Uma sociedade sustentável pressupõe o acesso à informação qualificada não apenas dos envolvidos na sua produção, mas também dos vários segmentos responsáveis pela formulação de políticas públicas.
Este constitui o principal escopo da tese desenvolvida pela pesquisadora Dora Ann Lange Canhos, ao analisar os “Sistemas de informação em biodiversidade e a formulação de políticas públicas na era digital”, em estudo centrado no Brasil, considerado um país biodiverso. O trabalho adota como tema a influência das tecnologias da informação e comunicação na circulação do conhecimento técnico-científico e o seu efeito na elaboração de políticas públicas em biodiversidade. Considera que o avanço dessas tecnologias afeta a forma como o conhecimento é produzido e como os resultados são difundidos. Constata que são elas que possibilitam o envolvimento de mais atores na gênese do conhecimento, oriundos de diferentes disciplinas, especialidades, instituições, localidades, países, culturas e realidades sociais.
O estudo rompe com o paradigma tradicional de compartilhamento de dados e resultados científicos por meio apenas de publicações em livros e revistas especializados, não mais suficientes para atender à demanda contemporânea, que necessita não só de dados, não raro de forma instantânea, mas de conhecimentos de processos e análises que permitam maior transparência e reprodutividade dos resultados.
O trabalho leva em conta ainda que não basta a disponibilização dos dados on-line, mas que estes precisam estar organizados de forma padronizada em formatos úteis e utilizáveis, acessíveis, tanto por interfaces humanas como também via serviços web.
Além do papel da tecnologia e da necessidade científica de compartilhar dados, métodos e análises em diferentes escalas e disciplinas, a autora considera a importância do acesso e uso dos dados e aplicativos para os processos de tomada de decisão em escalas local e global.
Entende que isto é particularmente verdadeiro quando o tema é meio ambiente e desenvolvimento sustentável. Na tese, a pesquisadora defende que a política para dados sobre diversidade deve promover o seu acesso livre e aberto, sem geração de custos para o usuário, e que as exceções sejam, essas sim, objeto de tratamento diferencial.
A autora destaca a importância de implantação de políticas públicas de longo prazo em relação ao desenvolvimento e manutenção contínua de infraestruturas de dados para armazenar, organizar, preservar, recuperar e disseminar on-line dados e informações sobre biodiversidade. Enfatiza a necessidade das agências e do poder público se capacitarem para se apropriarem desses dados e informações disponibilizadas nas e-infraestruturas, assim chamados os ambientes que também provêm ferramentas e serviços para colaboração e compartilhamento de recursos em pesquisas científicas.
A pesquisa assume características particulares, dado que Dora Canhos trabalha há 12 anos no Centro de Referência em Informação Ambiental (Cria), associação civil, sem fins lucrativos, que tem por objetivo disseminar o conhecimento científico e tecnológico, visando a conservação e a utilização sustentável de recursos naturais. A meta e estratégia do Centro são a disseminação de informação eletrônica como ferramenta na organização da comunidade científica e técnica do Brasil, especificamente na área biológica, com vistas à utilização racional da biodiversidade.
A pesquisadora considera que a sua inserção na vida acadêmica, mais especificamente no Programa de Pós-Graduação do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT), do Instituto de Geociência (IG) da Unicamp, contribuiu sobremaneira para a sua compreensão do que seja política científica e tecnológica, ampliando sua capacidade de atuação profissional. “Além disso, participei de um grupo que goza de grande respeito e influência no Brasil e que formou muita gente que atualmente milita na vida pública”, destaca ela.
Em relação à sua orientanda, a professora Maria Beatriz Machado Bonacelli destaca a feliz associação dos conhecimentos sobre o tema trazidos por Dora Canhos com o olhar e o rigor acadêmicos. A docente lembra que o Programa de Pós-graduação em Política Científica e Tecnológica, classificado com conceito seis pela Capes, está completando 25 anos, tempo em que formou 300 mestres e doutores, e que experiências como a da pesquisadora têm um profundo impacto na incorporação de novos conhecimentos na pós-graduação.
Na tese, a autora procura mostrar a oportunidade, a viabilidade e a importância de usar infraestruturas eletrônicas ou digitais (as e-infraestruturas) em biodiversidade para ampliar o acesso e a usabilidade dos dados no desenvolvimento científico e também para a elaboração e avaliação de políticas públicas, contribuindo inclusive para melhorar a qualidade, confiabilidade e completude dos dados e informações.
Ela defende uma política de sistemas livres e abertos, de longo prazo, enfatiza a necessidade da valorização de todos os segmentos que participam na base do trabalho de construção de infraestruturas de dados, porque considera que nos meios acadêmicos e nos institutos se valorizam as pesquisas e se ignoram as importantes contribuições de taxonomistas e outros especialistas envolvidos, os quais garantem a qualidade, organização e disseminação de dados e mesmo a implantação do sistema.
ETAPAS
A revolução das tecnologias de informação e comunicação é considerada hoje como um acontecimento histórico da mesma dimensão da Revolução Industrial (século XVIII). Esse é o lugar também ocupado pela internet e da chamada big data e mesmo da eScience. Ao procurar compreender a influência e o impacto das tecnologias da informação na circulação do conhecimento científico e avaliar o seu efeito na elaboração de políticas públicas em biodiversidade, a autora da tese distingue alguns elementos e privilegia o estudo de três casos.
Primeiramente, apresenta uma breve análise da evolução da comunicação científica, detendo-se nas civilizações antigas, na cultura clássica (600 AC a 500 DC), na Idade Média (500 a 1450), na Revolução Científica (1450 a 1700), nos séculos XVIII a XXI. Essa abordagem procura mostrar a importância da informação eletrônica hoje em relação às comunicações em épocas que a precederam e fatores que determinaram suas evoluções.
Em seguida, ao relacionar comunicação científica e meio ambiente, a abordagem apresenta os fundamentos teóricos da dinâmica da ciência e da tecnologia na atualidade. Conceitua o que deve ser entendido como dados, informação, conhecimento, sabedoria, gênese do conhecimento e comunicação científica, ciência aberta, bancos de informações, infraestrutura de dados e questão ambiental. Na terceira parte do trabalho, ao tratar de e-infraestruturas sobre a biodiversidade, a autora analisa três delas: a rede global “GBIF” (Global Biodiversity Information Facility), a rede mexicana “Conabio” (Comisión Nacional para el Conoscimiento y Uso de la Biodiversidad) e a rede brasileira “speciesLink”. Discute suas principais características e aponta seus aspectos positivos e fragilidades. Nessa abordagem, procurou delinear o que seria mais indicado para a formulação de uma política de informação brasileira voltada à biodiversidade. Por fim, ao relacionar e-infraestruturas e políticas públicas, a pesquisadora discute, a partir da rede brasileira “speciesLink” , a possibilidade de definir estratégias públicas brasileiras em biodiversidade, objetivo central da tese.
CONTEXTO
Os dados sobre a biodiversidade referem-se à ocorrência, na natureza, de plantas, animais, microrganismos e provêm de pesquisas realizadas em universidades e institutos de pesquisa. As amostras recolhidas são depositadas em coleções científicas e os dados divulgados por meio de redes digitais. A rede “speciesLink”, desenvolvida pelo Cria, sistema com o qual a pesquisadora trabalha, integra on-line os dados dos acervos de cerca de 300 coleções biológicas. Para garantir a universalidade do acesso, a informação precisa ser estruturada segundo padrões e protocolos internacionais. O processo demanda a captação, classificação das informações e sua organização para posterior disponibilização.
A tese se propõe a mostrar o que o Brasil vem fazendo nessa área. A organização eletrônica das coleções de informações dá origem às e-infraestruturas. As coleções de todo o mundo podem estar disponíveis de maneira mais ampla em um ambiente de e-science. A professora M. Beatriz Bonacelli lembra que a disponibilidade dessas informações para uso na ciência e na orientação das políticas públicas constitui um fato relativamente novo no Brasil e no mundo, e que demanda avanços.
Esse trabalho revela-se enorme. Há inicialmente necessidade de documentação e manutenção das coleções, com a participação de especialistas, taxonomistas e curadores. Não basta a disponibilização isolada dos dados on-line. Eles necessariamente precisam ser integrados e para tanto há necessidade de montagem de infraestrutura técnica especializada que garanta o recebimento dos dados sem que os responsáveis por estes percam o controle e o domínio sobre eles. No Brasil, o Cria realiza esse trabalho colocando os dados textuais e imagens das cerca de 300 coleções em um banco de dados único, como uma espécie de biblioteca, gerando a partir deles mapas, gráficos e análises disponibilizadas on-line, com vistas a facilitar o trabalho de pesquisadores e formuladores de políticas públicas.
Dora Canhos acrescenta que o sistema on-line possibilitou o trabalho com equipes multidisciplinares, multiculturais de diferentes instituições e países, o que muda a forma, a gênese do conhecimento, fundamental para a questão do meio ambiente. Hoje, além do trabalho do taxonomista na determinação da espécie há necessidade do ecólogo que determina a sua função e de como ela afeta os serviços ambientais; de pessoas que atuem em comunidades locais de forma a integrá-las na preservação dos espaços etc.. A complexidade da tarefa se reduz com a utilização da informação eletrônica, que alimenta o sistema de informação e lhe serve de apoio.
Ela diz que o desenvolvimento das e-infraestruturas é recente e os serviços científicos prestados por curadores e taxonomistas, ao disponibilizarem dados de qualidade on-line, precisam ser valorizados pelo poder público, assim como são valorizados as publicações, livros, aulas etc. E conclui: “Estamos vivenciando um momento de inflexão da comunicação científica, no qual a disseminação de dados on-line ganha importância, com consequências importantes para o desenvolvimento de estratégias e políticas públicas para Ciência, Tecnologia e Inovação”.
Publicação
Tese: “Sistemas de informação em biodiversidade e a formulação de políticas públicas na era digital”
Autora: Dora Ann Lange Canhos
Orientadora: Maria Beatriz Machado Bonacelli
Unidade: Instituto de Geociências (IG)
Publicado originalmente em: http://www.unicamp.br/unicamp/ju/563/como-contemplar-biodiversidade-na-era-digital
Foto: Antoninho Perri
Fonte: http://www.ciis.com.br/noticias/como-contemplar-a-biodiversidade-na-era-digital/
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