Um dos
focos de manifestações nas duas últimas semanas, a insatisfação com o
transporte público também é combustível para o uso cada vez mais
intensivo de veículos motorizados individuais nas grandes cidades,
alimentando sucessivos recordes registrados pela indústria
automobilística.
São Paulo, Rio de Janeiro, Belo
Horizonte e Brasília, palcos dos maiores e mais tensos protestos contra o
aumento das tarifas de ônibus, não à toa, são também as cidades com as
frotas de carros mais numerosas do país, que não param de crescer com os
estímulos do governo ao consumo.
Paralelamente, o
uso do sistema de ônibus urbanos, responsável por 90% do transporte
coletivo no país, vem mostrando trajetória descendente desde 1996,
marcando, desde então, uma queda de demanda próxima a 30%, mostra
levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos
(NTU) em nove capitais brasileiras.
Os números,
segundo especialistas em mobilidade urbana, indicam um deslocamento da
demanda para o transporte individual privado, com a proliferação de
automóveis e motocicletas pelas ruas das grandes cidades.
Desde
2007, a indústria vem, ano a ano, renovando recorde nas vendas de
carros, o que levou o Brasil a sair do nono para o quarto maior mercado
automotivo do mundo. Essa evolução veio no embalo da expansão na renda
da população, mas também foi sustentada pelo apoio governamental pesado à
demanda de veículos individuais - seja com a desoneração na compra de
carros, seja com medidas para a liberação do crédito ao consumo.
Com
frequência, o governo passou a adotar nos últimos quatro anos descontos
no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para evitar que o
setor fosse contaminado, primeiro, pela crise financeira internacional
de 2008 e, depois, pelas restrições de crédito de bancos privados.
Os
resultados mais nocivos da decisão de privilegiar incentivos a meios de
transporte particulares nas políticas de mobilidade urbana são
conhecidos: congestionamentos, poluição e acidentes de trânsito. Porém, a
migração para os veículos particulares também tem como pano de fundo a
baixa qualidade dos serviços públicos percebida pela população, junto
com o maior acesso aos automóveis zero quilômetro, em contraposição a
uma escalada de custos do transporte público.
Segundo
Carlos Henrique Carvalho, pesquisador que acompanha o tema no Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), as tarifas dos ônibus urbanos
subiram 111% nos últimos dez anos, enquanto o preço do carro novo ficou
apenas 4% mais caro em igual período - bem abaixo da inflação medida
pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mostrou
alta de 77%. "É como baratear o transporte privado e tornar mais caro o
público", diz o especialista.
Marcos Bicalho,
diretor da NTU, que representa as empresas de transportes urbanos,
justifica a alta acima da inflação das tarifas ao aumento no preço do
diesel - cujo peso nos custos do setor subiu de 12% para 20% em dez anos
-, além da menor "velocidade comercial" dos ônibus, dado o
compartilhamento de espaços com os carros. Isso faz com que as empresas
precisem administrar frotas maiores para transportar um contingente
menor de usuários, diz Bicalho.
Via asbea.org
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