Criador de uma linguagem única, Burle Marx foi o primeiro a colocar o paisagismo em pé de igualdade com a arquitetura

roberto burle marx, desenho de burle marx para o edifício gustavo capanema (1938), no rio

Roberto Burle Marx sempre começava o dia com uma ronda pelos canteiros de seu refúgio particular, para onde se mudou em 1973 e permaneceu até sua morte, há 20 anos. Só saía do sítio Santo Antônio da Bica, nos arredores do Rio, depois de ver de perto como estavam suas plantas. “Ele rodava 60 quilômetros para chegar ao trabalho, e fazia isso diariamente”, conta Haruyoshi Ono, arquiteto que trabalhou por 30 anos com o paisagista e atualmente dirige o escritório que o amigo abriu na zona sul da cidade em 1955.

roberto burle marx, aisagismo da residência de edmundo cavanellas (1954), em petrópolis

Burle Marx comprou o sítio, hoje patrimônio da União, em 1949. Precisava de um lugar para produzir mudas e de mais espaço para sua coleção, iniciada na infância e multiplicada desde que descobriu a flora tropical brasileira no Jardim Botânico de Berlim. A transformação do sítio – descrito pelo crítico de arquitetura Paul Goldberger como “uma das mais belas paisagens criadas pelo homem no mundo” – se tornaria para Burle Marx um projeto de vida. “Ele demonstra lá o caráter único de sua arte, que era a um só tempo de grande amplitude, mas intimista”, disse o americano, após conhecer o local, em 2013.

Revelado tanto em trabalhos públicos, como o aterro do Flamengo (décadas de 1950 e 60), no Rio, quanto nos privados, como a residência Odette Monteiro (1948), em Corrêas (RJ), esse excepcional domínio do espaço é apontado por Sílvio Soares Macedo, professor titular da FAU-USP, como importante marca da prolífica trajetória do paisagista. “Burle Marx inovou ao colocar a vegetação tropical em primeiro plano. Desconstruiu o tradicional traçado de parques e praças românticos do século 19 e criou uma linguagem nova que tinha muito a ver com as formas orgânicas das artes plásticas, principalmente no que se referia ao desenho de pisos e águas e à combinação de cores das plantas”, explica.

Foi a convite de Lucio Costa, seu amigo de infância, que Burle Marx projetou os jardins do antigo Ministério da Educação e Saúde (1938), atual edifício Gustavo Capanema, no Rio – obra que se tornaria o marco do paisagismo moderno no Brasil e no mundo. Foi apresentado pelo urbanista a Oscar Niemeyer, com quem atuaria, entre outras criações emblemáticas, no Conjunto da Pampulha, em Belo Horizonte (1942), e no Itamaraty (1965). “Sempre que precisávamos de algo bonito, nós o chamávamos”, costumava dizer Niemeyer.

roberto burle marx, painel de azulejos de portinari e jardim suspenso do edifício gustavo capanema (1938), no rio

Igualdade
Burle Marx foi o primeiro a colocar o paisagismo em pé de igualdade com a arquitetura, e não como complemento dela. Ele tinha uma concepção estética que unia extrema clareza com alto rigor botânico. Artista plástico por formação, era paisagista autoditada, designer de joias, tapeceiro e decorador de festas.

Chefiou diversas expedições das quais trazia vegetação ornamental para aclimatar em seu viveiro. “Quando doou seu sítio para o governo, ele deixou claro que a ideia era preservar as cerca de 3.500 espécies que aqui estão – algumas, ameaçadas de extinção”, afirma Marlon da Costa Souza, chefe da divisão técnica do Sítio Roberto Burle Marx.

Para Sílvio Soares Macedo, o fato de ter sido o arquiteto-paisagista do Estado e da elite permitiu a Burle Marx muitos recursos e total liberdade de criação, além de projeção no exterior. São de sua autoria, por exemplo, o Parque del Este (Caracas) e os jardins internos da Unesco (Paris). “Ele teve a chance de fazer trabalhos particulares belíssimos, como a residência Nininha Magalhães Lins (1974), no Rio, nos quais trabalhava a vegetação para criar planos, texturas e ambiências.” Na mesma cidade também estão importantes mosaicos de piso do paisagista, como o calçadão de Copacabana (1970).

Haruyoshi Ono acrescenta às mais importantes e preservadas obras do paisagista a Fazenda Vargem Grande (1979), em Areias (SP). “O jardim vertical do Banco Safra (1988), na rua Bela Cintra, em São Paulo, também estava entre os trabalhos mais queridos dele.”

O último projeto do qual participou, mas não chegou a ver pronto, foi o Kuala Lumpur City Centre (1994). “Para comemorar os 20 anos do parque, fomos convidados pelo governo da Malásia a fazer sua revitalização”, disse Ono. Nascido em 1943, o arquiteto, a exemplo do que fazia seu mestre, continua a ir todos os dias para o escritório.

 

Saiba mais
As visitas ao sítio Roberto Burle Marx devem ser agendadas pelo telefone 21 2410 1412.

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Fonte: http://www.bamboonet.com.br/posts/criador-de-uma-linguagem-unica-burle-marx-foi-o-primeiro-a-colocar-o-paisagismo-em-pe-de-igualdade-com-a-arquitetura

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