Ruben Otero explica a experiência das cooperativas de habitação social no Uruguai e analisa modelos para a construção no Brasil

Por Ursula Troncoso Fotos Marcelo Scandaroli
Edição 256 - Julho/2015

Foto: Marcelo Scandaroli
O uruguaio Ruben Otero é um dos curadores da exposição Cooperativas habitacionais no Uruguai - meio século de experiência, que está em cartaz no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, até o dia 2 de agosto. A mostra conta a história da construção de habitação popular no Uruguai, e como esteve (e ainda está) atrelada ao sistema de cooperativas, com a utilização de mão de obra coletiva - muitas vezes dos futuros moradores. Confiante de que habitação digna para todos é sinônimo de qualidade urbana, Ruben Otero discute como políticas públicas podem interferir nos rumos da história e do mercado, de maneira a democratizar a moradia e a aprimorar os processos comunitários e participativos. Neste contexto, as experiências com cooperativas de habitação e os mutirões uruguaios podem apresentar uma perspectiva válida para os novos rumos da habitação social no Brasil.
Ruben é professor da Faculdade de Arquitetura na Escola da Cidade, em São Paulo, e um dos coordenadores do curso de pós-graduação Habitação e Cidade, na mesma instituição. Durante uma agradável conversa em seu escritório, na região central de São Paulo, os temas passaram por contextos políticos favoráveis à construção social de moradias, pelos limitadores dos programas habitacionais brasileiros e pelas possíveis saídas para melhorar o acesso à moradia no país. Para Ruben, muitos dos problemas urbanos atuais podem ser resolvidos dentro do tema habitação.
Quais foram as condições culturais e políticas que permitiram a formação das cooperativas no Uruguai nos anos de 1960?
Há dois elementos importantes para a criação desse sistema. O primeiro foi a formação quase inteira de imigrantes da população do Uruguai, muitos deles de refugiados políticos. Há uma base grande na sociedade uruguaia do que seriam os anarquistas europeus e de movimentos sindicais que imigraram por perseguições políticas. Isso criou uma base forte com referência ao sindicalismo e ao anarquismo. É ainda hoje uma pauta importante. No decorrer da história, movimentos cooperativos tiveram mais a ver com a produção e o consumo, como as cooperativas agrícolas, nas quais grupos se reuniam para comprar em condições melhores. Então, nos anos de 1960, há uma crise econômica e não havia praticamente construções. A indústria da construção estava paralisada. Foi na época do programa norte-americano Aliança para o Progresso, quando os Estados Unidos criaram linhas de crédito tentando gerar um controle sobre os países latino-americanos em função do avanço do comunismo. Mas eles precisavam ter um diagnóstico sobre a situação do país. Foi essa análise que gerou, pela primeira vez no Uruguai, um desenho sobre a posição econômica, política e de habitação. A partir desse diagnóstico apareceu o problema da habitação como algo importante que nunca tinha sido percebido, motivando a criação, em conjunto com arquitetos, da Lei de Vivienda de 1968, que levou o cooperativismo à produção das habitações.
Como a lei ajudou o cooperativismo?
Permitindo que as pessoas contribuíssem com sua mão de obra para atingir o custo total da habitação. Em uma sociedade com muito desemprego, a pessoa que estava com pouco trabalho era mão de obra potencial para algo produtivo e útil. A lei criou essa possibilidade e obrigou a existência do que se chamou de Instituto de Assistência Técnica, grupos multidisciplinares com arquitetos, economistas, assistentes sociais e advogados, que criaram um arcabouço legal para viabilizar o cooperativismo. A partir daí, as comunidades, os grupos que fundamentalmente estão vinculados aos sindicatos, criaram as cooperativas que, em conjunto com esses profissionais, definiam seus projetos. Existiam duas possibilidades de atuação. Uma chamada Ajuda Mútua, um mutirão no qual as pessoas contribuíam com 15% do valor da moradia com sua mão de obra, trabalhando aos fins de semana, e outro que se chamava Ahorro, para pessoas que tinham condições de deixar uma minipoupança. Elas não tinham que trabalhar, simplesmente contribuíam com 15% do valor. Era para alguns funcionários, motoristas de ônibus, empregados de indústria têxteis, que tinham condições de fazer uma poupança. Essas duas figuras ainda existem: o mutirão e a poupança.
 
Foto: Ruben Otero
Projeto de cooperativa do tipo poupança, com projeto de Nebel Farini em 1971, em Montevidéu.
Foto: Ruben Otero
Projeto do tipo mutirão de 1994, do arquiteto Raúl Vallés, que reforma um edifício antigo e abandonado no centro da capital uruguaia. Nas cooperativas, o morador não é apenas um consumidor da habitação. Ele também participa do desenho do projeto
Como funcionava essa equipe técnica? Quem participava dela?
Para participar desses projetos tem que ter o Instituto de Assistência Técnica. Esses institutos são organizações que têm, além de arquitetos, advogados, assistentes sociais e economistas, que viabilizam os projetos para a comunidade do ponto de vista arquitetônico, legal e da preparação da educação dos cooperativistas, tanto na parte de gestão do projeto quanto na própria construção. A cooperativa está encarregada e é responsável pelo projeto de todos os pontos de vista, econômico e de gestão. Eles são responsáveis também pela contratação dessa equipe.
Quem consegue a habitação é dono dela?
Não. No cooperativismo não existe propriedade privada. Ela é do grupo, da cooperativa. Quem mora tem o direito de uso, porém não é o proprietário. A pessoa pode vender esse direito para outra pessoa, mas tanto a venda quanto a compra tem de ser autorizada pela cooperativa. Ou seja, a pessoa que quiser ingressar no sistema tem de ser aprovada pela comunidade, pelo grupo.

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