A forma da cidade e a
ocupação que a mesma faz do território estão constituídas, majoritariamente,
por tecido urbano residencial. Na estrutura urbana podem ser diferenciados,
segundo Aldo Rossi (1), elementos primários ou estruturantes, compostos pelos
espaços, monumentos e edifícios institucionais, comerciais, recreativos, e
elementos secundários ou "tecido acompanhante", conformado pelas
residências. A arquitetura de uns e outros define a forma física da cidade,
materialização de ideias e relações de poder que permeiam as estruturas
físicas.
Os elementos primários materializam
a imagem e o significado. Eles são determinantes da identidade e, por este
motivo, se organizam seguindo conceitos de diversidade na configuração. Os
elementos secundários, ou "tecido acompanhante", se configuram
seguindo pautas de homogeneidade, compõem a maior parte da massa construída e a
qualidade dessa materialização determina o nível de dignidade e de autoestima da
sociedade.
O tecido residencial expressa também
os conflitos sociais. No caso brasileiro, materializa as desigualdades
anacrônicas e persistentes que comprometem o desenvolvimento social e urbano,
cujas consequências são sofridas diariamente, especialmente em cidades médias e
grandes, em termos de violência, catástrofes naturais e imobilidade.
A superação das desigualdades e a
integração social constituem objetivos fundamentais na direção de um
desenvolvimento urbano justo e sustentável. Colocar a moradia popular no centro
das estratégias representa uma ação destinada a suplantar as condições
vergonhosas de exclusão que, lamentavelmente, caracterizam a sociedade
brasileira. As políticas urbanas devem contemplar estas estratégias de modo
prioritário se o objetivo procurado é um desenvolvimento real e efetivo. Uma
sociedade nunca será desenvolvida se
parte dos moradores continuarem a viver em condições de exclusão e precariedade.
A moradia digna é um direito humano, suporte essencial de uma sociedade
civilizada, base de uma estrutura urbana racional e organizada, sustento de
lugares que estimulam a apropriação e o convívio, motor de um destino de
grandeza. Atuar no tecido residencial com ideia de cidade representa a
estratégia válida que pode ser aportada, desde a arquitetura e o urbanismo, com
o objetivo de obter um desenvolvimento social genuíno.
As estratégias contemplam atuações
sobre o construído, assim como novas urbanizações que deverão integrar-se à estrutura
da cidade existente.
Construir acima do construído
implica uma ação pulverizada nas favelas e bairros em condições precárias de
moradia e de espaços públicos. Dignificar e legalizar as estruturas existentes
e integra-las à cidade formal é um desafio que precisa de equipes
multidisciplinares e ações persistentes. No campo da arquitetura, a efetiva
implementação da Lei 11.888/2008 "que institui a assistência técnica e
regulamenta o acesso gratuito de todas as famílias com renda de até três
salários mínimos aos serviços profissionais de arquitetura para a construção,
reforma e ampliação de suas residências" (2) constitui um instrumento
consistente para atingir objetivos de dignificação das periferias degradadas da
maioria das cidades brasileiras. Cabe aos governos municipais e às instituições
de classe a organização da implementação desta importante ferramenta legal,
disponível e ainda não valorizada e utilizada adequadamente.
Para novas urbanizações resulta imprescindível
incorporar o conceito de cidade nos projetos, único caminho que garante
integração efetiva dos novos tecidos residenciais. O conceito de
"construir casas" deve ser substituído pelo de "fazer cidade"
se queremos desenvolver modelos eficazes de promoção social e integração urbana.
De igual forma, o conceito de "periferia" deve ser substituído pelo
de "novas centralidades" se queremos construir cidades integradas,
dinâmicas, vivas e estimulantes de um desenvolvimento social pleno.
Fazer cidade significa praticar, de
maneira democrática e participativa, conceitos de racionalidade e quantidade
(garantia de mobilidade, segurança, equipamentos sociais, infraestrutura e
serviços adequados aos requerimentos da população alojada), assim como aportar sensibilidade
e emoção na construção das casas, edifícios e novos lugares, que conformarão
paisagens urbanas qualificadas, promoverão o desenvolvimento de sociedades
sadias e civilizadas e garantirão o efetivo acesso do Brasil ao mundo
desenvolvido.
1- ROSSI, Aldo. A arquitetura da cidade, Ed. Martins
Fontes, São Paulo, 2001
2- IAB, Instituto de
Arquitetos do Brasil, Manual para a
Implantação da Assistência Técnica Pública e Gratuita a Famílias de Baixa Renda
para Projeto e Construção de Habitação de Interesse Social, Ed. Tecnodata
educacional, 2010
Roberto Ghione, arquiteto
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