto especifico que contenha os requisitos da Lei nº 12.608/12, não abandonam o fetiche.
Neste novo contexto para esticar a cidade seria necessário demonstrar que na lógica adotada por este projeto especifico (exigido por lei) não esteja enfocada na gestão da valorização da terra e sim na lógica de planejamento da ocupação, em que se definam elementos que qualifiquem os instrumentos para esta ocupação.
Em termos comparativos é possível afirmar que a proposta de zona de transição do Plano Diretor contradiz às diretrizes do programa Iniciativa Cidades Emergentes e Sustentáveis (ICES) em que Palmas foi inserido. No documento produzido pela equipe técnica se constata que o crescimento da mancha urbana na cidade entre 2006 e 2010, foi de 2.520 ha, “bastante preocupante, principalmente se a análise for associada à baixíssima densidade observada para a ocupação urbana atual.” O documento alerta que “a desigualdade urbana expressa no percentual da população abaixo da linha de pobreza, o percentual de moradias localizadas em assentamentos informais, a distribuição de renda da população urbana e a mobilidade foram os temas que apresentaram os piores indicadores.” Estes indicadores fortalece a tese de que a expansão urbana tenta descomplicar um tema que deveria ser enfrentado com políticas consistentes, não com o reforço da exclusão social.
Temos um paradoxo o de ao não se conseguir solucionar o problema da retenção especulativa na área central, será produzida áreas de transição (ampliação da retenção imobiliária para a borda da cidade) ao entorno do atual perímetro urbano. Pode-se concluir que o resultado deste processo será a reprodução dos novos problemas das grandes cidades brasileiras “a criação da periferia da periferia”. Esta nova figura expulsa os pobres para além da periferia. Segundo o ICES/Palmas “uma das questões mais importantes para se alcançar estes objetivos (os da sustentabilidade) é a contenção do espraiamento da mancha urbana.”.
Para finalizar, pontua-se a importância deste debate, pois preocupa a maneira em que o poder público está inserindo a expansão urbana na revisão do Plano Diretor. Pois, a inserção da maneira que vem sendo feita poderia ter o cunho de dispensar futura apresentação do Projeto Especifico e da criação de legislação que autorize o estabelecimento de novas áreas urbanas.
Por outro lado, não podemos abrir mão de preceitos básicos e ratificar de que a elaboração ou revisão, a implantação e o acompanhamento do Plano Diretor Municipal e de suas leis complementares devem acontecer, obrigatoriamente, com ampla participação popular. Segundo o documento ICES/Palmas há um considerável déficit de participação popular na cidade, pesquisa realizada “revelou deficiência no processo de participação popular” que nos coloca na contramão: tanto ao criar mecanismos para esticar a cidade, como a de não criá-los para oportunizar a participação popular. A população quer participar! Palmas Participa!



João Bazolli

Dr João Aparecido Bazolli, professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT) no curso de Direito e colaborador no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional (PPGDR). Área de atuação: Direito Urbanístico e Ordenamento do território, com enfoque no espaço urbano. Coordenador do grupo de Pesquisa/Cnpq: Cidade e Meio Ambiente, com as linhas de atuação em Regulação no espaço urbano. Eixos de investigação: Poder local e Democracia participativa; Desenvolvimento Urbano e Leis Municipais; Desenvolvimento Político e Social; Reforma Urbana; Instrumentos Legais para Regularização Fundiária Urbana. Exerce atividades como Coordenador do (GT-Cidade) no Instituto de Pesquisa, Diretos e Movimentos Sociais (IPDMS); Membro do Núcleo de Estudos Urbanos e das Cidades - Neucidades/UFT; Membro da equipe de coordenação do Projeto Nós Propomos - IGOT/Universidade de Lisboa - Portugal (http://nospropomos.wix.com/nospropomos#!equipa-de-coordenao/cd5g) e Membro da Asociasón Latinoamericana de Sociologia.  

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