Painel de azulejos de Athos Bulcão foi demolido com autorização do Iphan

 

Guilherme Goulart

Kelly Almeida

Thaís Paranhos

 

 21/09/2011. Crédito: Carlos Moura/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF. Demolição de muro com os azulejos de Atos Bulcão, na Disbrave da 503 Norte.

Funcionários da empresa usaram britadeira e marreta para colocar abaixo a obra do artista plástico

Mais uma obra do artista plástico Athos Bulcão acabou destruída no Distrito Federal. Após a descaracterização dos painéis localizados no Palácio do Planalto e da demolição do edifício do Clube do Congresso (902 Sul), chegou a vez de o trabalho erguido no posto de combustíveis da concessionária Disbrave, na 503 Norte, ir ao chão. Na noite da última quarta-feira, funcionários colocaram abaixo o trabalho. Procurada pela Correio, a empresa limitou-se a dizer, por meio da assessoria jurídica, que o procedimento foi autorizado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
O superintendente do órgão, Alfredo Gastal, confirmou ter autorizado a destruição da obra de Athos. Ele informou que a intervenção ocorreu a pedido dos donos da Disbrave. “Precisavam ampliar o local e pediram autorização. Também conversaram com a Valéria (Cabral, diretora executiva da Fundação Athos Bulcão) e se comprometeram a erguer um painel idêntico ao original. Está tudo corretíssimo”, afirmou.
Para Gastal, a derrubada do muro com o trabalho do artista não representa uma perda para a sociedade. “O azulejo é uma obra industrial, e o Athos teve o cuidado de autorizar a fundação a continuar produzindo as peças com as mesmas técnicas e formas. Não deixa de ser uma obra dele.” O painel foi criado em 1975. Cada azulejo mede 30cm de altura por 15cm de largura. A cada grupo de quatro azulejos, há uma peça branca, uma com arco verde, uma azul e uma amarela.
Valéria rebateu os argumentos do superintendente do Iphan. “O trabalho de Athos tem uma integração, é composto pelos azulejos e pelo local onde foi pensado por ele junto com o arquiteto. Isso é o que as pessoas precisam entender. Nós podemos reproduzir, temos autorização do artista. O problema é que ontem era uma obra e hoje é apenas uma reprodução”, explicou.
Ela revelou que mantém os modelos dos azulejos do painel da Disbrave caso a empresa queira reconstruí-lo. Mas lamentou a destruição. “As pessoas precisam preservar o patrimônio e não destruí-lo. O que acontece é uma falta de respeito ao patrimônio de Brasília. E o Palácio do Planalto abriu um precedente nesse caso ao descaracterizar outro trabalho do Athos (leia Memória)”, reclamou.
Responsável pela proteção do legado de Athos, Valéria confirmou que no ano passado os responsáveis pela concessionária de veículos manifestaram a intenção de intervir na obra do artista plástico. “Eu recebi uma denúncia e liguei para eles. Disseram que precisavam aumentar o posto e queriam colocar o painel abaixo. A ideia era recuá-lo, pois continuaria visível. Neguei, mas disse que precisavam consultar o Iphan”, contou. Segundo a diretora, não houve um comunicado oficial, mas diante da autorização do Iphan a Disbrave reiterou que levantaria o trabalho na mesma área do posto.


Museu a céu aberto
Na noite da derrubada, a funcionária pública Maria Helena Freitas, 46 anos, esteve no posto de gasolina. Para ela, a destruição, feita com marreta e britadeira, representa uma insensibilidade dos empresários. “É uma pena. As pessoas não sabem o que é preservação cultural”, disse. Admiradora dos trabalhos de Athos, Maria Helena acredita na importância da história de Brasília para o país. “Se não mantivermos essas obras, vão derrubar tudo.”
Há três meses, Valéria Cabral interveio e evitou mais uma demolição de uma obra do artista plástico. “Fui convidada a ir a uma reunião na Infraero porque iriam derrubar dois painéis do Athos (nas salas de embarque). Queriam saber se podiam fazer novos azulejos para transferir o trabalho, mas alertei que eles não podiam fazer isso, que era uma obra pública, tombada”, contou.
Dias depois, ela recebeu um ofício dizendo que não seria mais necessária a derrubada. “Falta consciência na preservação dessas obras de arte. A educação patrimonial deveria fazer parte do currículo escolar. Estamos falando de um artista que doou 50 anos da vida e a maior parte das obras para esta cidade, que é um museu a céu aberto.”


Polêmica virtual
A derrubada do painel de Athos Bulcão provocou reação na sociedade e chegou às redes sociais. Internautas criaram uma página propondo um boicote ao posto de gasolina da Disbrave, localizado na 503 Norte, onde estava a obra do artista plástico.
                                                                                                                                                           Palavra de especialista


Legado desrespeitado
“Estamos discutindo um muro que faz parte de uma edificação com muita expressão arquitetônica do seu tempo. Se não fosse a lentidão desses processos culturais em que se dão as tomadas de responsabilidade sobre preservação, aquele prédio já poderia ter sido apreciado para a preservação. É uma edificação importante para Brasília como uma realização da sua época, mas pouco a pouco foi sendo transtornada. Athos foi grande artífice de muitas obras de arte integradas à arquitetura, tem trabalhos expressivos em Brasília e fora do país também. O painel estava integrado ao edifício como todas as outras obras do artista. Tinha uma função além da beleza do trabalho em si e, quase sempre, compunha com a obra de arquitetura. Tinha um papel que foi se perdendo. Mas essa situação atual é decorrente de um desprezo maior sofrido por toda a cidade. A memória do tempo vai ser colocada embaixo do tapete.”
Cláudio Villar de Queiroz, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de Brasília (UnB)

Para saber mais


Artista das cores

Athos Bulcão nasceu no Catete, no Rio de Janeiro, em 2 de julho de 1918. Mas foi criado em Teresópolis, na região serrana. Na infância, misturava fantasia e realidade. Assim, tornou-se artista. Foi desenhista, pintor, arquiteto, mosaicista. Aventurou- se por máscaras, por madeira, pela superfície que se apresentava. Em Brasília, deu vida ao concreto do arquiteto Oscar Niemeyer. E espalhou suas obras pelo Brasil — Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo — e pelo mundo (Itália e França). Morreu aos 90 anos, em 31 de julho de 2008.

 

 

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