A hora das cidades

A sociedade brasileira tem avançado nas últimas décadas, lenta e persistentemente, com conquistas que promovem a organização, a dignidade e o desenvolvimento social. Após a ditadura militar, com recorde de desigualdade social nos '70, foi conquistada a democracia e a institucionalização do país nos '80, a estabilidade econômica e o início da luta contra o analfabetismo nos '90, a diminuição da pobreza com equidade na distribuição da renda e justiça social, com o crescimento da classe média, na primeira década do Século XXI. A década presente se vislumbra como a das cidades, pelo crescimento que elas experimentaram e que transformaram o Brasil em uma sociedade urbana - hoje, mais de 85% da população mora em cidades -, assim como pelos problemas que pressionam aos moradores e gestores, fruto de uma tradição de improvisação e ausência de planejamento.

As cidades são hoje centros de decisões, organismos de concentração do conhecimento, da cultura e do desenvolvimento social. Elas expressam o atual dilema brasileiro de crescimento econômico com subdesenvolvimento urbano, a característica de um país que atinge posições de prestígio no contexto global sem ter resolvido elementares questões de organização interna. A cultura do improviso, da desigualdade, da persistência de poderes anacrônicos, da lei do mais forte, da injustiça social e da imutável corrupção se evidencia com nitidez nas configurações das cidades brasileiras. Elas tem se tornado centros de poder e de domínio do território ao mesmo tempo que desafios para a convivência social democrática e organizada. Por isso, elas são hoje o motivo de debates que concentram os esforços e as atenções dos mais diversos estratos sociais, protagonistas desta década que exige a solução de problemas cruciais de estruturação urbana, que se traduzirão no desenvolvimento efetivo do país.

O planejamento urbano e territorial de longo prazo, com a participação democrática e efetiva da sociedade organizada, sustento de um projeto de cidade pactuado entre as diferentes forças sociais que a conformam e que deverá ter sua manifestação física na ocupação do território, constitui a bandeira de luta de diferentes organizações que clamam por um contexto qualificado e digno para desenvolver a vida em comunidade.

Um conjunto de instrumentos, como os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, referidos a Política Urbana, e muitas outras leis e ações da última década (1), constituem um valioso arcabouço técnico e legal pronto para transferir um sistema de leis e conceitos elaborados e aprimorados, porém ainda não materializados nas cidades. Elas continuam na espera de efetivas políticas de desenvolvimento social e de intervenções que qualifiquem efetivamente o espaço urbano e estimulem a apropriação cidadã.

Uma agenda de temas a serem debatidos torna-se necessária e estratégica para instrumentar as políticas e intervenções que promoverão o ressurgimento das cidades brasileiras como centros efetivos de decisões e de vivência social, com níveis mínimos de urbanidade e civilidade. Dentre eles, a consideração de políticas urbanas para a consolidação de cidades democráticas, integradas e inclusivas; a implementação de gestões urbanas baseadas no planejamento de longo prazo com a participação da sociedade organizada; a elaboração de projetos de cidade como instrumento de construção da paisagem urbana e de organização da estrutura física natural e cultural; a valorização da habitação popular como estratégia de desenvolvimento urbano e do urbanismo como veículo de integração, inclusão e justiça social; a planificação do espaço público, valorização dos pedestres, organização de novas centralidades, promoção do uso misto, favorecimento do transporte público e estímulo de meios alternativos de locomoção facilitadores da mobilidade urbana; a preservação e integração dos elementos que compõem o patrimônio material, imaterial e cultural como instrumentos de valorização da identidade e do significado; a integração com o território e com as redes de cidades que compõem áreas ou regiões metropolitanas; a promoção e preservação das estruturas e recursos que favorecem a sustentabilidade ambiental e econômica; a implementação dos objetivos do planejamento de longo prazo visando o desenvolvimento com preservação do patrimônio cultural e ambiental; a solução das carências crônicas de saneamento e disposição dos resíduos. Tais temas constituem bases estratégias de implementação e construção da cidade brasileira do Século XXI.

O Século XXI é o século das cidades, e a década presente o momento de iniciar as transformações para efetivas reformas urbanas. A consolidação das cidades como centros de controle e estruturação do território, organizadas sob conceitos de democracia e justiça social, materializadas com intervenções que valorizem o espaço urbano e a integração social, são o suporte para a construção de um país desenvolvido e civilizado. O desafio das cidades compromete todas as forças ativas da sociedade, competindo à arquitetura e urbanismo a construção racional e emotiva dos espaços urbanos que configurarão o Brasil sonhado.

Estatuto das Cidades, de 2001, criação do Ministério das Cidades em 2003, realização das Conferências das Cidades em 2003, 2005, 2007, 2010 e 2013, criação do Conselho Nacional das Cidades em 2003, do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social em 2005, exigência de elaboração de Planos Diretores, em 2006, Plataforma Nacional de Prevenção dos despejos, de 2006, Política Nacional de Saneamento, de 2007, Plano Nacional de Habitação, de 2008, Lei de Assistência Técnica para Famílias de Baixa Renda, de 2008, Política Nacional de Mobilidade, de 2012.


Roberto Ghione é arquiteto e Diretor do IAB;PE

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