Jornada de Habitação

O Manifesto de São Paulo

Stefano Boeri

Promovido pela Secretaria Municipal de Habitação da cidade de São Paulo, a Jornada de Habitação (São Paulo Calling) é um projeto que se desenvolverá de janeiro a junho de 2012 e que se propõe a debater as políticas desenvolvidas pela cidade de São Paulo e outras implantadas em metrópoles localizadas em diferentes e distantes partes do planeta, que enfrentam os mesmos problemas relacionados aos assentamentos informais.

Jornada da habitação

Durante seis meses, uma mostra itinerante analisará as características, as diferenças e as causas dos assentamentos informais de Roma, Nairóbi, Medellín, Mumbai, Moscou e Bagdá.

Ao mesmo tempo, seis laboratórios que se manterão em São Paulo, nos bairros de São Francisco, Cantinho do Céu, Bamburral, Heliópolis, Paraisópolis e no Centro, vão realçar as experiências práticas e diretas da vida dos moradores.

Convencidos de que a consciência coletiva das necessidades desses assentamentos informais e a auto-organização empresarial, seja o primeiro aspecto a ser considerado e incentivado para uma política pública urbana eficaz, a cada mês uma favela de São Paulo sediará palestras e debates com a participação de convidados internacionais e dos moradores do bairro. Ao mesmo tempo, serão promovidas atividades como feira de rua, festas, shows de música e torneios de futebol, não somente para aproximar os que falam sobre a cidade daqueles que vivem na cidade, mas também porque os três milhões de pessoas que vivem em assentamentos informais são protagonistas ativos das transformações e das teorizações que ali acontecem.

Os laboratórios e as pesquisas que fazem parte do projeto São Paulo Calling destacarão temas importantes, comuns aos assentamentos informais presentes hoje no mundo, que podem ser resumidos em 11 pontos de um primeiro esboço de manifesto¹.

1) As favelas são cidades

3.000.000 de pessoas vivem em assentamentos precários na cidade de São Paulo. 8.000.000 de pessoas vivem nas favelas de Mumbai; 2.500.000 de pessoas vivem nas áreas pobres de Nairóbi Os assentamentos informais não são um corpo estranho, apartado, ao contrário, são uma importante parte da cidade contemporânea.

2) As favelas são rápidas

A cidade informal cresce rapidamente, às vezes mais do que a capacidade da administração pública em planejar o seu desenvolvimento.

3) As favelas são necessárias

Em vários países, os assentamentos informais são a principal forma de acesso à vida urbana de milhares de migrantes e camponeses. Território para onde se dirige um fluxo incontrolável de urbanização que todos os anos movem milhões de habitantes do planeta, do campo para as cidades.

4) As favelas são pequenas cidades

Muitas vezes distantes do centro, as favelas são sistemas autônomos, distintos, transformando o sistema urbano ao qual pertencem em uma unidade composta de “várias pequenas cidades”.

5) As favelas nunca são iguais

Cada favela tem sua característica, sua linguagem, sua atividade, sua música, seu ritual e suas aspirações.

Cada uma delas segue sua lógica de organização e de identidade.

6) As favelas são áreas urbanas dinâmicas de produção e comércio

Nas favelas, as necessidades de sobrevivência e a ausência de restrições e regulamentos podem incentivar o desenvolvimento generalizado de pequenas empresas artesanais e de serviços ao cidadão, que substituem o welfare público e alimentam um mercado particular de produtos.

7) As favelas representam um modelo auto-organizado de economia do conhecimento

Nas favelas é possível viver com pouco e optar por aprender.

Cada ideia pode tornar-se um ofício e a criatividade produz economia.

8) As favelas representam um novo modelo de urbanização e sociabilidade

Os assentamentos informais têm uma estrutura física única, composta de milhares de pequenas construções edificadas em clusters. Uma estrutura compacta, pequena, intimista, onde cada canto é vida.

Intimidade significa que todo mundo sabe da vida de todos, ter intimidade com seus vizinhos para os bons e maus momentos.

9) As favelas são o espaço ideal para a organização de grupos legais e ilegais

As favelas são o território para a implantação de organizações de todo o tipo. Religiosas, comerciais, de serviços, culturais, às vezes, organizações criminais vinculadas ao tráfico de drogas. Essas organizações informais podem aumentar o grau de autoproteção dos assentamentos informais.

10) As favelas continuam a mudar

As favelas estão em contínua mutação e evolução. Se modificam e crescem, atendendo às exigências dos indivíduos e das famílias que ali moram. Revelam uma história de desenvolvimento fundamental, que é configurado através da biografia de cada migrante, cada família, cada comunidade que nela vive.

11) Uma cidade viral

As favelas são uma cidade ecológica, que não mudam nunca o território de forma irreversível. Mas são também “cidades viral”, onde todos os espaços livres são ocupados, o que transforma a paisagem em uma natureza biohumana: cada espaço é ocupado, não existem lacunas em que a cidade possa desacelerar, respirar.

As favelas são, portanto, uma parte essencial da cidade contemporânea.

Os assentamentos informais não são temporários, mas descrevem uma parte da cidade já existente. Arquitetura, redes sociais e as atividades econômicas são irremediavelmente envolvidas, como as raízes e os ramos de uma floresta. Melhorá-los não significa pensar um novo modelo de cidade, mas ajudar um ramo a crescer para que os outros também cresçam.


(1) Os pontos desse manifesto são resultado da colaboração entre Stefano Boeri e Urbz (Mumbai), acrescido da contribuição da Secretaria Municipal de Habitação da Cidade de São Paulo e dos pesquisadores envolvidos no Projeto São Paulo Calling.

Fonte e maiores informações: http://www.saopaulocalling.org/

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