Tempo e lugar

Tempo e lugar são coordenadas que determinam e qualificam a atuação na arquitetura e na cidade e promovem seu significado cultural. Fazer arquitetura representativa do espírito do tempo e do espírito do lugar de atuação é um desafio universal e atemporal, que destaca o valor das marcas traçadas pelos edifícios e intervenções nas paisagens natural ou urbana. A arquitetura tem a capacidade e oportunidade de materializar em construções esses valores, e o arquiteto de atuar como agente de cultura.

Ser contemporaneamente local - ou localmente contemporâneo - é uma marca de autenticidade e diferenciação especialmente importante na estrutura globalizada atual. A circunstância oferece grandes oportunidades de marcar a identidade dos diferentes locais de produção, com criações adaptadas às possibilidades e limitações do contexto, de acordo com as exigências e expectativas das sociedades locais, e de serem distinguidas mediante as possibilidades que oferece a difusão de amplo e imediato alcance.

Por outro lado, representa o grande perigo de submeter uma determinada produção à homologação cultural promovida pela mídia internacionalizada, tendência consagrada pela mentalidade periférica das sociedades latino-americanas que, historicamente, submeteram o desenvolvimento urbano e social a imagens provenientes do chamado “mundo civilizado”, sem a necessária análise crítica e verificação da adaptação de outras realidades conceituais aos requerimentos próprios.

O conceito “tempo” possui uma conotação dinâmica, variável, atrelada aos processos de evolução cultural, científica e tecnológica. A mutabilidade do tempo, representada na arquitetura, permite materializações diferenciadas, estimulantes da criatividade e possibilidades de novas técnicas e produtos.

O conceito “lugar”, pelo contrário, tende a ser estático, baseado nas características derivadas da própria tradição histórica e cultural e em variáveis de permanência, como a geografia, o clima e determinadas práticas e comportamentos sociais.

O diálogo mediante estratégias de integração ou contraste, entre a dinâmica e mutabilidade do tempo e o sentido de permanência do lugar, estimula inúmeras possibilidades de atuação e concepção da arquitetura como fato cultural, ligado às coordenadas em questão.

Estes conceitos, válidos para a elaboração de qualquer intervenção arquitetônica e urbanística, adquirem significado especial quando se trata de integração entre nova arquitetura e obras de valor patrimonial. A conciliação de tempos diferentes em um mesmo objeto exige uma análise criteriosa das características derivadas do processo histórico - tanto físicas quanto teóricas e ideológicas - para confrontá-las com as realidades do tempo presente. A concepção do patrimônio como entidade viva implica considerar a carga de significado da estrutura histórica de um objeto e a integração com as possibilidades de mutação e adaptação aos requerimentos de novos tempos, em um contínuo de autenticidade que reúne presente e historia.

Neste ponto, merecem debate os conceitos de originalidade e de autenticidade como determinantes das estratégias de intervenção em bens de interesse patrimonial (1).

O conceito de originalidade implica ir às origens, a manutenção das características iniciais de um objeto que se considera relíquia por possuir determinados valores históricos e culturais, representativos de uma circunstância que merece ser conservada – ou até reconstruída (2) – para análise e reflexão em tempos presente e futuro.

O conceito de autenticidade se refere à manutenção das características que fazem de um objeto uma entidade viva, adaptável às circunstâncias que as demandas de novos tempos solicitam, para continuar integrado à estrutura e à vivência social e urbana. Autenticidade e originalidade podem estar juntas em edifícios que preservam sua vitalidade no transcurso dos tempos.

A integração do presente ao passado de um edifício de valor patrimonial é um processo lógico, porém ainda não suficientemente debatido e assumido, em determinadas instâncias por falta de adequados critérios de avaliação e concepção das relações entre novas intervenções em estruturas existentes de valor histórico. Alguns resultados, que tendem a cair na reprodução de técnicas, soluções e aparências ultrapassadas em tempo presente, não faz outra coisa que falsificar e confundir a própria história e valores do objeto a preservar. Nestes casos, o objeto de intervenção perde autenticidade em nome de uma falsa originalidade.

A análise crítica do objeto e a definição dos correspondentes critérios de intervenção constituem os processos válidos para a efetiva preservação do patrimônio arquitetônico e urbano, em atuações que evidenciam as realidades do tempo e lugar contemporâneos, confrontadas e determinantes da valorização mútua do passado e do presente.

Notas:

1- Os conceitos de autenticidade e originalidade foram tratados em palestra magistral proferida pelo arquiteto catalã Antoni González Moreno Navarro, no congresso Arquimemória 4, Salvador, maio de 2013.

2- Um exemplo paradigmático de reconstrução é o Pavilhão Barcelona, projetado por Mies Van der Rohe em 1929, desmontado em 1930, e reconstruído sob pesquisa e projeto de Ignaci de Solà-Morales em 1986.

Roberto Ghione, arquiteto.

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