Na arquitetura de Ohtake, estética antes da função

  Para o projetista do hotel Unique, cidades brasileiras precisam de obras mais ousadas, diferente da atual pasteurização neoclássica.
                                                                                                                                                        Natália Flach   (nflach@brasileconomico.com.br)

Ruy Ohtake
Desenhos concisos como as linhas tortuosas de Oscar Niemeyer e vanguardistas inspirados nas formas da dama das artes plásticas, Tomie Ohtake, tornaram Ruy Ohtake um dos maiores nomes da arquitetura brasileira.
Em homenagem a eles, o escritório do paulistano estampa obras dos dois expoentes da cultura nacional. Não à toa, os projetos do senhor de fala pausada conquistam admiradores tanto na comunidade carente de Heliópolis como no museu parisiense Centro Pompidou.
Foi durante os passeios com a mãe pelo centro da capital paulista que o então menino Ruy descobriu que arquitetura não é apenas um desenho no papel - ela só existe quando se relaciona com as pessoas.
"Desde novo, gostava de observar as ruas e o centro da cidade. Naquela época, havia menos veículos e as calçadas eram chamadas de passeio porque as pessoas realmente caminhavam e conversavam." Para Ohtake, o futuro da arquitetura está ligado à construção de uma cidade mais solidária e o desafio para isso é ousadia nos projetos.
Como é seu processo de criação?
Sou levado pela inovação e um pouquinho pela ousadia. Nesse processo, vêm à minha mente todos os projetos que eu já fiz, como se fossem fotografias. Confio muito na intuição. Arquitetura tem de se caracterizar pelo rompimento do padrão. Cada projeto é único, tem que rabiscar muito. Só depois disso vêm as perguntas racionais.
Por exemplo?
Quando fui fazer o hotel Unique, vi que a altura máxima das contruções na Avenida Brigadeiro Luís Antônio era de sete andares ou 25 metros de altura. Ou seja, bem baixo.
Então, como eu ia dar força ao projeto? Queria fazer um vão de 25m de altura. Isso só foi possível porque é um hotel de uma metrópole, caso contrário, o vazio ficaria fora de proporção. Eu queria que as pessoas participassem desse vazio, por isso coloquei a entrada pela lateral e não pela frente.
O que acha dos prédios de São Paulo?
Acho que São Paulo precisa de mais sacudidas, de arquitetura de vanguarda. Mas os experts, que fazem projetos baseados no que já existe, não arriscam. Arquitetura tem relação com as pessoas. Portanto, a fase do desenho é importante, mas ainda não é arquitetura.
Acho que existe uma pasteurização de prédios neoclássicos na cidade. Isso é uma identidade falsa de São Paulo, importada de Paris. Continuar repetindo essa forma é fazer com que a cidade perca a sua identidade como um todo.
Essa identidade importada é uma característica só de São Paulo ou do Brasil?
Não há renovação mais ousada na arquitetura do país. No mundo inteiro, vemos obras revolucionárias, mas temos muito poucas.
Por isso, acho bom que tenham escolhido um escritório suíço para fazer a revitalização da Luz. Assim, São Paulo pode ser sacudida. Nossos contratantes (incorporadoras e construtoras) escolhem pelo menor preço. Mas este não deve ser o único fator de julgamento.
Então, qual é a verdadeira identidade brasileira?
O Brasil tem muitos aspectos regionais significativos. Mas a expressão da identidade não é a mesma de um tempo atrás. Acho que hoje tem de se levar em conta a universalização. Por isso, procuro fazer uma liguagem arquitetônica ligada à contemporaneidade com expressão ao mesmo tempo universal e brasileira.
Por exemplo, acho que a concisão é uma expressão brasileira criada por Oscar Niemeyer. É só ver a igrejinha da Pampulha e o Museu de Arte Contemporânea, em Niterói. Também acho que os centros das cidades têm de ter obras contemporâneas e não só antigas. Não dá para ter só retrofit, senão teremos um retrato de 1920. Tem que refletir a história da cidade hoje e há 10 anos.
Qual é o futuro da arquitetura?
Acho que a arquitetura pode contribuir para uma cidade mais solidária. Por exemplo, serão entregues, no fim deste mês ou início de outubro, os prédios que projetei em Heliópolis. Fiz os prédios redondos porque dá espaço entre ele.
A visão fica aberta, o que dá dignidade de dentro para fora. Quebramos todos os paradigmas de conjuntos habitacionais, tanto é que eu chamo o projeto de condomínio residencial. Alguns moradores me falaram "agora não é só o Jardins que tem prédios bonitos, nós também temos".
Portanto, acho que a estética vem antes da função - seja em um projeto mais sofisticado como o Unique ou mais simples como de Heliópolis. O custo pode ser menor mas não se pode abrir mão da estética.
Como assim?
Pense no Paço Imperial, no Rio de Janeiro. Ele é tombado pelo Patrimônio Histórico porque foi residência da corte portuguesa. Mas agora é local de eventos. Portanto, a forma e a estética vieram antes da função, já que a função muda. A contribuição da arquitetura é fazer uma casa bonita, já a funcionalidade vai mudar com o tempo.
Existem materiais contemporâneos?
Sempre me incomodei com essa questão de materiais datados. Acho que depende da forma com que será utilizado. O cobre, por exemplo, é usado na cúpula das igrejas, mas também usei no revestimento do Unique.
As placas de cobre foram feitas com espessura milimétrica e as coloquei ao lado do concreto. Como os dois conversam, passei o concreto para a linguagem contemporânea. Um tempo depois de inaugurado, veio uma excursão de arquitetos japoneses conhecer o Unique e um deles me disse que, no Japão, eles não têm mão-de-obra que possibilite fazer o que fizemos.
Mas os japoneses têm mais tecnologia.
A tecnologia é propriedade dos países desenvolvidos desde Adão e Eva. Nós nem conseguimos calçar as cidades. Mas chegaremos lá. Depende do desenvolvimento da economia brasileira. Não dá para dissociar uma coisa da outra.

Fonte: http://www.brasileconomico.com.br/noticias/na-arquitetura-de-ohtake-estetica-antes-da-funcao_107066.html

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