The Fountainhead: tudo o que há de errado na arquitetura

Gary Cooper como Howard Roark numa daptação de The Fountainhead. King Vidor, The Fountainhead (Warner Brothers, 1949). Cortesia de Metropolis Magazine Gary Cooper como Howard Roark numa daptação de The Fountainhead. King Vidor, The Fountainhead (Warner Brothers, 1949). Cortesia de Metropolis Magazine

Howard Roark, o arquiteto fictício imaginado por Ayn Rand em "The Fountainhead", possivelmente fez mais para a profissão no século passado do que qualquer arquiteto real  - inspirando centenas de pessoas a entrar na arquitetura e moldar a percepção do público. E, de acordo com Lance Hosey, Diretor de Sustentabilidade da RTKL, isso não poderia ser mais prejudicial. Em seu recente artigo "The Fountainhead All Over Again", para a Metropolis Magazine, ele detalha porque isso é um problema tão grande, indo tão longe a ponto de acusar o protagonista ditatorial de Ayn Rand de cometer terrorismo arquitetônico.

A trama foi criada em 1943, há exatos 70 anos. Na versão do filme (Vontade Indômita), alguns anos depois, Gary Cooper representou Howard Roark, o personagem famoso concebido a partir de Frank Lloyd Wright. Desde então, The Fointainhead (A Nascente - versão em livro) de Ayn Rand, seu "hino em louvor ao indivíduo" (New York Times), fez com que muitos jovens quisessem se tornar arquitetos. O falecido Lebbeus Woods escreveu que a história "teve um enorme impacto sobre a percepção do público sobre os arquitetos e a arquitetura, para melhor e para pior." Eu diria que para pior. Na verdade, The Fountainhead continua a ser a representação perfeita de tudo o que há de errado com a profissão.

Considerando o enredo. Aqui está a mais popular - talvez a única popular - história - já escrita sobre um arquiteto, e nela o herói defende o seu direito de dinamitar um prédio, porque não foi feito do jeito que ele queria. "Eu o destruí porque não optei por deixá-lo existir", declara Roark. Na melhor das hipóteses, isto é como uma criança fazendo birra e esmagando seus blocos de brinquedo. Na pior das hipóteses, é o terrorismo que aparece como a liberdade de expressão.

Hoje, dizem que o Fountainhead está morto, mas em todos os lugares que você olhar, os arquitetos são retratados como se fossem seres estranhos e especiais, de alguma forma, mais do que mortais. E seus pontos de vista são decididamente Roarkianos. Frank Gehry, o arquiteto mais famoso do nosso tempo, disse que negar o direito para a auto-expressão do arquiteto é como negar a democracia. Mas a democracia é a vontade da maioria, e não o individual, e Ayn Rand odiava a democracia porque sentiu que ela esmaga a liberdade pessoal. Quando as linhas entre individualismo e democracia se misturam, é seguro dizer que o fantasma de Rand ainda nos assombra.

Sim, o Fountainhead está vivo e está entre alguns arquitetos. Chamamo eles de F*heads..

Chimaybleue                Musee du Quai Branly de Jean Nouvel. Imagem © Flickr User chimaybleue

Para comemorar o aniversário de The Fountainhead aqui está um exemplo em como ele continua a caracterizar os designers mais famosos.

The F*heads sabem mais — ou pensam que sabem.

"[O criador] guardou a verdade acima de tudo e contra todos os homens." - Howard Roark

O próximo documentário de Angel Borrego Cubero, A Competição, narra o desenvolvimento de projetos de cinco arquitetos-estrela para um edifício. No final do trailer, Jean Nouvel, usando um chapéu preto e capa, sussurra para o diretor, "Eu espero que você tenha claramente capturado o mistério e a profundidade". Delírios de profundidade correm desenfreados entre os F*heads.

Mas o arquiteto não tem roupas.

8874216              "The Walkie-Talkie" de Rafael Vinoly, recentemente apelidado de "fry-scraper". Imagem © Flickr User pembridge2

O Musée du Quai Branly de Nouvel em Paris tem sido apontado como "verde" por causa de sua fachada jardim, mas as plantas exóticas e hidropônicas utilizam muita água - verde mas não sustentável. Um projeto anterior, o Instituto Árabe, também em Paris, apresenta uma fachada cinética que se ajusta automaticamente às mudanças na luz, só que isso não acontece. Desde o início, o sistema caro teve problemas significativos, incluindo falência de aparelhos e peças barulhentas, por isso durante anos a fachada permaneceu estática. Não há nada de "misterioso" e "profundo" sobre as estridentes janelas - não passam de irritantes.

No mês passado, depois que o arranha-céu de Rafael Viñoly refletiu calor suficiente para derreter carros e cozinhar ovos na calçada, em Londres, a revista New York publicou uma revisão de outros desastres recentes, "Quando Edifícios Atacam". Percalços são tão freqüentes que a revista ofereceu um gráfico para distinguir entre cinco tipos de doenças induzidas arquitetonicamente: queimadura, brilho, gelo, balanço, e morte. Com se pode ver, F*heads são perigosos.

Os F*heads são mártires.

"Milhares de anos atrás, o primeiro homem descobriu como fazer fogo. Ele provavelmente foi queimado na fogueira que trouxera a seus irmãos a luz". - Howard Roark

Após o incidente em Londres, Viñoly passou a culpar a "superabundância de consultores". "Os arquitetos não são arquitetos mais", lamentou. "Você precisa de consultores para tudo. Neste país não há um especialista para lhe dizer se algo reflete." Ele não explicou como a mesma coisa aconteceu em Las Vegas há alguns anos atrás, quando seu hotel Vdara escaldou banhistas.

Complexo de mártir é comum entre os F*heads, que se queixam de ter perdido o controle. Em uma palestra recente, Rem Koolhaas supostamente lamentou sobre o declínio do poder do arquiteto, e da falta de certeza de que "as coisas vão ser como você quer que sejam." E Gehry diz, "Eu não sei por que as pessoas contratam arquitetos e, em seguida, lhes dizem o que fazer."

Zaha1               Cortesia de Metropolis Magazine

O criador, anuncia Roark, "não precisa de outros homens". Mas arquitetos realmente "precisam de consultores para tudo", porque nenhuma pessoa ou profissão sabe tudo, e ouvir o resto da equipe pode evitar, por exemplo, queimar os vizinhos.

Os F*heads não se importam com você.

"O criador não serve a nada nem a ninguém. Ele vive para si mesmo". - Howard Roark

Quem já visitou alguma casa de Frank Lloyd Wright ouviu as mesmas velhas histórias sobre o vazamento do telhado sobre a mesa de jantar, onde o proprietário pede ao arquiteto para ajudar, e a resposta de Wright: "Mova a mesa." O preço do gênio? Mobília molhada.

Iwanbaan              Torre CCTV de OMA/Rem Koolhaas e Ole Scheeren. Imagem © Iwan Baan

Nos últimos dois anos, depois de quase uma década de desenvolvimento, o vencedor do Pritzker, Rem Koolhaas, finalmente viu a conclusão da Torre CCTV em Pequim. Sua fachada com treliças aparentes acumulam muita água chuva e fuligem, e muito pouco do interior foi alugado, então, os proprietários estão comissionamento outros arquitetos para tornar o interior mais habitável. No outono passado, o Huffington Post chamou o CCTV de um dos "arranha-céus mais feios do mundo", "uma horrível fita de Möbius de 44 pavimentos"

No entanto, em 2010, um grupo de arquitetos de elite votaram no CCTV como um dos edifícios mais importantes dos últimos 30 anos, e o crítico de arquitetura do New York Times, Nicolai Ouroussoff, saudou como possivelmente "a maior obra de arquitetura construída no século XX". Descrevendo o edifício como "uma declaração eloquente de arquitetura sobre a impetuosa corrida da China em direção ao futuro", Ouroussoff revelou o elitismo que caracteriza grande parte da teoria da arquitetura. As comunidades querem arquitetos (especialmente os estrangeiros) para criar "declarações" sobre eles, ou eles preferem que seus ambientes nutram e enriqueçam suas vidas?

Tudo isso levanta uma questão essencial: Qual é o propósito do projeto? É a intenção de agradar o projetista, ou é feito para agradar a todo mundo, as pessoas que realmente vivem e trabalham nos edifícios e seus arredores? O historiador de arquitetura Peter Collins escreveu uma vez que por trás da ideia original de gosto, tanto estético e culinário - há um desejo básico de agradar o consumidor, um valor que quase desapareceu na arquitetura contemporânea, que tende a se desenvolver em torno de interesses caprichosos do designer. Mas, como Collins coloca, se concentrar na expressão pessoal é como julgar uma omelete pela paixão do chef por quebrar os ovos; ou fritá-los na rua.

Os F*heads parecem acreditar que a única medida relevante do seu trabalho é saber se eles gostam, pois a opinião do resto não importa.

Mova a mesa.

Lance Hosey é diretor de sustentabilidade do escritório RTKL. Seu livro mais recente se chama The Shape of Green: Aesthetics, Ecology, and Design (Island Press, 2012).

Fonte:Lance Hosey. "The Fountainhead: tudo o que há de errado na arquitetura" [The Fountainhead: Everything That's Wrong with Architecture] 15 Dec 2013.http://www.archdaily.com.br/br/01-159949/the-fountainhead-tudo-o-que-ha-de-errado-na-arquitetura?utm_source=ArchDaily+Brasil&utm_campaign=66ef462745-Archdaily-Brasil-Newsletter&utm_medium=email&utm_term=0_318e05562a-66ef462745-407774757

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