Alain de Botton – A Arquitetura da Felicidade

Alain de Botton é um escritor e produtor suíço responsável pela abordagem de temas filosóficos complexos de uma forma despretenciosa e interessante. Estudou na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e hoje, além de ser celebrado nos círculos intelectuais, popularizou-se entre jovens do mundo todo devido sua particular abordagem a assuntos universais, como amor e carreira.

Em seu primeiro livro, “Ensaios de amor”, de 1993, utiliza-se com desenvoltura da matemática, física, neurologia e outras ciências para explicar este fenômeno que todo ser humano vivencia – pelo menos alguma vez –  na vida. Através de uma narrativa analítica e híbrida, repleta de estatísticas e citações filosóficas e cotidianas, Botton narra o seu envolvimento com a namorada, Chloe, do início… ao fim. Contudo, mesmo para os deseperançosos do amor, a leitura é leve e conta com um final … que vale a pena conferir.

O namoro acabou, mas Botton não parou por aí. O livro foi um sucesso – aos 23 anos, Botton foi lido em treze idiomas – e o suíço publicou obras de temas diversificados, desde “Como Proust pode mudar sua vida”, de 1997, até “A arte de viajar”, de 2002 e, finalmente, “A arquitetura da felicidade”, de 2006, todos pela editora Rocco.

Em seu livro “A arquitetura da felicidade”, Botton utiliza o mesmo método: simplifica assuntos restritos até então ao círculo acadêmico e abre para o grande público aspectos psicológicos, filosóficos, históricos e estéticos da arquitetura.

Botton inicia falando sobre algo que todos já vivenciaram, mas a maioria nunca parou para pensar: a arquitetura não nos proporciona apenas refugio físico, mas também psicológico. Atua como guardiã de nossa identidade: decoramos nosso lar com objetos e mobiliários que trazem à memória momentos de nossas vidas que nos fazem lembrar quem somos. A casa em si não possui soluções para os problemas que afligem seus moradores, mas seus aposentos evidenciam uma felicidade à qual a arquitetura deu a sua contribuição característica. Contudo, não foram poucas as dúvidas que surgiram a respeito da seriedade do assunto, o seu valor moral e o seu custo – a preocupação com a arquitetura nunca esteve livre de julgamentos e desconfiança.

A nossa identidade está indelevelmente associada ao lugar em que vivemos, e junto com ele se transforma. Esta questão sempre foi subestimada, e estamos frequentemente anestesiados e acomodados com os ambientes em que vivemos, sendo difícil a tarefa de reconhecer o quanto eles influenciam nosso modo de ser. Queiramos ou não, somos pessoas diferentes em lugares diferentes. Basicamente, esta é a premissa para acreditarmos na importância da arquitetura e na sua função de esclarecer em grande medida quem poderíamos idealmente ser.

Apesar do que foi dito, o filósofo frisa que não podemos permanecer indefinidamente sensíveis aos ambientes que não temos como melhorar. Não é questão de confessar o desapego à beleza, mas afastar o sentimento incômodo que acarretaria ficarmos expostos às muitas ausências de beleza.

Em contraponto àquilo que uma boa arquitetura pode influenciar, devemos lembrar que não estamos imunes a situações e atitudes mesquinhas mesmo dentro de um prédio de Mies van der Rohe ou Louis Kahn. Muitas vezes, as pessoas não são sensibilizadas pela arte, e as vantagens da arquitetura não pode ser comparada as óbvias contribuições que um prato de arroz e feijão pode proporcionar.

É a eterna discussão entre o bom e o belo; pode-se apenas esperar que os entusiastas da beleza impregnem suas vidas com os valores personificados nos objetos que apreciam. Afinal, a arquitetura pode trazer mensagens morais sim, mas não tem o poder de impô-las. Em vez de ditar leis, a arquitetura sutilmente as sugere. São muitos os exemplos de má conduta dentro de uma bela casa, portanto é compreensível concluir que existem causas mais grandiosas às quais o ser humano pode se dedicar.

Abrigamos dentro de nós diversificadas personalidades, e a soma desses fragmentos resulta no que somos. Podemos ter momentos de irritabilidade extrema, de carência, nostalgia ou alegria, bom humor e tranqüilidade. Desejamos paz de espírito e necessitamos que tanto o ambiente quanto os objetos que nos circundam falem desses valores que buscamos. A um grau modesto, podemos modificar nosso estado de espírito de acordo com o lugar em que nos encontramos.

O próprio conceito de lar está relacionado a esta reflexão que Botton nos convida a fazer: se um lugar como uma biblioteca, um jardim ou mesmo uma sala de espera evoca uma identidade nossa que apreciamos, este lugar pode ser chamado de lar. Para compensar nossa vulnerabilidade, precisamos, tanto no sentido psicológico quanto no físico, de um refúgio para proteger nossos estados mentais – grande parte do mundo se opõe às nossas convicções.

Pensemos um pouco no McDonald’s: a lanchonete, com sua luz dura, funcionários apressados gritando pelos pedidos à cozinha, o barulho das batatas fritas e dos equipamentos gera ansiedade aos clientes. As cores utilizadas na propaganda do McDonald’s influenciam também, provocando a sensação de fome. O cenário é completamente desconfortável, lembra ao indivíduo o caos e a desordem de um mundo violento e competitivo.

Já dentro de uma igreja, podemos pensar e sentir o oposto. Alheios ao movimento e a poluição da rua, com estátuas de santos e o gigantesco e sempre indispensável monumento de Cristo crucificado pode com freqüência provocar um sentimento de solidão, limitações e infinitude, sobre o cosmos e o homem. A escuridão, os mármores e os bancos de madeira, o cheiro das velas acesas e o eco dos murmúrios transformam o estado de espírito de alguém que estava com outros pensamentos ao caminhar por uma turbulenta avenida.

As sensações evocadas no ambiente religioso são provenientes do pensamento islâmico e cristão que, desde os primórdios, preocupavam-se com a beleza como atributo capaz de aperfeiçoar a moral e a espiritualidade do homem. Ou seja, uma bela construção nos impulsionaria a sermos bons e corretos. É a equivalência entre o âmbito visual e o ético: a bela arquitetura representa a bondade de forma não-verbal, enquanto a má arquitetura materializa o mal.

Os primeiros teólogos acreditavam que poderíamos entrar em contato com Deus através do belo, afinal, para eles, foi Deus quem criou toda a beleza existente no mundo. Eles defendiam, inclusive, que uma boa arquitetura recrutaria mais fiéis do que a leitura das Escrituras, pelo fato do homem ser uma criatura sensorial. Botton relaciona este antigo conceito com a teoria de que mesmo objetos domésticos, partindo do mesmo pressuposto do homem sensorial, podem evocar o eu genuíno do indivíduo, os elementos importantes que se perdem ao longo da vida. Objetos domésticos são também guardiões de estados de espírito, portanto.

Botton ainda exemplifica este conceito ao mencionar os mausoléus que são construídos em memórias de entes queridos, para que sejam homenageados e não esquecidos. Os equipamentos domésticos tem função semelhante, de lembrar partes nossas que são fugidias e precisamos lembrar de sua existência. Na linguagem dos objetos, decoramos nossa casa na ambição de que saibam quem somos; e nesse processo, lembrar de nós mesmos.

Fonte: http://portalarquitetonico.com.br/alain-de-botton-e-a-arquitetura-da-felicidade/

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