Na definição da arquitetura e da cidade, os conceitos de espaço e objeto marcam teorias e mecanismos de atuação que merecem ser considerados para compreender a razão de determinadas decisões que afetam a materialização dos edifícios e a configuração urbana. Eles são muito mais que problemas operativos, são pautas ideológicas que definem a consciência física e social do ato de projetar.
Nas cidades brasileiras em geral diferencia-se uma estrutura que podemos chamar "cidade de espaços" - aquelas derivadas da colonização portuguesa e da cidade liberal do Século XIX - de outra que chamaremos "cidade de objetos", desde a influência da modernidade até os nossos dias.
Nas primeiras, a configuração dos espaços urbanos que possibilitam a convivência social determina a própria produção da arquitetura e a relação hierarquizada entre monumentos estruturantes e tecido acompanhante. O conceito de tipo arquitetônico - esquema edilício consagrado culturalmente que, por repetição, define a estrutura da cidade - está na matriz desse tecido urbano organizado em função do espaço social.
Na cidade atual, esse conceito foi substituído pelo de objeto abstrato e isolado, independente de uma relação de pertencimento a determinado contexto físico ou social. O resultado é a paisagem urbana de "cidade de objetos" autônomos, sem relação de continuidade, agravado pelas características de exclusão e segregação social que promovem.
O conceito de espaço leva implícita a ideia de existencialidade na consolidação de um lugar: espaço qualificado mediante a apropriação das pessoas. Em termos de projeto de cidade, a ideia de espaço tende a ser de integração e congregação, enquanto que a de objeto é de segregação e dispersão. Enquanto o espaço promove uma realidade existencial, o objeto tende à abstração contemplativa. Enquanto o espaço tende a socializar, o objeto tende a elitizar. Enquanto o espaço materializa a cidade pela construção coletiva, o objeto é produto da inspiração individual e autoritária.
Espaços e objetos compõem um contraponto instigante para a decisão das intervenções. Formulam as estratégias que decidem a cidade e a sociedade que queremos: cidade de espaços -ou melhor, de lugares- para o convívio cidadão, ou cidade de objetos excludentes e desintegrados; cidades que favorecem a convivência ou que estimulam a exclusão; cidades para serem vivenciadas ou para serem circuladas; edifícios que promovem o convívio ou que se fecham em estruturas defensivas; cidades abertas ou fechadas; inclusivas ou exclusivas.
Espaços e objetos são muito mais que formalizações urbanas e arquitetônicas: são estratégias de integração ou exclusão social, são decisões que afetam a cultura e a convivência entre as pessoas; são, em definitivo, a opção entre o modelo de cidade integrada e civilizada ou de cidade decadente e excludente.
Na realidade das cidades brasileiras, pensar espaços qualificados é pensar nas pessoas em convivência pacífica e civilizada. Pensar objetos é pensar nas pessoas segregadas e isoladas em um contexto defensivo que só estimula a violência.
A dicotomia exposta é uma generalidade baseada na experiência da construção da cidade contemporânea que tem, evidentemente, matizes que permitem detectar objetos carregados de existencialidade. Porém, a cultura arquitetônica e urbanística brasileira precisa refletir estes conceitos em função das cidades que queremos construir e dos comportamentos sociais que elas promovem.
Roberto Ghione é arquiteto e diretor do IAB/PE
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