O futuro das cidades

Não existe cidade sem sociedade, regida por indivíduos com suas idiossincrasias e suas relações de produção e de poder, seus costumes, seus objetos, seus lugares e territórios. Só faz sentido a existência da cidade se essas materializações forem compartilhadas a favor do uso comum do espaço urbano, que é, na sua essência, público, e que cada vez menos é consumido como tal e cada vez mais ignorado a partir das segregações, nas suas mais variadas formas.

A cidade é antropofágica, marcada pela sua espontaneidade ou emergência da sobrevivência; a cidade acumula e manipula, pelos interesses que nada favorecem o sentido público e democrático que é a sua própria função.

Mas que cidade Curitiba é, de fato? Imagética e referencial, ou palpável, histórica e dinâmica como qualquer organismo vivo que busca seu equilíbrio, a favor do desenvolvimento? Como se revelam e se materializam estas relações? Nos shoppings? Nos clubes? Nos churrascos nos condomínios? Nos orgulhos? Nos venenos? Nos preconceitos? Ou no trânsito? Nas poluições? Nos (i)migrantes? Nos moradores de rua? Nas favelas (sim, em Curitiba também existem favelas, entre outras tantas “coisas” renegadas!)?

A cidade que luta pela sobrevivência é a cidade real, da sociedade real. É eminentemente a cidade da rua: palco de todas as manifestações da verdade. A rua da circulação, do movimento, do sujeito e do objeto. A rua do pertencimento e do imprevisto. A rua do que está por vir... A rua que funciona a pé, que é usada, que vive e cria vida, que marca os bairros, que transforma, que se destaca pela sua natureza estética, ou a rua que padroniza a paisagem, que se desliga, que não cumpre a sua função, que não instiga, que tem prazos e só é percebida pelo distanciamento, a partir dos vidros das janelas dos carros e das casas.

O que está no verso do plano da representação? A verdade social, a verdade cultural e a verdade econômica, ou o orgulho de se fazer presente, de ser aceito e lembrado pela ânsia de se autoaclamar por símbolos, clichês, jargões, marcas, síndromes ou complexos, ainda provincianos?

A cidade é espírito e energia.

O momento é oportuno para este enfrentamento, mas não depende só de uma prefeitura ou de uma Câmara de Vereadores. Depende do desnudamento, do desmascaramento, do sentido humanista e existencialista, da doação (que não é a de dinheiro). Depende da coragem, do acolhimento, do trabalho, da competência e do profissionalismo (e não da troca de favores). Depende do aceite dos contrastes, dos “de fora” que não se fecham ou não se escondem, do multiculturalismo e das multiclasses sociais, na sua fusão, na sua produção e na sua diversão.

A cidade é a cidade a serviço.

Somos todos nós um conjunto articulado de pontos que tecem um conjunto a ser gestionado. Existe uma bela história e raízes que merecem respeito. Mas que têm sua própria escala e seus limites. O momento é gestão; já o futuro, planejamento... Mas que caminho seguiremos, diante desta complexa e enigmática realidade?

 

Carlos Nigro

Carlos Nigro, arquiteto e urbanista, é especialista em Dinâmica de Sistemas pela Cátedra Unesco en Sostenibilitat da Universitat Politèctina de Catalunya, mestre em Gestão Urbana pela PUCPR, decano da Escola de Arquitetura e Design da PUCPR e autor do livro (In)Sustentabilidade Urbana.

Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?tl=1&id=1339764&tit=O-futuro-das-cidades

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