Catedral de Brasília. Arquiteto Oscar Niemeyer
foto Victor Hugo Mori
Em uma entrevista reproduzida na Folha de São Paulo no dia 13/01/2013, o critico norte-americano Paul Goldberger faz um balaço do legado de Niemeyer e de Brasília, que qualifica de “um fracasso”. O autor se limita às obras de Niemeyer em Brasília, ignorando sua produção anterior e posterior, no país e no exterior. A principal revelação do autor é que Niemeyer teria sombreado colegas brasileiros. Nenhuma das duas observações é novidade, nem foram demonstradas.
O discurso do “fracasso” de Brasília é a repetição da rejeição do ideário do CIAM – Congressos de Arquitetura Moderna e de Le Corbusier e a constatação dos problemas das cidades contemporâneas, já dissecados por Jane Jacobs em “Vida e Morte das Grandes Cidades Norte-americanas”. A condenação de Brasília já havia sido feita em 1988 por Ada Louise Huxtable ao saudar Niemeyer quando ele foi agraciado com o premio Pritzker, mas não pode estar presente em Chicago por suas convicções marxistas. Mas Huxtable exaltou a contribuição lírica inédita de Niemeyer à arquitetura modernista mundial.
Goldberger em artigo no New York Times de 29/05/1988 já contestava se o Premio Pritzker, dado ao conjunto da obra de um arquiteto, deveria ter sido entregue a Niemeyer e ao americano Gordon Bushaft, autor da Lever House, uma réplica do Ministério de Educação e Saúde adaptada a meia quadra da Park Avenue em Nova York. Inspiração que a comissão julgadora da Fundação Hyatt não ignorou dividindo o premio com os dois arquitetos, fato único desde sua instituição em 1979.
Argumentava ele que as obras dos dois não representavam as ultimas tendências da arquitetura contemporânea, esquecendo a inconteste contribuição de Niemeyer na inclusão da plasticidade e da cor local à dureza e racionalismo do International Style e a coragem de Bushaft de reproduzir na avenida mais cara do mundo o pilotis do Ministério de Educação. Com essa ousadia, Bushft introduziu uma das mais importantes contribuições americanas ao urbanismo contemporâneo, qual seja a criação de “plazas” publicas em empreendimentos privados.
Brasília, criação de um humanista como Lucio Costa, não se inspira somente no CIAM, mas numa longa tradição urbana que tem suas raízes em cidades e conjuntos barrocos, como Roma e Versailles, passando pelo iluminismo da Paris de Haussemann para terminar nas várias capitais construídas nos séculos XIX e XX, como Washington, com o obelisco e Capitólio nos dois extremos do Mall, Nova Déli com seus dois grandes eixos que se cruzam e Camberra com seu lago artificial.
Niemeyer deu 3-D à planta de Lucio Costa criando uma paisagem urbana notável no cerrado. Seu Eixo Monumental tendo em suas margens monumentos como o Congresso, os palácios do Planalto e do Itamaraty, a Esplanada dos Ministérios, a Catedral, o Teatro e o Museu Nacional é um dos mais notáveis conjuntos urbanos de todo o mundo. A cidade é a única do século XX incluída na lista do Patrimônio Mundial da UNESCO. Goldemberg pode não apreciar, mas a critica de arte não pode se basear no gosto pessoal, senão em critérios consistentes. Não basta dizer: Brasília “tem bons prédios de Niemeyer, mas que juntos não formam uma grande cidade. Parece um campus governamental, não uma cidade. Como um campus universitário no subúrbio”.
Outro equivoco é que Niemeyer teria sombreado seus pares. O prestigio da arquitetura brasileira entre 1937 e 1964 não se deveu apenas a Niemeyer, mas a um time que compreendia arquitetos como Lucio Costa, Attilio Correia Lima, MMM Robertos, Affonso E. Reidy, Sergio Bernardes, Artigas, O. Bratke e um paisagista como Burle Marx. Mesmo depois de 1964 quando os militares fecharam a Faculdade de Arquitetura de Brasília e expulsaram os melhores arquitetos das escolas, muitos nomes se firmaram no cenário internacional, como Lina Bardi, Lelé, Paulo Mendes da Rocha, Joaquim Guedes, Ruy Othake e outros.
Quem tem luz própria não fica na sombra. O critico se surpreende que a morte de um arquiteto tenha provocado uma comoção no Brasil só comparável à de Sinatra nos EE. UU. É que este arquiteto soube, como Sinatra, interpretar a alma de seu povo.
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Paulo Ormindo de Azevedo é professor titular da UFBa, Conselheiro do CAU/BR e membro da Academia de Letras da Bahia.
Fonte: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/13.064/4634
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