Coordenação em alta





 
Luciana Tamaki
 
Com o aumento do volume de obras e busca por maior eficiência, arquiteta vê crescimento da importância dos coordenadores de projeto.
 
 
Diferentemente do Brasil, em outros países do mundo, como os Estados Unidos e na Europa, o arquiteto é o "dono" do projeto, e é o responsável por ele até o final de sua execução. O arquiteto é o coordenador da obra, e é a ele que os demais profissionais devem se reportar. Também deve - ou deveria - ser dele a responsabilidade pela compatibilização dos projetos. Esta é uma tendência que já começou, mas, para Maria Fernanda, os escritórios de arquitetura não estão maduros, os arquitetos não estão capacitados para isso, e os gestores são mais ágeis, pois conhecem todo o processo. Porém, construtoras já estão "devolvendo" a coordenação ao arquiteto, uma das mudanças que se soma ao processo em curso de reformulação na gestão de obras. Outra mudança que também já começou é a adoção de modelagem da informação - o Building Information Modeling (BIM), no qual, além da visualização em 3D, um dos aspectos mais importantes são as informações agregadas ao modelo, desde as dimensões e material, até custo, modo de execução, prazos, etc. Com isso, o trabalho do projeto deve ser muito mais articulado, com informações disponibilizadas e visualizadas por todos os departamentos da incorporadora, construtora, projetista, coordenadora. A eficiência de comunicação gera, como define Fernanda, uma matriz de informações que alimenta o projeto.
Seu escritório de arquitetura começou a fazer gerenciamento por uma demanda devida ao crescimento da construção, ou por causa de novas formas de trabalho?
Nós já coordenávamos. Os arquitetos autores de projeto são os profissionais que têm o maior conhecimento do todo do projeto. Mas, por pressão de situações criadas no mercado, os arquitetos deixaram a coordenação para o empreendedor, que começou a formar alguns profissionais. Algumas empresas não queriam que essa coordenação tivesse um custo fixo na empresa e começaram a terceirizar. Agora, devido à busca por eficiência e ao alto volume de projetos, surge a necessidade de um coordenador na empresa, com atribuições diferentes daquelas dos coordenadores de cada projeto. Foi quando começaram a aparecer os coordenadores internos. A coordenação é uma das armas que fazem com que o projeto seja o mais eficiente possível.
O Brasil vê entrando no mercado escritórios estrangeiros de projeto, um movimento que já existe em outras áreas da construção e mesmo em diversos setores da economia. Há diferenças no modo de projetistas estrangeiros e brasileiros trabalharem?
Sim. Existe um modo diferente em função do tipo de contratação que é feita. Contrata-se em "turn key", o arquiteto é o gerente do projeto e da obra. Ele acompanha a obra até a entrega das chaves. E todos se reportam ao arquiteto autor do projeto, inclusive a construtora. A formação dele é voltada não só para o projeto como para a obra. Aqui no Brasil há uma defasagem muito grande entre quem faz o projeto e quem faz a obra
Para a decisão do sistema construtivo, a construtora deve estar junto com o arquiteto, orientando-o desde o começo
O uso de softwares mais atuais pode tornar o processo de elaboração de projeto mais eficiente?
Não são apenas os softwares ou programas, é a cadeia de informações que está ligada por eles. Para a decisão do sistema construtivo, a construtora deve estar junto com o arquiteto, orientando-o desde o começo. Quando se começa a desenvolver as alturas estruturais, ele já tem que saber se está fazendo um projeto tradicional de concreto armado, metálico ou alvenaria estrutural, para não mencionar todos os outros sistemas. O arquiteto precisa estar bem informado sobre o custo e as situações regionais
O que é conhecer a "situação regional"?
Por exemplo, não se consegue fazer alvenaria estrutural em Belém, porque não há bloco de concreto com fck em condições de uso. Ele é tão fraco que seria preciso encher todos os seus furos de concreto. Para este tipo de situação é preciso ser um parceiro do cliente desde o começo. Aqui no Brasil existe este tipo de parceria. Lá fora, o projetista já é contratado pela construtora ou incorporadora com toda essa informação de engenharia de valor do que se vai fazer de projeto. Aqui, há casos em que se faz primeiro o projeto e depois se sabe qual empresa vai construir, ou chegam depois as soluções técnicas que interessam àquele produto.
Você diria, então, que a eficiência ou mesmo produtividade precisa de uma parceria de comunicação?
É uma matriz. A informação que se dá para o software vem do seu relacionamento. Hoje, um processo integrado para se modelar um projeto já admite que se coloquem informações como tempo de construção, materiais, custo. Essas informações estão com a construtora ou com o empreendedor. Também é preciso avaliar se há um fornecimento próximo e ágil de insumos ou materiais - estruturas metálicas, por exemplo. Para isso é preciso estar em parceria com o cliente. Nos EUA, Inglaterra, França, Portugal ou qualquer outro lugar já se entra desde o começo "linkado" com a construtora. Aqui é muito dissociado. Ou seja, quando há essa expertise associada, o processo fica mais eficiente. E, se há softwares que juntam tudo isso de modo eficiente, melhor ainda.
Um dos problemas é a comunicação entre os diversos projetistas durante a fase de projeto. Como a comunicação pode se tornar mais eficiente?
Esse problema existe quando se aumenta a complexidade do projeto, não em projetos que têm menos agentes, como somente a estrutura, hidráulica, elétrica e ar-condicionado. Quando se começa a ter automação, terraplenagem, geotecnia, consultoria em sustentabilidade e desempenho, é preciso haver uma pessoa - que pode ser o arquiteto, o gerente ou o coordenador do projeto - para dominar esse projeto do começo ao fim e fazer com que o processo seja acertado. No método tradicional, monta-se o primeiro modelo, depois todos dão seu dimensionamento - de pilar, hidráulica, elétrica, etc. - e então uma pessoa tem que concentrar tudo isso e analisar a coerência.
Como se perdem as informações?
Há todo um brainstorming de quais são as melhores soluções. Se a elétrica vai ser distribuída por shaft para cada quarto de hóspedes, ou se isso vai ser distribuído por andar, por exemplo. Isso tudo é proposto, e é preciso ter uma pessoa que traga a coerência, porque cada um vai querer puxar a solução para o seu lado. Essas propostas vêm para a cabeça do arquiteto, que é como o regente de uma orquestra: todos têm a liberdade de somar, mas é preciso haver uma coerência. Nessa hora, quando o projeto começou a ficar muito complexo, o pessoal começou a se perder. O projetista estrutural entrega sua parte, mas o arquiteto não disse se aquele pilar está cabendo.
Se hoje há projetistas que entregam sua parte e não querem revisão, em que nível você diria que estamos hoje?
É preciso ensinar que os processos têm amadurecimento. É uma matriz de condicionantes. O projeto não se acaba na primeira, segunda ou terceira proposta, ele vai amadurecendo e se encaixando. Mesmo depois de pronto, pode haver surpresas, mudanças de técnica. O projeto tem um estudo, um desenvolvimento intermediário, que pode ser chamado de pré-executivo, projeto básico, anteprojeto, etc., e há o projeto executivo. Sempre um começo, um meio e um fim - um pensamento, uma elaboração, uma finalização.

E a função do coordenador vem desde o começo.
Quando eu comecei a fazer coordenação, eu ia desde a compra do terreno. Houve aquele hiato em que ninguém fazia nada, e então em 2007, 2008 começou-se a querer ser eficiente, e os coordenadores só entraram no projeto executivo. Agora, está se trazendo o coordenador desde o começo, desde a compra do terreno. Então, indo atrás do processo todo, o coordenador pode influenciar o empreendedor.
O que aconteceu para ele entrar não só na parte executiva, mas já no início?
Sentiu-se que entrar com acertos no final do projeto executivo criaria mais retrabalho. Então, por um custo muito pequeno para uma noção de todo o processo, o coordenador entra logo depois de definido o produto.
A coordenação [de projetos] está se difundindo nas construtoras por erros e acertosQuando isso mudou nas construtoras?
Algumas delas têm os processos integrados de projeto e incorporação, então há mais facilidade. As construtoras estão criando setores de gestão de projeto, setores que difundem essa informação do começo ao fim. A coordenação está se difundindo nas construtoras por erros e acertos.
Idealmente, como deve ser feita a coordenação de projetos, e para onde estamos caminhando?
Coordenação de projetos é coordenação de informação. Tudo se remete à informação, como elas são administradas e como se administram as pessoas para receberem essa informação. O coordenador é um instrumento para cada um agilizar seu trabalho. Então, quanto mais ele vira seu parceiro, mais fácil fica. Mas o coordenador não faz a compatibilização do trabalho do arquiteto. Quem tem que compatibilizar é ele, o coordenador dá a sugestão. A compatibilização é sempre do arquiteto, do idealizador.
O arquiteto vai voltar a ser o dono do projeto?
Eu sempre coordenei e compatibilizei meus projetos, e se hoje estou fazendo isso para terceiros é porque alguém não está fazendo. Há construtoras que já estão pedindo para que não haja o coordenador, retornando a responsabilidade para o escritório de arquitetura.
Isso é uma tendência?
Deveria ser. Mas, os escritórios de arquitetura não estão maduros, e os gerenciadores estão mais ágeis, conhecem o processo todo. Também pode haver só o gerenciador da construtora, mas ele vem com outros dados - de custo, prazos, etc. Ele não é o gerenciador da forma, mas das informações. Hoje, o arquiteto tirou de si algumas responsabilidades da forma, da geometria, de o empreendimento caber ali. Isso vai voltar para o arquiteto.
O bom momento da construção, hoje, permite mudanças no processo do projeto?
Vai ser mais eficiente porque temos novas metodologias, novos processos para fazer projeto. Estamos entrando em uma fase muito nova, porque desde o Egito Antigo se desenha em 2D, e agora entraremos em uma fase em que faremos modelos 3D, associados às demais informações de tempo, custos, premissas, etc. Essa é a diferença. Este processo é o BIM.
Com a modelagem, muda-se o projeto ou as etapas de projeto?
Sim, mudam as etapas do projeto, mas não muda o que acontece. Ele não é um projeto pronto. Há o processo de alguém imaginar um produto, se vai ser construído em estrutura metálica ou convencional, ter esse brainstorming, e aí pode-se fazer três modelos 3D para três sistemas construtivos diferentes de estrutura. Definido um deles, posso vir depois com o sistema de hidráulica...
O que deve ser feito nos escritórios de projeto em relação ao treinamento de pessoal para uso do BIM? Como fica a organização do trabalho?
Começar do começo. Conhecer como é o processo, verificar quais são os agentes e as informações necessárias. Então analisar as diversas opções de software e implantar de pouco em pouco, porque os custos são altos - por outro lado, quando estiver pronto, vai ser mais rápido, mais fácil, e a informação vai ser transparente a todos. Os empreiteiros de obra vão usar o modelo na obra. Ao mesmo tempo, o gerente de obras vai saber, por exemplo, quando é preciso encomendar as luminárias. Vai se fazendo esse planejamento e levando ao final da obra, ao pessoal de facilities. Vai ser mais ágil. A implantação de um modelo 3D é demorada, mas o processo não é só o trabalho em 3D, é o trabalho de juntar as informações em programas compatíveis com o modelo.
A função do cadista vai desaparecer?
Todas as funções vão continuar. Entendo que a pessoa ideal para o CAD, que tem conhecimento construtivo, pode perfeitamente ser a pessoa que vai operar um sistema de modelagem e ter a mesma informação. Essa informação é adquirida com experiência. Os cadistas não vão desaparecer. Há ótimos projetistas em grandes escritórios de arquitetura que não são arquitetos. Eles se tornarão obsoletos se não se atualizarem nos programas e nos processos, mas não vão deixar de existir.
Os cadistas não vão desaparecer. Há ótimos projetistas em grandes escritórios de arquitetura que não são arquitetos.O BIM não vai mudar as funções de cada um dentro dos escritórios de projeto?
Não. Por exemplo, os projetos aqui são desenvolvidos por arquitetos seniores ou plenos, que têm conhecimento de projeto. Se um projeto for feito por um estagiário, vou revisá-lo. Muda como este modelo e as informações são acessadas e distribuídas entre os diversos membros da equipe dos escritórios.
Como lidar com tantas informações?
A nova colaboração é o processo, e o processo é alimentar o modelo com a maior quantidade de informação possível. No escritório de arquitetura não sei quando uma janela vai ser colocada na obra. Quem insere essa informação é o engenheiro de obras. Será preciso uma pessoa muito mais organizada, porque a quantidade de informação vai ser muito maior. Ela precisará de conhecimento de projeto e de planejamento de obra
Essa pessoa é do escritório de projeto, ou da construtora?
Se fosse no padrão de contratação europeu, seria no escritório de arquitetura. Mas não existe no Brasil um arquiteto que tenha o conhecimento do começo ao fim para um grande empreendimento.
Essa forma brasileira de se contratar e trabalhar é pior?
Quais são as consequências? É pior, porque teremos que formar esses profissionais multifunção, que tenham o conhecimento. Nas escolas, não ensinam arquiteto a fazer obra, e não ensinam engenheiro a coordenar projeto.
E o que pode mudar, e como?
Será necessário um tipo de formação mais completa, mais holística. A pessoa terá que conhecer tudo, e bem. Na parte de desempenho mais ainda.
A mudança vem das construtoras?
Construtoras e incorporadoras. Eles estão entendendo que devem trazer o pessoal de orçamentos para junto do arquiteto. E uma coisa é o projetista fazer reunião com o pessoal de orçamentos, outra coisa é puxar os dados do programa de orçamentos e colocar no projeto, facilitando a vida deles para montar o orçamento. Uma coisa é fazer uma logística no desenho que define os eixos da obra, outra coisa é sentar com o engenheiro de planejamento de obra e ouvir por onde se vai chegar no canteiro, onde fica a rampa, a planta do canteiro de obra, de fases de implantação de platôs de terraplenagem. Não havia desenho do 4D do canteiro da obra. É normal a pessoa não ver o desenho da obra e, por exemplo, montar o canteiro em cima da área em que ficará a torre principal.
Ainda existem erros assim?
Ainda há. Em uma obra, por exemplo, o stand de vendas foi colocado em cima do que seria uma das torres. Tive que criar uma junta de dilatação para fazer só as outras duas torres, porque fizeram o canteiro de obras sem consultar o projeto. Se o pessoal de lançamento tivesse acesso ao modelo, isso seria evitado. Há duas empresas no Brasil em que a incorporação está junto com a construção. No resto, fica uma de um lado e outra do outro, sem se falar. No final, criou-se um custo de obra absurdo, porque foram feitas duas fundações, uma linha inteira de junta de dilatação.
Hoje pratica-se a contratação de consultorias externas para, por exemplo, buscar certificações de sustentabilidade. É uma tendência cada parte se especializar mais em cada aspecto?
Sim, é uma tendência. A consultoria é interessante porque põe à prova o que foi proposto pelo projetista, traz a expertise daquele tipo de construção. Em um começo, a consultoria pode orientar, que é o que acontece hoje para a Norma de Desempenho e para sustentabilidade, mas no futuro isso vai se tornar parte integrante dos projetos, obrigatoriamente. Seremos obrigados a conhecer as normas em todas as suas facetas e aplicá-las. Mas a consultoria tem a expertise na área e ela vem trazer uma melhoria do processo, em qualquer assunto. Ela é sempre bem-vinda, mas tem que ser usada com inteligência.
Como seria usar a consultoria com inteligência?
É preciso introduzir as consultorias no começo, para que elas tragam o máximo possível de informações para poder gerar o processo. Não se pode trazer a consultoria no final do processo acabado. É preciso tentar tudo o que há de melhor, mas chega uma hora em que não dá mais para esperar, pesquisar, há um limite até onde se pode mexer nas coisas.
Um dia (...) todo projetista deverá saber fazer um projeto sustentável. O consultor será um verificador e um ativador de soluções.
Hoje existem muitas consultorias de projeto e construção sustentável. Com a disseminação desse conhecimento, porém, não há o risco de essas empresas perderem sua função no mercado?
Um dia não vai mais ser necessária consultoria de sustentabilidade. Todo projetista deverá saber fazer um projeto sustentável. O consultor será um verificador e um ativador de soluções. Porque o arquiteto tem acesso a alguns sistemas, mas o consultor tem acesso a outros, por exemplo no tratamento de esgoto e águas cinzas são "n" sistemas. A consultora pode dar a palavra final, porque tem a expertise disso, conhece os sistemas. A função do gerente, aqui, é buscar e não dar a solução.
Por que a Norma de Desempenho é tão difícil de atender?
É preciso entender todos os itens necessários. Por exemplo, não é mais possível projetar uma laje econômica de 10 cm, porque testes já demonstraram que ela não atende à norma no quesito acústica. Quando se for desenhar, a laje já vai ter 12 cm, o fechamento não vai mais ter 9 cm de espessura, etc. Assim já se sabe que está sendo atendido o requisito mínimo.
Arquitetos e projetistas estão preparados para projetar e especificar com esses novos parâmetros?
Não.
E como eles se preparam?
Fazendo os cursos.
Quais são os principais desafios para se atender à Norma de Desempenho?
Aprender é o primeiro passo. As pessoas querem desempenho porque estamos oferecendo produtos abaixo do necessário - casas que desmontam, que não duram, janelas que não vedam som ou luz. Então, são dois aspectos básicos: aprender, mas também atender à necessidade do mercado.


MARIA FERNANDA ÁVILA DE SOUSA DA SILVEIRA
É presidente da Associação Brasileira de Gestores e Coordenadores de Projetos (Agesc), entidade com cinco anos de existência. Formou-se em 1980 pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie e, em 1983, fez especialização em marketing e finanças pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Trabalhou no escritório Marcos Tomanik de 1979 a 1984 no desenvolvimento de projetos arquitetônicos e coordenação de projetos. A partir de 1981, foi uma das fundadoras do escritório Carvalho e Silveira Arquitetura, de projetos de arquitetura, coordenação de projetos civis, além de consultoria para implantação de procedimentos enxutos em coordenação de projetos.


Fonte: http://agesc-brasil.org/index.php?op=R&tp=DM&id=14

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