Masterplans: A experiência da utopia urbana

INSTANT CITY - ARCHIGRAM
INSTANT CITY - ARCHIGRAM

Quase uma continuidade ao processo ocorrido entre 1843 e 1904 quando o mundo conheceu as propostas urbanas de Charles Fourier (Falanstérios), Jean Baptiste Godin (Familistério), Howard (cidades jardins) dentre outros que podem ser lidos aqui, a  utopia urbana de uma cidade que se apresentasse como solução aos desafios do viver em grupo sob aspectos filosóficos, sociológicos e arquitetônicos seguiu mostrando possíveis ‘verdades prematuras‘ (Lamartine) ou apenas ‘sonhos ousados que podem ser realizados.’ (Le Corbusier)
Em 1922, Le Corbusier apresentou à comunidade arquitetônica a chamada “Contemporary City”, uma cidade futurista que respondia aos desafios do crescimento populacional e adensamento urbano com um grupo de torres em forma de cruz erguidas em ‘steel frame’ e vidro e, com capacidade para abrigar três milhões de habitantes. Já na cidade de Le Corbusier um interessante partido era adotado para atender as necessidades da dinâmica urbana; a cidade se dividia em uma série de ‘LAYERS‘, ou níveis, que separavam os diferentes tipos de transportes públicos dos passeios de pedestre mas não deixava de glorificar o centro das atenções nos anos 20: o carro.
A princípio a reação popular foi que a cidade de Le Corbusier negava o modelo de vida em família para apresentar uma nova, hiperealidade, baseada em modelos industriais incapazes de contribuir para a felicidade urbana.
Contudo, três anos depois, le Corbusier apresentou o ‘Plan Voisin’ para Paris, onde novamente as torres em forma de cruz se impõem em um ‘GRID’ em uma busca por organização econômica e social com a exploração da propriedade privada. Novamente o plano pareceu funcional demais e social de menos. Ficou no papel.

'Plan Voisin' para Paris a esquerda e 'Contemporary City' de Le Corbusier.
‘PLAN VOISIN’ PARA PARIS A ESQUERDA E ‘CONTEMPORARY CITY’ A DIREITA, DE LE CORBUSIER.

Mas o que ficou de fato marcado a partir desses projetos foi a utilização de ‘Layers’ e ‘grids’, estratégias recorrentes no pensar das cidades e capazes de criar situações inquietantes no desafio urbanístico.
No inicio da decada de 60, novamente eles (os layers e grids) apareceram sob o mesmo contexto urbanístico em uma corrente arquitetônica que se espalhou pelo mundo com o seguinte lema:

"more with less"

Em outras palavras, fazer o máximo utilizando-se do mínimo. Era uma busca pela eficiência, pela resposta das necessidades humanas onde a tecnologia tomou o lugar da estética nao apenas no que diz respeito ao design e a produção arquitetônica, mas também a produção urbana.
Do grego TEKNE, ou apenas, ‘make things’, a arquitetura HIGH TECH teve em seus precursores um significativo nome: Richard Buckminster Fuller (1895 – 1983).
Em 1960 com a proposta de um ‘Dome Over Midtown’ para Manhattan, o mundo assistiu a uma idéia onde os problemas urbanos poderiam simplesmente se resolver a partir do isolamento da cidade dentro de um domo pneumático onde o clima seria controlado: não haveria poluição ou problemas de temperatura. Segurança e proteção a partir de uma membrana de isolamento da realidade.

The 'Dome Over Midtown' a esquerda e 'The Biosphere' a direita, por Buckminster Fuller.
THE ‘DOME OVER MIDTOWN’ A ESQUERDA E ‘THE BIOSPHERE’ A DIREITA, POR BUCKMINSTER FULLER.

Em 1967 Buckminster Fuller apresentou ao mundo ‘The Biosphere’ como pavilhão americano na ‘World Fair’ em Montreal. O domo geodésico de 76 metros de diametro e  62 metros de altura ainda lembrava um pouco o que Violet Le Duc propusera com o estruturalismo: uma estrutura que fala por si mesmo, sem precisar de enfeites, ou de muito acabamento. ‘The Biosphere foi então, após a não aceitação do ‘Dome Over Midtown’ a primeira proposta arquitetônica concretizada onde o ambiente propício às necessidades humanas se isolava do mundo natural, da geografia, biologia ou qualquer elemento circundante. Um estrutura em aço e vidro que se impôs no espaço para criar um ambiente controlado pelo homem. Há quem diga que ele redefiniu o entendimento humano de espaço e tempo ou apenas aceite a definição que ele mesmo dera a si mesmo: “the world’s most successful failure”.
Impulsionados pela busca de resposta para as cidades do futuro, questionamento esse que já permeava a mente da população e os recursos midiáticos desde o final dos anos 20 quando filmes como Metropolis de Fritz Lang (1926) e Fantasias de David Butler (1930) retratavam uma cidade grandiosamente construída em LAYERS com um apartheid social que discriminaria pobres e os colocaria no subsolo da cidade mas no centro dos problemas urbanos,  Buckminster Fuller não foi o unico a apresentar suas idéias, e assim, as propostas high-tech do Archigram (sediados na A.A. School em Londres) e do Superstudio (sediados em Florenca, Italia) também provocaram um certo alvoroço na epoca.
Formado por Peter Cook, Warren Chalk, Ron Herron, Dennis Crompton, Michael Webb e David Greene; o Archigram foi um grupo que pode ser definido como futurista, anti-heróico e pro-consumista que, inspirado na tecnologia propos a criação de uma nova realidade urbana através de projetos hipotéticos que refletiam de uma cidade progressista onde valores humanos são substituídos pela efemeridade de um consumo dirigido.
Contudo, o que de fato chamou a atenção nas propostas do Archigram e se torna hoje foco de discussão deste texto, foi o fato de pensar a cidade não como um organismo mutável dependente das condições do ambiente em que se insere, mas, assim como Buckminster Fuller propôs isolar uma cidade, o Archgram propôs a cidade como um sistema independente de qualquer condição natural voltado exclusivamente para o atendimento das necessidades humanas.  Assim, a ‘Plug-IN City’ e a ‘The Walking City’ não são apenas um avanço na arquitetura no que diz respeito a pensar um sistema capaz de se atualizar conforme as necessidades humanas, mas talvez, um possível retrocesso ao ignorar as relações básicas da vida humana com o ambiente circundante do ponto de vista urbanístico. Cria-se assim um ‘não senso’ de pertencimento a Terra.

INSTANT CITY, 1969. ARCHIGRAM / PETER COOK. impressão do traçado original com aplicação de cor manual. ARCHIGRAM ARCHIVES
INSTANT CITY, 1969. ARCHIGRAM / PETER COOK.
IMPRESSÃO DO TRAÇADO ORIGINAL COM APLICAÇÃO DE COR MANUAL.
ARCHIGRAM ARCHIVES

Um dos projetos do Archigram, a Instant City, propõe a cidade à deriva, como um evento tecnológico móvel que deriva sobre espaços subdesenvolvidos. O efeito dela sobre esses espaços subdesenvolvidos seria uma superestimulação deliberada para produzir a cultura de massa. Basicamente, estimula a produção de uma cidade que sempre segue em frente deixando para trás as conseqüências do que se mostrou ser e aqui, o que os filmes Fantasia e Metropolis apresentaram parece se materializar com propriedades. Um processo de ‘layering’ onde o nivel inferior recebe a tecnologia do superior e as conseqüências do mesmo, mas, assim que nao houver mais interesse em se manter sobre aquele nível, apenas basta para a Instant City, seguir em frente.

PLUG-IN CITY, MAX. PRESSURE AREA SECTION, 1964. ARCHIGRAM / PETER COOK. impressão do traçado original com aplicação de cor manual dim. 84x 176 cm. ARCHIGRAM ARCHIVES
PLUG-IN CITY, MAX. PRESSURE AREA SECTION, 1964. ARCHIGRAM / PETER COOK.
IMPRESSÃO DO TRAÇADO ORIGINAL COM APLICAÇÃO DE COR MANUAL DIM. 84X 176 CM.
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No caso da Plug-in city os conceitos tecnocráticos da corrente High-tech definem o que seria uma estrutura base, um GRID onde cada elemento necessário para a sociedade pudesse ser plugado e desplugado conforme o tempo passasse e a realidade se modificasse, comportaria habitações e infra-estrutura definindo ordem para uma sociedade flexível e nao hierarquica. A objetificação da cidade em um sistema independente das condições geográficas e ambientais, um sistema capaz de se adaptar a ‘tudo’ ou ‘quase tudo’.

THE WALKING CITY, 1964. ARCHIGRAM / RON HERRON. impressão do traçado original com aplicação de cor manual. ARCHIGRAM ARCHIVES
THE WALKING CITY, 1964. ARCHIGRAM / RON HERRON.
IMPRESSÃO DO TRAÇADO ORIGINAL COM APLICAÇÃO DE COR MANUAL.
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Já a Walking City seria a cidade dinâmica cujos edifícios se assemelhariam a robôs gigantes que poderiam se plugar em estações para a troca de ocupantes ou para a restauração e abastecimento de recursos. Basicamente seria uma cidade capaz de sobreviver após um futuro arruinado por guerras nucleares, um mundo onde a mutabilidade e a inteligência artificial pudessem garantir sobrevivência. Novamente a cidade como objeto independente do contexto em que se insira. Eu me arriscaria dizer que as ‘Walking Cities’ poderiam ser como ‘arcas de Noe’ do futuro, mas sem efetivamente aderir ao conceito de cidade.
E falando em conceito de cidade eu acabo por recordar que um dos conceitos aceitos para cidades acaba por definir que na verdade qualquer um dos conceitos apresentados pelo Archigram nao poderia ser aceito como cidade. Seria uma objetificação do plano urbano onde a autosuficiência proveniente da tecnologia e a falta de relações humanas e trocas com o ambiente nos tiraria o senso urbano.


"Uma cidade nasce ou é tal porque se dá o caso de cada um de nós não ser auto suficiente, mas carentes de muitas coisas. Deu-se o nome de cidade à essa convivência de muitos carentes. – Sócrates"

Mas afinal, se a objetificação da cidade é possível, qual seria o real significado da cidade e do planejamento que a envolve?

" (…) as cidades se isolam da natureza.” E cada vez mais, de sua própria natureza. – O direito à cidade, Lefebvre"

E afinal não é isso mesmo que se apresenta como modelo de cidade do futuro? Uma cidade que se isola da natureza, de pertencer à Terra, se isola de sua própria natureza no que diz respeito às relações humanas?
Em 1966, dois anos após o Archigram, outro grupo de arquitetos formado por Adolfo Natalini and Cristiano Toraldo di Francia, em Florença, assumiram para si o desafio de imaginar o futuro e assim apresentaram um estudo com ‘ As 12 cidades ideais’ publicado na Superarchittettura de 1966 . Dentre as 12, em uma dessas o Superstudio imaginou não apenas a cidade, mas toda a superfície terrestre envolta em uma bolha e, com toda a infra-estrutura distribuida em umGRID. Para o Superstudio, um senso de coletividade universal seria resgatado e, ignorando as condições do ambiente natural e aspectos geográficos, políticos, econômicos ou culturais, todos passaríamos a viver em um ambiente controlado pela tecnologia.

Cidade conceitual onde a infra-estrutura esta distribuida em um grid e acima deste, a humanidade vive livre em senso de coletividade, por Superstudio.
CIDADE CONCEITUAL ONDE A INFRA-ESTRUTURA ESTA DISTRIBUIDA EM UM GRID E ACIMA DESTE, A HUMANIDADE VIVE LIVRE EM SENSO DE COLETIVIDADE, POR SUPERSTUDIO.

Ainda mais de 50 anos depois continuamos o pensar da cidade futura com base em aspectos tecnológicos um tanto quanto fictícios e objetificando um sistema que não independe do meio natural, mas precisa ‘conversar’ com ele de maneira a contribuir ambientalmente, socialmente, economicamente e arquitetonicamente para o desenvolvimento de um futuro ‘sustentável’ (o desafio contemporaneo nas cidades). Mas que sustentabilidade quando na verdade a tecnologia já não é suficiente para corrigir os problemas urbanos que criamos?
É interessante pensar que se 50 anos atrás as cidades do futuro apresentavam barreiras urbanas que as objetificavam, hoje na cidade presente agimos como máquinas, os verdadeiros objetos inertes da cidade e nosso produto é uma cidade mecânica onde não se vive, se passa, atravessa, mas não se deixa estar (…) Assistimos ao longo dos anos nossas cidades assumirem um papel antropofágico, mas o que se absorveu foi um modelo de ocupação americano onde tradição e valores começam a sucumbir perante a incerteza do novo e tecnológico, por fim se absorveu uma cultura de massa como previu o Archigram, cujo resultado é a busca por ocupação de um vazio não apenas externo (paisagem), mas também interno (humano); de forma inconseqüente, que leva a criação de cidades supra-ocupadas, centros de passagem, BARREIRAS INVISIVEIS e o caminho a ações destrutivas pautadas em progresso, um progresso volúvel, que se modifica a cada nova realidade econômica pela qual passamos.
Assim, responder ao desafio contemporâneo de sustentabilidade urbana implica diretamente em uma resposta as questoes sociais que se escondem sob os desafios de infra-estrutura, habitação, hiperpopulação, economia… voltamos ao processo de ‘layering’ e ‘grid’ da cidade, onde a previsão de uma segregação em níveis, a barreira física, não faz parte do planejamento urbano das cidades do futuro. Agora se apresentam subjetivamente nas cidades que criamos e vivemos.
Em recentes imagens divulgadas sobre o país da Copa nos jornais, os contrastes e realidades que temos foram expostos como desafio a ser discutido não apenas em âmbito nacional, mas internacional, e um novo tipo de grid foi apontado na malha urbana. Na imagem abaixo a Rocinha e a Gávea no Rio de Janeiro, lado a lado, em um GRID onde a segregação não é entre os tipos de estrutura, mas, como no filme Metrópolis, ela aponta o formal e o informal, o legal e o ilegal e novamente, o rico e o pobre.

Contrastes sociais e espaciais entre Rocinha e Gavea - RJ
CONTRASTES SOCIAIS E ESPACIAIS ENTRE ROCINHA E GàVEA – RJ
Mas se o Rio de Janeiro seria ‘clichê’ demais de se mostrar, o novo GRID que desafia o planejamento urbano brasileiro também é visto em São Paulo, no contraste entre Morumbi e Paraisópolis, e o mesmo se repete ao redor do país, Américas, África, Ásia…no mundo como um todo. Desafios contemporâneos no planejamento urbano.
Contrastes sociais entre Morumbi e Paraisopolis - SP
CONTRASTES SOCIAIS ENTRE MORUMBI E PARAISÓPOLIS – SP

O problema é que a resposta aos desafios urbanos para o futuro não esta mudando. No pensar o futuro, 50 anos depois, repetimos respostas do passado como se em algum momento esperássemos os dizeres ‘isso está certo’ ou ‘isso está errado’, e a verdade é que os dizeres não virão, pois, felizmente, o certo e errado não estão na objetificação do espaço urbano, mas no pensar dele em conjunto com as particularidades regionais de cada desafio. Enquanto isso seguimos na subvalorização das relações humanas, do passado histórico e de qualquer condição social, como por exemplo na proposta para as Lilypad Cities.
Nesse contexto então, o Arquitetônico deixa a pergunta: o que se imagina sobre nossas cidades do futuro quando se leva em conta os desafios reais das cidades contemporâneas como as barreiras sociais, as desconexões entre espaço urbano e meio rural, as desconexões com nossos recursos naturais, nossa infra-estrutura, o adensamento da cidade e a dinâmica politica e econômica em que vivemos?

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