A gestão urbana desde as bases



As estruturas social e urbana e a ocupação do território das cidades brasileiras refletem improvisação, descaso, fragmentação, exclusão e uma persistente ausência de planejamento, cujas consequências se fazem evidentes nos problemas emergenciais que hoje as afetam.

            A implementação de programas de desenvolvimento urbano parciais, sujeitos aos tempos políticos de quatro anos, impedem formular uma planificação de longo prazo, instrumento eficaz para a organização social e urbana. A persistência de uma consciência vertical e autoritária, continuidades anacrônicas de coronelismo usineiro, cafeteiro e cacaueiro, tem subordinado o desenvolvimento das cidades (ou melhor, a falta de) aos interesses setoriais em conluio com o poder político de turno.
            As complicações que tomam conta do uso cotidiano das cidades e a evolução da sociedade para melhores níveis de esclarecimento - favorecido pelas políticas de distribuição de renda menos desigual - tem criado consciência acerca dos direitos e oportunidades que estimulam a participação social na busca por uma cidade com níveis mínimos de dignidade e qualidade de vida urbana. É possível constatar a existência de movimentos organizados de participação, favorecidos pelas redes sociais, que tendem a transformar as decisões unilaterais e autoritárias em discussão e procura de consenso acerca do direito à cidade democrática, integrada e inclusiva.
 
            O Estatuto das Cidades, sancionado em 2001, é um instrumento legal que contempla a organização social e do espaço territorial, ainda insuficientemente aproveitado. A necessidade e obrigatoriedade de formular planos diretores esbarra em legislações abstratas, carentes de uma visão integral de configuração efetiva do espaço urbano e de integração social. A necessidade de elaborar projetos de cidade orientadores da legislação surge como objetivo prioritário, que supera a aplicação indiscriminada e fragmentada de leis burocráticas e tecnocráticas.
            O projeto de cidade, entendido como processo de integração dos desejos e interesses da sociedade organizada desde suas bases, para definir estratégias de ação que determinam as intervenções no espaço físico, se estabelece como recurso de gestão apto para uma construção coletiva com objetivos de longo prazo.
            Implementar os mecanismos de gestão pactuada com visão de longo prazo constitui o desafio das atuais administrações municipais, com o intuito de superar as políticas de visão estreita, pautadas pelos interesses setoriais dentro dos tempos políticos limitados e limitadores.
            As experiências bem sucedidas em cidades que deram a volta por cima da decadência social e urbana (Bogotá e Medellín na Colômbia, Rosario na Argentina), precisamente com aportes de planejamento de longo prazo, participativo, com ampla ingerência  da sociedade organizada, são exemplos demonstrativos de processos possíveis de serem adaptados às realidades de muitas cidades brasileiras.
            A sociedade brasileira, através das entidades organizadas, tem a oportunidade de participar da Conferência das Cidades - foro criado pelo Ministério das Cidades, que procura consolidar parcerias entre governos e sociedade civil para construir modelos de política urbana com participação dos municípios - para debater e reclamar por efetivas políticas de desenvolvimento integrado com o território, qualificação da vivência social urbana, direito à cidades dignas desde as bases, em um processo de baixo para cima, democrático e participativo, em substituição da imposição autoritária de soluções que o próprio processo de urbanização tem demonstrado desiguais e excludentes.
            A qualidade de vida urbana integrada e inclusiva, em defesa do interesse geral, é um objetivo que deveria marcar as ações das gestões municipais em prol do benefício social integrador, inclusive para os grupos empresariais, que com ações inteligentes em prol da qualificação urbana, podem lucrar mais ao inserir seus empreendimentos em contextos urbanos dignos e qualificados.
            As cidades brasileiras encontram-se em um momento histórico, fervilhante de propostas ainda autoritárias determinadas pela pressão de grupos de poder, e a correspondente resistência de uma sociedade cada dia mais esclarecida, consciente dos direitos e oportunidades que as predispõem para assumir um destino melhor em contextos urbanos qualificados.
 
Roberto Ghione é arquiteto e Diretor do IAB/PE
 

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