Mulheres na arquitetura: onde estão, quais seus desafios

Por Lucas Rodrigues
Edição 221 - Agosto/2012

Desde a norte-americana Marion Mahony Griffin (1871/1961), considerada a primeira mulher a se tornar arquiteta (graduada pelo MIT em 1894), as mulheres conquistaram mais direitos, mais espaço, entraram nas universidades e obtiveram reconhecimento pelos seus projetos. Nomes como Denise Scott Brown, Lina Bo Bardi e, mais recentemente, Kazuyo Sejima e Zaha Hadid tiveram destaque e são lembradas por suas obras. Mas a lista de arquitetas ilustres ainda é pequena em relação à de homens que alcançaram o mesmo status - vejamos a lista do Pritzker, que conta apenas com Zaha e Kazuyo na premiação anual desde 1979; ou as capas das principais publicações de arquitetura.
Mas se poucas arquitetas conseguiram deixar seu nome registrado na história, é cada vez maior o número de mulheres na área: segundo dados do CAU, há 128 mil arquitetos registrados no Brasil - 60,65% deles são mulheres. Para Valeska Peres Pinto, arquiteta e diretora da Associação Nacional de Transporte Público (ANTP), é visível a predominância das mulheres nos cursos de arquitetura. Formada na década de 1970, Valeska conta que as mulheres eram minoria em sua turma. Em 1983, quando começou a lecionar no Centro Universitário Belas Artes, o quadro havia mudado: a maioria da classe era composta por mulheres.
A ENTRADA NO MERCADO DE TRABALHOTrabalho existe e, pelo menos a princípio, não há distinções. "Não vejo diferença de mercado para homens e mulheres", garante Esther Stiller, arquiteta da área de iluminação. Em seu escritório, por exemplo, a questão do gênero nunca foi critério na hora da contratação. "Levo em consideração a formação e a competência", explica. Por outro lado, Esther não duvida que em grandes empresas, onde a hierarquia é mais subdividida, mulheres recebam menos. "Nesses casos acho que sim, elas saem perdendo."
SALÁRIO
A diferença salarial está entre os principais desafios para as mulheres. Quem afirma é Tabitha Ponte, arquiteta e autora do livro To become an architect (a guide, mostly for women), que se baseia em entrevistas e em experiências da autora. Segundo Tabitha, outros obstáculos são a falta de flexibilidade no ambiente de trabalho e o comportamento machista de clientes e até de colegas.
As entidades de classe tentam prevenir alguns desses problemas. Segundo Bertha Costa, arquiteta que presidiu o Sasp entre 1996 e 1998 e hoje é diretora-adjunta da entidade, sempre que o sindicato faz acordo com a construção civil, há parágrafos específicos para essas questões. "Há cláusulas contra discriminação e assédio sexual, muito normal nas construtoras", diz.
CARGOS DE CHEFIA
Valeska foi a primeira mulher a presidir a Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), em 1989. Depois, ainda foi presidente do Sindicato dos Arquitetos de São Paulo (Sasp), entre 1999 e 2007. Segundo a arquiteta, que afirma nunca ter tido problema com os colegas, essa nova realidade no ambiente profissional tem se desenvolvido de forma natural. "Na medida em que uma profissão, na base, equilibra a sua composição de gênero, isso acaba chegando no alto."
Mas nem todo mundo está acostumado - pelo menos não ainda - a receber ordens de mulheres, ou a acatar decisões e a confiar, seja o funcionário, o trabalhador de obra e até mesmo o próprio cliente. Monica Drucker, sócia do escritório Drucker Arquitetura, trabalhou um tempo como autônoma até montar o próprio escritório. No começo teve de abrir caminhos, principalmente na hora de lidar com clientes, que em diversos momentos pareciam não confiar em suas orientações. "Você tem de mostrar que conhece", afirma.
A maior parte das reclamações é relacionada com o ambiente do canteiro. A arquiteta Solange Martinhão acompanha de perto seus projetos, e não era fácil lidar com empreiteiros, pedreiros e mestres de obras. "Havia preconceito no começo", diz. Com o tempo, adquiriu segurança e, sempre que necessário, não se intimida ao exigir: "vai desmanchar e fazer de novo".
SABER COBRAR 
Outro problema é a hora do pagamento: Monica Drucker conta que diversas vezes não recebeu o valor acertado, e que tinha dificuldades de fazer a cobrança. "Os clientes negociam mais seriamente com um rapaz porque ainda existe machismo, por incrível que pareça." Nesta questão, Clara Reynaldo, sócia do escritório CR2 Arquitetura com Cecilia Reichstul, tenta se posicionar de forma profissional. "Procuramos ser o mais séria possível em relação aos clientes e funcionários. Seja na hora de apresentar a proposta de preço, estabelecer e cumprir prazos, cobrar os pagamentos ou apresentar o trabalho. Em relação a esta parte preferimos encarar o escritório mais como uma empresa do que como um ateliê", explica.
MATERNIDADE E PROFISSÃO 
Conciliar profissão com maternidade é um dos pontos mais críticos, na busca de um balanço entre as horas do dia e o avanço profissional. Para Solange Martinhão, a gravidez chegou em um momento-chave para sua carreira, logo após ter aberto seu escritório. Solange aceitou o desafio da jornada dupla. "Continuei no escritório, em meio-período", conta.
Mas essa é uma questão delicada, principalmente em tempos em que arquitetas-funcionárias nem sempre são registradas em um regime CLT. Nestes casos, restam os acordos com os chefes e donos de empresa. "Lembro de uma funcionária de uma empresa em que trabalhava que ficou grávida e os chefes fizeram um acordo. Pouco depois de dar à luz ela já estava de volta", conta a arquiteta Ursula Troncoso. "O fato de termos essa cultura de que só uma pessoa que trabalha muito pode ser bem-sucedida atrapalha que esses acordos sejam saudáveis. Faz com que alguém que queira curtir suas férias, seus filhos, seu marido seja um problema, uma mulher pouco confiável, que não sabe trabalhar. Enquanto alguém que dias depois de ter filho volta ao trabalho é um indicativo de que é ponta firme", conclui Ursula.
Essa é uma das questões levantadas por Tabitha. "Pelas histórias que chegaram a mim, vi poucas mulheres que souberam encontrar um bom balanço. Algumas escolheram a maternidade, outras, a profissão. Poucas conseguem fazer os dois e gerenciar isso bem", recorda Tabitha, que sugere que estejamos fazendo as perguntas erradas. "Como profissionais, estamos permitindo que as mulheres tenham esse balanço? Ou estamos forçando decisões baseadas em noções pré-concebidas sobre como um profissional deve ser?", argumenta.
ÁREAS DE ATUAÇÃO
De acordo com Valeska, o ambiente duro de trabalho no canteiro de obras pode ser uma explicação para o fato de ser mais comum que as mulheres optem por outras áreas. "Elas podem preferir ficar distantes, em atividades mais leves, o que é uma bobagem". Débora Follador, arquiteta e urbanista da Ambiens Sociedade Cooperativa, formada pela PUC-PR em 2008, acredita, porém, que não existe relação entre o gênero e a atividade, e que a escolha da área de atuação é de caráter muito pessoal. "Tenho muitas amigas que estão trabalhando em edificações", explica.
Solange, que já chegou a coordenar dez obras ao mesmo tempo, é um exemplo. Voltado para a realização de projetos residenciais, seu escritório já se desmembrou em uma construtora e, em breve, vai agregar ainda uma incorporadora. Ela conta que desde que se formou, nunca pensou em trabalhar em outra área. "Sempre gostei mesmo de criar e de ver pronto, em um sentido macro", diz. A arquiteta acredita que, apesar das dificuldades, as mulheres podem sim conquistar esse campo. Mas, para isso, aconselha: "tem de ser rígida!".
Tabitha Ponte concorda. "A atitude mais importante que as mulheres devem ter, acredito, é ser pró-ativa, como oposto a ser reativa. Mulheres precisam se responsabilizar pelos seus caminhos mesmo diante das adversidades. Porque é um caminho difícil", conclui.

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